Desde o início do ano, uma série de greves e paralisações tem demonstrado uma crescente rebelião da classe trabalhadora contra a piora das condições de trabalho nas escolas de todo o Brasil. Apesar do ano letivo ter mal começado, as lutas já se espalharam por várias capitais do país, em redes de ensino municipais, estaduais e federais.
Uma das mais significativas até agora foi a greve dos trabalhadores terceirizados da educação de Belo Horizonte, Minas Gerais. Responsável pela merenda escolar, portaria, manutenção e limpeza das escolas, dentre outras funções, a categoria demonstrou sua força em assembleias lotadas e manifestações de rua.
A greve começou em 24 de fevereiro exigindo reposição da inflação oficial (4,8%) mais aumento real de 10% nos salários e no vale-alimentação e redução da jornada de trabalho para 30 horas sem redução de salário. As reivindicações também abrangem vários pontos relativos à melhora das condições de trabalho, como plano de saúde, direito a atestados para consultas médicas e adicional de insalubridade para algumas funções.
Outras demandas revelaram que as práticas trabalhistas da empresa contratada pela prefeitura beiram a ilegalidade. Os trabalhadores exigiram: transparência e acessibilidade ao banco de horas; descontos legais [sobre a folha de pagamento] realizados no máximo em dois meses após o ocorrido; equipamentos para registro de ponto; adicional de 70% para as primeiras duas horas extras, e as subsequentes, de natureza excepcional, adicional de 100%; estabilidade para representantes sindicais; e que o setor de medicina da empresa não invalide atestados médicos apresentados pelos trabalhadores.
A prefeitura, que tem à frente o interino Álvaro Damião, do partido de direita União Brasil, atacou os trabalhadores com um desconto dos dias de greve. E, no dia 27, ofereceu um reajuste de 7%. “Os outros pontos que eles querem também vamos dar porque é justo. 15 ou 20 minutos para café e um local para descansar”, declarou Damião.
Apesar de não cobrir sequer as principais reivindicações, a oferta do prefeito foi suficiente para o sindicato da categoria, dirigido pela CSP-Conlutas e pelos partidos de pseudoesquerda PSTU, PSOL e MRT, suspender a greve.
“A suspensão da greve não significa o fim da luta (...) Caso a Prefeitura não avance nas negociações, os trabalhadores poderão retomar a paralisação após a assembleia do dia 10 de março.”, declarou o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte, o Sind-REDE/BH, em seu site.
A notícia recebeu vários comentários, ainda revoltados com as condições:
“Estou de acordo com a greve, pois sou terceirizada, pagam vale-restaurante no valor de $ 19,78, quero que eles mostrem onde vou almoçar ou jantar ou comprar um marmitex nesse valor, sem contar a humilhação. Trabalho em um condomínio com duas torres com 240 moradores para 5 funcionários. Isso é justo? Eles ganham muito às nossas custas”, comentou uma trabalhadora no dia em que a greve foi suspensa.
Em outro comentário, no dia 1º de março, um trabalhador disse: “Só queremos ter nossos DIREITOS RECONHECIDOS; DIGNIDADE e RECONHECIMENTO que também somos trabalhadores em Educação e que somos partes importantes dentro das Escolas Municipais, os nossos trabalhos são partes fundamentais para o andamento das Escolas. Estamos, sim, lutando por DIGNIDADE E RECONHECIMENTO do nosso trabalho.”
No dia 2 de março, uma trabalhadora reclamou do salário, que fica abaixo do mínimo nacional (R$ 1.412) por causa dos descontos questionáveis que a empresa costuma fazer na folha de pagamento:
“A MGS me pagou de VA $ 108,00 e descontaram todos os dias parados e me deram faltas injustificáveis. Isso tudo porque resolvemos pedir dignidade, respeito, aumento (não esmola de 7%). E aí, MGS, por que tantos descontos, se no fundo continuamos a receber menos que o salário mínimo? MP, por favor olhem por nós, quanto a MGS lucra, com vários funcionários, e não ganhamos dignidade, respeito reconhecimento, dignidade. SOS”
Na mesma semana, o jornal O Tempo informava que os salários do prefeito e dos vereadores de Belo Horizonte teriam reajuste de 27%. Segundo a reportagem, o salário do prefeito sairia dos atuais R$ 35.368,66 para R$ 44.918,19, e o dos vereadores passaria de R$ 18.402,02 para R$ 23.370,56.
Mais de dez dias depois de ter desmobilizado os trabalhadores terceirizados “em prol do avanço das negociações”, o sindicato convocou uma nova assembleia – essa já mais vazia que as anteriores – onde foi aprovado o fim da greve.
O perfil do sindicato no Instagram recebeu uma enxurrada de críticas e, numa atitude que expõe ainda mais seu papel traidor, apagou publicações, removendo com elas os comentários dos trabalhadores.
Um deles, que ficou registrado por nós, dizia: “Então o Sindicato pode ter certeza de que nunca mais terá um movimento parecido com esse, pois ele fica descredibilizado. Porque, se ninguém tivesse parado, não teria o que a prefeitura negociar. Pois esse valor é o que já ofereceram desde o início. Para mim, o sindicato sai enfraquecido nessa luta, pois se pelo que eles próprios disseram, que esse foi o maior movimento em termos de adesão dos trabalhadores, e eles não conseguiram nem 1% a mais, é difícil mobilizar a galera em uma próxima luta”.
A clara tentativa de abafar as críticas dos trabalhadores não funcionou, e novas publicações do perfil do Sind-REDE/BH receberam novos comentários. Uma pessoa questionou: “Cadê as principais propostas aprovadas [?], redução da carga horário era muito importante.” Outras denunciaram a negociação: “Deixa a entender que vocês do sindicato recebem uma fatia deste bolo.”, disse uma delas. E outra concordou, concluindo: “não temos representantes”.
A atuação do sindicato – o mesmo que representa oficialmente os professores – foi fundamental para manter a greve isolada e, consequentemente, mais frágil.
Em uma notícia publicada em seu site no dia 18 de fevereiro, quando já se previa uma greve dos terceirizados, o Sind-REDE/BH relatou que, durante uma reunião de representantes dos trabalhadores concursados, “foi debatido se deveríamos ou não paralisar as atividades no dia 20”, junto aos terceirizados. E, de forma absurda, que decidiu não paralisar, supostamente porque a paralisação dos concursados poderia “tirar o foco do movimento deles [terceirizados]”.
O Sind-REDE/BH manteve os trabalhadores isolados também de outros movimentos que já estavam em curso. Servidores municipais de Poços de Caldas, no mesmo estado, Minas Gerais, entraram em greve no dia 5 de março para exigir reajuste salarial de 11,8% e aumento no vale-alimentação de R$ 700 para R$ 1.000.
A greve teve adesão em 79 unidades municipais, entre escolas, creches e postos de saúde. O movimento foi encerrado cinco dias depois, também isolado, com reajuste salarial de apenas 5% e vale-alimentação de R$ 780.
Outro movimento importante aconteceu apenas um mês antes. No dia 10 de fevereiro, professores da rede municipal de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, entraram em greve contra um pacote de medidas da prefeitura que deve impactar fortemente a carga de trabalho e a qualidade da educação oferecida à população.
A prefeitura encerrou as turmas com menos de 30 alunos na EJA (Educação de Jovens e Adultos), uma modalidade indispensável para quem trabalha e estuda. E, na educação infantil, aumentou o limite de alunos nas turmas de 1 e 2 anos e pôs fim à bidocência, modelo que garantia duas professoras nas turmas de 4 e 5 anos.
Os trabalhadores responderam a essas medidas com uma paralisação, e a greve foi rapidamente atacada pelo prefeito, Rodrigo Neves, do PDT (Partido Democrático Trabalhista), que contou com a ajuda da Justiça. A Justiça do Rio declarou a greve ilegal e determinou a volta imediata ao trabalho, sob a ameaça de descontos salariais aos trabalhadores e multa diária de R$ 500 mil ao sindicato.
Mesmo sem ter revertido os ataques, o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) de Niterói propôs a suspensão da greve, declarando que a “a luta continua”, para “cobrar as promessas do governo”.
Em Florianópolis, capital de Santa Catarina, servidores municipais, incluindo trabalhadores da educação, enfrentam uma reforma da previdência que prevê aumento do tempo de serviço e de contribuição. A proposta da prefeitura, entregue à Câmara Municipal no dia 12 de fevereiro, foi respondida com uma greve massiva dos trabalhadores, que se prolongou por 14 dias.
O prefeito Topázio Neto, do PSD (Partido Social Democrático), também teve ajuda da Justiça, para atacar a greve. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina considerou a greve ilegal, sob multa diária de R$ 200 mil ao sindicato. E os funcionários temporários foram ameaçados de demissão pela prefeitura, caso não voltassem ao trabalho.
No dia 25 de fevereiro, a greve foi encerrada após um acordo do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (Sintrasem) com a prefeitura, que apenas adiou para a votação da reforma da previdência municipal para abril.
Enquanto o movimento se encerrava em Florianópolis, começava no Rio Grande do Norte (RN) a greve dos professores da rede estadual, que exigem o cumprimento do piso nacional da categoria.
O piso teve um reajuste de 6,27% oficializado no final de janeiro, mas o governo do RN, liderado por Fátima Bezerra, do PT (Partido dos Trabalhadores), propôs parcelar esse reajuste até o fim do ano e se recusou a pagar o valor retroativo a janeiro e fevereiro. Os trabalhadores responderam com uma greve, que começou no dia 25 de fevereiro e ainda continua.
Setores mais amplos da classe trabalhadora na educação ainda devem se mobilizar este mês.
Na última semana, trabalhadores de instituições federais de ensino do país inteiro fizeram uma paralisação nacional, convocada pela Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (FASUBRA).
A principal demanda é o cumprimento integral do acordo de greve firmado com o governo federal em 2024 e a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, “necessária para viabilizar reajustes salariais”. A votação para liberar o orçamento está marcada para 17 de março.