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Foro de São Paulo reúne partidos nacionalistas burgueses e pseudoesquerdistas latino-americanos no Brasil

Entre os dias 29 de junho e 2 de julho, foi realizada em Brasília, capital do Brasil, a 26ª reunião do Foro de São Paulo.

Sob o tema “Integração regional para avançar a soberania”, ela contou com a participação de representantes de 170 partidos nacionalistas burgueses e pseudoesquerdistas de 28 países latino-americanos, incluindo os partidos que governam o Brasil (Partido dos Trabalhadores – PT), Bolívia (Movimento ao Socialismo – MAS), Cuba (Partido Comunista de Cuba), México (Movimento Regeneração Nacional – MORENA) e Venezuela (Partido Socialista Unido da Venezuela – PSUV), além do Partido Comunista do Chile e várias outras organizações políticas que atuam dentro e fora desses governos.

Lula discursando no Foro de São Paulo [Photo: PT Brasil/Twitter]

A reunião aconteceu depois de muitos representantes associados à “Maré Rosa” de governos nacionalistas burgueses do início do século terem voltado ao poder nos últimos anos, como Andrés Manuel López Obrador (MORENA) no México, o peronista Alberto Fernandez na Argentina, Luis Arce (MAS) na Bolívia, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Brasil, juntamente com os pseudoesquerdistas Gabriel Boric no Chile e Gustavo Petro na Colômbia.

Além de destacar o retorno ao poder de governos que supostamente “se preocupam com a pauta do povo em toda a nossa região”, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que “o tema central [da reunião] é o esforço pela integração de nossos países e a construção de uma ordem mundial multipolar e democrática.”

O discurso de abertura do Foro de São Paulo foi realizado pelo presidente brasileiro, Lula. Desde que voltou ao poder no início deste ano, ele tem tentado fortalecer organizações de integração latino-americanas que marcaram a “Maré Rosa”, como a União das Nações Sul-americanas (UNASUL) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (CELAC), cujos caminhos foram pavimentados pelo próprio Foro de São Paulo.

Segundo Lula, o Foro de São Paulo surgiu de conversas que teve “com os companheiros do Partido Comunista Cubano e com o companheiro Fidel Castro” para unir a esquerda da América Latina, boa parte dela se organizando em “partidos muito pequenos tentando fazer a revolução”, para que ela “voltasse a disputar os espaços democráticos existentes nos seus países.”

Lula ressaltou a importância dos governos da “Maré Rosa” no início deste século, que além de seus próprios incluiu os de Hugo Chávez (PSUV) na Venezuela, Evo Morales (MAS) na Bolívia e Rafael Correa no Equador, dizendo que a “América do Sul ... viveu o seu melhor momento em 500 anos de 2002 a 2010, ... um período de muita expansão, de conquista social e de participação política no nosso continente.”

A retórica anti-imperialista desses governos, incluindo as alegações de alguns deles de que estariam implementando o “socialismo do século XXI”, fez com que a pseudoesquerda latino-americana e internacional os promovessem como uma nova via ao socialismo.

Em seu discurso, o próprio Lula se referiu aos ataques constantes que o Foro de São Paulo tem recebido do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro e outros representantes da extrema direita brasileira e internacional, dizendo que “eles nos acusam de comunistas [e socialistas], achando que nós ficamos ofendidos com isso.”

Ao contrário dessa retórica, os governos da primeira onda da “Maré Rosa” não tiveram nada de socialista. Todos eles defenderam a propriedade capitalista e governaram em nome da burguesia nacional e internacional, ao mesmo tempo que temporariamente utilizaram o boom das commodities impulsionado pelo crescimento da China para implementar limitados programas sociais que não conseguiram alterar a situação da América Latina como a região mais desigual do planeta.

Uma combinação de corrupção generalizada e ataques aos trabalhadores na esteira do crash de 2008 e do fim do boom das commodities descreditou os governos da “Maré Rosa”, o que abriu o caminho para a chegada da direita ao poder em meados dos anos 2010. Muitos deles, como os governos do PT no Brasil, também não só deixaram intactos os militares que estiveram por trás de brutais ditaduras na região, como fortaleceram as Forças Armadas.

Criado em 1990, o Foro de São Paulo alega ter inaugurado o início de um novo período para a esquerda nominal latino-americana em meio ao avanço da globalização, a implementação das políticas neoliberais do Consenso de Washington e o fim próximo da União Soviética. O período anterior teria se iniciado com a Revolução Cubana de 1959 e terminado com a queda do Muro de Berlim em 1989.

Seu objetivo foi reunir diversos partidos nacionalistas burgueses e pequeno burgueses e “renovar” o pensamento e a ação da “esquerda” latino-americana, o que pode ser sintetizada na fórmula avançada pelo PT na época: “nem a socialdemocracia, nem o comunismo.”

Desde o início, o Foro de São Paulo tem se colocado como um opositor do imperialismo americano, defendendo que a unidade e a integração latino-americana baseada na “soberania” e na “autodeterminação”, dois velhos conceitos do nacionalismo burguês, conseguiria se opor à dominação de Washington na região. Ao mesmo tempo, a integração regional foi considerada pelos partidos do Foro de São Paulo como a melhor maneira de inserir a América Latina num mundo globalizado.

De fato, o alvo dos partidos do Foro de São Paulo não foi o capitalismo, mas a globalização e o neoliberalismo. Eliminando a necessidade de uma luta independente da classe trabalhadora, ele defendeu que as medidas neoliberais poderiam ser combatidas por uma série de movimentos sociais na região – sindical, indígena, ecológico, feminino, negro, religioso ligado à teologia da libertação etc. – em aliança com um setor da burguesia afetado pelo neoliberalismo, os “empresários nacionalistas”, segundo a declaração final da reunião de 1991.

Essa aliança seria a base de um “novo modelo de desenvolvimento,” em que o Estado deveria ter um papel fundamental para “regular a economia,” garantir a “distribuição de riqueza” e ampliar a “democracia direta”, segundo o site do Foro de São Paulo. Na reunião de 1998, esse programa foi caracterizado como tendo – nas condições particulares latino-americanas, marcada por regimes militares brutais e enorme desigualdade social – um caráter revolucionário e socialista.

No Partido dos Trabalhadores, essa perspectiva se expressou na década de 1990 com a elaboração do assim chamado “socialismo petista.” Um de seus principais formuladores foi um dos fundadores do PT, Marco Aurélio Garcia, que também foi homenageado na reunião do Foro de São Paulo deste ano.

No artigo “A socialdemocracia e o PT” (1990), ele defendeu que “Para construir seu projeto de transformação socialista do Brasil, o PT precisa escapar do dilema bolchevismo x socialdemocracia.” Isso, por sua vez, significaria afirmar que a “democracia política é um fim em si. Um valor estratégico e permanente.”

Em outro artigo publicado em 1992, “O PT e a nova ordem”, Garcia declarou que “a esquerda latino-americana está unificada igualmente por sua preocupação de fundir socialismo e democracia,” uma vez que a “democracia econômica e social tem um poderoso componente anticapitalista nas condições específicas da América Latina.”

Essa ligação entre “democracia” e “socialismo”, que poderia ser mediada pelo Estado nas “condições específicas latino-americanas”, ignora totalmente o caráter de classe do Estado. O “socialismo petista” considera que a “conquista do Estado” através das eleições pode levar a um novo tipo de regime e no limite ao socialismo através do incentivo à democracia direta, a formação de conselhos populares, orçamento participativo e a realização de referendos. O PT saudou esse processo como “o modo petista de governar,” que também foi uma marca do “socialismo bolivariano” de Chávez e sua “revolução democrática” na Venezuela .

Garcia foi também um dos assessores internacionais dos presidentes petistas Lula e Dilma Rousseff, responsável pela articulação com os governos da América Latina, e foi o principal formulador da política externa “altiva e ativa” do PT. Uma de suas principais características é o fortalecimento de organismos regionais na América Latina, como a UNASUL, a CELAC e blocos comerciais como o MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), como parte da construção de um “mundo multipolar”.

Hoje, em condições de enorme tensão mundial marcada pela guerra na Ucrânia, a China e a Rússia, que junto com o Brasil, a Índia e a África do Sul fazem parte do BRICS, também defendem a “multipolaridade” para se contraporem à busca imprudente de os EUA imporem sua hegemonia global.

De maneira significativa, o documento base do Foro de São Paulo dedicou uma parte inteira à China, saudando os 21 países da região que fazem parte da Iniciativa do Cinturão e Rota. Descrevendo a China como “um fator de estabilidade e equilíbrio” para a América Latina, o documento estimula suas “relações econômicas e políticas particularmente com a CELAC,” com quem a China já realizou várias cúpulas e no ano que vem irá realizar outra. Num ataque implícito aos EUA, o documento também afirmou “que não há conflito de interesses entre a China e América Latina e Caribe, pois a República Popular da China não atacou ou ocupou ilegalmente nenhum território latino-americano, não impôs sanções unilaterais, não promoveu golpes de estado ou impôs ditaduras militares.”

A aproximação da China com a América Latina tem sido observada com preocupação não só pelos EUA, mas também pela União Europeia (UE). Apesar de ser a segunda parceira comercial do Brasil e dos principais países da região atrás da China, a UE também perdeu espaço para o país asiático na América Latina na última década.

Autoridades latino-americanas e europeias na cúpula da CELAC-União Europeia [Photo: Ricardo Stuckert/Twitter]

Numa tentativa de reverter essa situação, a União Europeia anunciou no início desta semana um investimento de 45 bilhões de euros em 130 projetos na América Latina. Isso aconteceu durante a cúpula entre a CELAC e a UE, a primeira desde 2015. Entre os projetos, estão aqueles relacionados à transição energética, como a geração de energia renovável, a produção de hidrogênio verde e a mineração de lítio para a produção de baterias de veículos elétricos.

A corrida por matérias primas na América Latina que são críticas para a transição energética tem colocado a China e a União Europeia, além de os EUA, em rota de colisão. A China possui projetos de extração de lítio na Argentina, Bolívia e Chile, onde estão localizados as maiores reservas do mundo desse metal, além de empresas chinesas terem anunciado recentemente a construção de fábricas de veículos elétricos na Argentina e no Brasil.

Por sua vez, como parte da sua defesa de um “mundo multipolar,” Lula acredita que pode se beneficiar das crescentes tensões internacionais. Ele avaliou que a cúpula CELAC-UE foi a “mais exitosa” que participou com os europeus, explicando: “Poucas vezes vi tanto interesse político e econômico dos países da União Europeia na América Latina, possivelmente pela disputa entre Estados Unidos e China, possivelmente pelos investimentos da China na África e na América Latina, possivelmente pela Nova Rota da Seda, possivelmente pela guerra” na Ucrânia.

As grandes relações da América Latina com a China e, em menor grau, com a Rússia, fez com que a declaração final da cúpula não condenasse a invasão russa da Ucrânia, dizendo apenas que “Expressamos profunda preocupação com a guerra em curso contra a Ucrânia” e “apoiamos todos os esforços diplomáticos visando uma paz justa e sustentável de acordo com a carta da ONU”.

Porém, tal acordo foi totalmente descartado na cúpula da OTAN em Vilnius na semana passada. Como o WSWS escreveu sobre a sua declaração final, ela “exclui desde o início qualquer solução para a guerra na Ucrânia na mesa de negociações”, pois “os Estados Unidos e as potências imperialistas europeias não querem compromisso, eles querem dominar o mundo”. Para a América Latina, isso significa que não será poupada de se tornar palco em uma nova guerra mundial.

Deter essa perspectiva mortal, que ameaça a região e o mundo de aniquilação nuclear, não será possível através da união de forças nacionalistas burguesas e pequeno burguesas latino-americanas representadas no Foro de São Paulo. Promovidas há décadas pelo revisionismo pablista e sua variante na América Latina, o morenismo, como uma nova via ao socialismo, elas têm sido incapazes de levar adiante uma luta contra o imperialismo e a burguesia nacional, abrindo o caminho para sangrentas derrotas da classe trabalhadora na região.

A única perspectiva viável nessa luta é aquela defendida pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI): a união da classe trabalhadora latino-americana com a dos EUA e Canadá e do resto do mundo em uma luta revolucionária contra a guerra imperialista e pelo Estados Unidos Socialistas das Américas como parte do socialismo internacional.

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