Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro, acusado de liderar a tentativa de golpe que culminou na invasão das sedes dos Três Poderes do Brasil em 8 de janeiro de 2023.
As audiências ocorreram em duas sessões transmitidas ao vivo e analisaram os casos de Bolsonaro e sete aliados acusados de constituir o “núcleo duro” da conspiração golpista. Eles são: o ex-ministro da Casa Civil, General Walter Braga Netto; o ex-ministro da Defesa, General Paulo Sérgio Nogueira; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha, Almirante Almir Garnier Santos; ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem; o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres; e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Coronel Mauro Cid.
Por decisão unânime dos cinco juízes da Primeira Turma do STF, todos passaram para o banco de réus em um processo penal que se desenrolará pelos próximos meses.
Como o World Socialist Web Site observou, a denúncia agora aceita pelo Supremo Tribunal se baseia em um vasto corpo de evidências que “compõem um retrato sinistro da atuação da gangue militar-fascista que encabeçava o Estado brasileiro sob o governo Bolsonaro” e que foi “responsável por liderar de forma sistemática uma ‘trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas’”.
A abertura do processo contra o ex-presidente e seus co-conspiradores fascistas, quase todos membros do alto-escalão militar, é um acontecimento sem precedentes na história do Brasil. Nunca crimes contra a democracia foram levados a julgamento no país.
A transição para o regime civil no Brasil, que completou 40 anos no último 15 de março, ocorreu sem nenhum julgamento ou penalização dos responsáveis pelo golpe que derrubou o presidente João Goulart em 1964 e pelos crimes atrozes cometidos pela ditadura militar que se estendeu pelas duas décadas seguintes.
O avanço do processo contra Bolsonaro e sua camarilha fascista terá implicações explosivas sobre a situação política turbulenta no Brasil. Longe de representar um ponto final, o julgamento dos responsáveis pela investida golpista do 8 Janeiro só vai trazer à tona e exacerbar os processos políticos profundos que o provocaram.
Nas audiências desta semana, os advogados do ex-presidente e dos demais acusados delinearam as linhas de defesa fundamentais que pretendem utilizar. Alegaram a insuficiência de provas materiais, desafiaram a validade das delações premiadas de Mauro Cid e contestaram a legitimidade do relator do caso, Alexandre de Moraes, e do julgamento na Primeira Turma do STF.
Mas a resposta fundamental de Bolsonaro e seus aliados fascistas ao cerco judicial que enfrentam está sendo preparada por fora dos tribunais.
A reação de Bolsonaro à acusação deixou isso bem claro. Tendo assistido à primeira sessão do julgamento pessoalmente e da primeira fileira, em gesto de desafio político, ele convocou uma coletiva de imprensa imediatamente após a tomada da decisão do STF.
Em um discurso que retomou a retórica agressiva da tentativa de golpe, Bolsonaro voltou a acusar, sem qualquer fundamento, as eleições de 2022 de fraude. Ele declarou:
Estou sendo acusado de tentativa de golpe. Algo as pessoas devem ter percebido da forma tão incisiva como o ministro Alexandre de Moraes conduz, ou se conduz, é algo esquisito por aí. O que ele quer esconder?(...)
Houve interferência no TSE [Tribunal Superior Eleitoral] nas eleições de 2022, ou não?... Cem porcento confiável as urnas?... Durante as eleições de 2022, o TSE influenciou, jogou pesado contra eu e a favor do candidato Lula.
Dez dias antes do julgamento no STF, Bolsonaro e seus aliados prepararam o cenário político com uma manifestação no Rio de Janeiro que tinha como palavra-de-ordem “anistia já!” aos envolvidos na tentativa de golpe. A demanda está associada a um projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados, que, segundo uma pesquisa do Estado de São Paulo, conta com o apoio de 190 deputados e é rejeitado por apenas 126. Os 197 deputados restantes ou se recusaram a se posicionar ou não responderam à pesquisa.
Além de Bolsonaro e dos membros mais reacionários do Legislativo brasileiro, o ato teve a participação de quatro governadores, incluindo os de São Paulo e Rio de Janeiro, os estados mais ricos do país.
Ressaltando os casos dos “soldados-rasos” condenados a penas drásticas por participar da invasão fascista das sedes dos Três Poderes em Brasília, a manifestação buscava reforçar a narrativa de que a investigação e o julgamento da tentativa de golpe de Estado não passam de perseguição política contra Bolsonaro e seus aliados.
O ex-presidente repetiu essas acusações em uma entrevista ao Financial Times publicada nesta terça-feira. Atacando Moraes, Bolsonaro afirmou: “Ele já tem a sentença para mim, 28 anos de prisão”. “Temos um problema de ditadura, uma verdadeira ditadura,” concluiu.
Dando uma indicação sinistra da principal estratégia das forças políticas fascistas brasileiras, Bolsonaro disse ao FT: “O Brasil não tem como sair dessa situação por conta própria. Precisa de apoio externo.” Em outro momento, ele disse: “A ajuda americana é muito bem-vinda,” agradecendo ao presidente Donald Trump por fechar o USAID, que ele acusa de ter financiado supostas fraudes no processo eleitoral de 2022 no Brasil.
Bolsonaro e seus aliados estão anunciando de forma cada vez mais aberta sua busca para continuar sua conspiração ditatorial organizando uma nova tentativa de golpe em direta colaboração com o imperialismo dos EUA.
A movimentação mais significativa nesse sentido foi o recente anúncio de Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, de que está abandonando seu mandato como deputado federal para residir permanentemente nos Estados Unidos. “Aqui, poderei focar em buscar as justas punições que Alexandre de Moraes e a sua Gestapo da Polícia Federal merecem”, ele declarou em uma entrevista em 18 de março.
Afirmando que vai fazer uma campanha para que o governo americano intervenha contra as próximas eleições no Brasil se não for aceita a candidatura de seu pai, que a Justiça Eleitoral já condenou como inelegível. “Essa é a mensagem que eu levaria ao presidente Trump. Mas as pessoas do entorno dele já estão muito conscientes do que está acontecendo”, afirmou.
“Nas próximas semanas a gente vai ter cada vez mais a participação da Casa Branca e do Congresso em segurar o ímpeto de ditadores... Eu acho que todo mundo já entendeu que no Brasil não existe possibilidade de defender esse jogo”, concluiu Eduardo.
As provocações fascistas de Bolsonaro e seu filho, que evocam diretamente a conspiração bem-sucedida de Washington para derrubar Goulart em 1964, representam a mais grave ameaça para a classe trabalhadora brasileira. Esses perigos ganham relevância redobrada no contexto da busca feroz do imperialismo americano para combater a influência econômica adquirida pela China na América Latina e restabelecer sua hegemonia em crise através da força.
Eclipsado pela China como o principal parceiro comercial do Brasil, os EUA buscam estreitar os laços entre o Pentágono e o exército brasileiro para contrabalançar a queda da influência econômica dos EUA. Bolsonaro conta com o apoio desse mesmo comando militar para alcançar seus objetivos.
A ameaça persistente do fascismo no Brasil destaca a necessidade urgente de um acerto de contas decisivo contra o legado vivo da ditadura militar. Essa tarefa exige uma mobilização de massas que ataque o cerne dos ataques crescentes aos direitos democráticos: a ordem capitalista apodrecida.
Os trabalhadores e jovens brasileiros não podem confiar essa tarefa histórica ao Partido dos Trabalhadores (PT) no poder e aos seus satélites da pseudoesquerda e sindicatos, que têm como principal tarefa preservar as aparências do sistema político burguês falido.
Semeando complacência diante dos graves riscos contidos na situação atual, o PT e seus aliados celebraram a recente decisão do STF como uma vitória decisiva contra Bolsonaro e os militares golpistas. Em suas declarações oficiais, as lideranças do PT e do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) proclamaram em clima de festa, “Grande dia!”, junto a comentários jocosos e apelos patrióticos reacionários.
O que as forças do PT e da pseudoesquerda temem, acima de tudo, é que a exposição da conspiração de Bolsonaro e dos militares provoque um movimento político de massas que se combine à crescente onda de greves em todo o país, nas quais a classe trabalhadora está entrando em luta contra as medidas de austeridade capitalistas que o governo Lula busca implementar.
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