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O que Eduardo Bolsonaro fazia em Washington durante o golpe de 6 de janeiro?

Publicado originalmente em 5 de fevereiro de 2021

Novas informações emergiram nas últimas semanas sobre o amplo envolvimento entre o ex-presidente Donald Trump e seu círculo político mais próximo, amplos setores do Partido Republicano e os militares na tentativa de golpe fascista no Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro. Esses fatos respaldam a seriedade com que o World Socialist Web Site lidou com esse evento e sua dimensão política internacional.

Eduardo Bolsonaro (Foto: Paola de Orte/Agência Brasil)

Sua importância, no entanto, foi totalmente menosprezada pela mídia corporativa no Brasil e pelas publicações da pseudoesquerda, apesar das sérias implicações desse golpe na própria realidade política brasileira. Tais implicações foram escancaradas pelas declarações do presidente fascistoide Jair Bolsonaro, que ameaçou repetir no Brasil os mesmos métodos golpistas usados por Trump.

Particularmente, nenhum meio de comunicação ou força política brasileira questionou os motivos de Eduardo Bolsonaro – filho do presidente Bolsonaro, deputado federal e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara – ter estado presente nos Estados Unidos durante os eventos de 6 de janeiro. O fato de Eduardo ter viajado durante suas férias parlamentares foi cinicamente utilizado para tratar a viagem desse conspirador fascista como um assunto pessoal.

A chegada de Eduardo Bolsonaro aos Estados Unidos em 4 de janeiro foi noticiada primeiramente pelo jornal O Globo como uma “visita surpresa” à Casa Branca a convite de Ivanka Trump, filha do ex-presidente americano. No dia seguinte, o próprio “Zero Três”, como o presidente brasileiro chama seu terceiro filho, publicou nas redes sociais uma foto de Ivanka segurando sua filha recém nascida no colo.

Nada foi noticiado pela imprensa em relação às atividades do deputado brasileiro em 5 de janeiro, dia anterior à invasão do Capitólio. Sua esposa, Heloísa Bolsonaro, publicou nas redes sociais nesse dia que “agora que ele [Eduardo] está numa reunião eu poderia estar passeando, mas a cidade de Washington está com muita coisa fechada”. Nenhuma informação foi divulgada sobre quem ele encontrou, ou o assunto deste encontro.

Em meio às platitudes de Heloísa Bolsonaro sobre a “primeira viagem internacional” de sua filha e seu encontro com a “tia Ivanka”, há ainda outra informação reveladora sobre as circunstâncias envolvendo a viagem de seu marido a Washington: “Essa viagem se confirmou há pouco tempo. De última hora, estávamos no verão, tive que pensar em roupa de frio”.

Na noite de 6 de janeiro, antes do Congresso ter finalmente concluído a certificação de Joe Biden como presidente dos EUA, Eduardo Bolsonaro publicou uma foto ao lado de Michael Lindell, dizendo: “Prazer em conhecer Michael Lindell, ex-drogado e hoje empresário de sucesso nos EUA”. Os motivos desse encontro não foram mencionados.

Eduardo Bolsonaro e Ivanka Trump na Casa Branca no dia 4 de janeiro de 2021 (Foto: Instagram de Eduardo Bolsonaro)

Lindell não é qualquer empresário. Ele desempenhou um papel central no planejamento do golpe de Trump. No final de janeiro, como foi reportado pelo WSWS, emergiram informações sobre uma reunião realizada em 5 de janeiro entre o ex-presidente americano e seus apoiadores no Trump International Hotel para discutir os eventos do dia seguinte. Entre as 15 pessoas presentes nessa reunião, além dos organizadores da ação no Capitólio, estava o CEO da MyPillow, Michael Lindell.

Em 15 de janeiro, Lindell fez uma breve visita a Donald Trump na Casa Branca. Um fotógrafo do Washington Post conseguiu capturar uma foto parcial de um documento carregado por Lindell em suas mãos, aparentemente delineando propostas para os últimos dias do ex-presidente no cargo. A nota sugeria invocar o Ato de Insurreição, que permite empregar as Forças Armadas dos EUA nas ruas, e uma declaração de “lei marcial se necessário”.

Aparentemente, o documento também incluía uma proposta de acusar a China e o Irã de estarem por trás da alegada fraude eleitoral como pretexto para invocar poderes emergenciais, e clamava pela nomeação do aliado de Trump Kash Patel à direção da CIA.

Mesmo após essas revelações, a única menção na imprensa brasileira sobre o encontro entre Lindell e Bolsonaro foi uma breve notícia na Revista Época no próprio 6 de janeiro.

Ao invés de alertar à ostensiva presença do deputado fascistoide brasileiro e filho do presidente nos Estados Unidos em 6 de janeiro, o que por si só era uma declaração política, a imprensa fez o contrário. A Folha de São Paulo, o jornal com maior circulação no Brasil, destacou o “silêncio” de Eduardo Bolsonaro sobre a invasão do Capitólio. Já a direitista Veja, a revista de maior circulação no Brasil, afirmou que a invasão foi “esquecida” por Eduardo.

Mas Eduardo Bolsonaro não manteve silêncio sobre o golpe. No dia seguinte, ele compartilhou no Twitter uma publicação do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmando: “Faço minhas as palavras do Chanceler Ernesto Araújo. Esta também é minha visão sobre o ocorrido nos EUA ontem”. Araújo, repetindo os argumentos do círculo próximo de Trump, cinicamente “lamentou” a invasão do Capitólio, enquanto declarava:

“Há que reconhecer que grande parte do povo americano se sente agredida e traída por sua classe política e desconfia do processo eleitoral.

“Há que distinguir ‘processo eleitoral’ e ‘democracia’. Duvidar da idoneidade de um processo eleitoral NÃO significa rejeitar a democracia...

“Há que parar de chamar ‘fascistas’ a cidadãos de bem quando se manifestam contra elementos do sistema político ou integrantes das instituições...

“Nada justifica uma invasão como a ocorrida ontem. Mas ao mesmo tempo nada justifica, numa democracia, o desrespeito ao povo por parte das instituições ou daqueles que as controlam.

“O direito do povo de exigir o bom funcionamento de suas instituições é sagrado. Que os fatos de ontem em Washington não sirvam de pretexto, nos EUA ou em qualquer país, para colocar qualquer instituição acima do escrutínio popular.”

Eduardo Bolsonaro e Michael Lindell (Twitter)

Essas palavras, endossadas pelo “Zero Três”, são uma clara manifestação de apoio à conspiração fascista nos EUA. Junto às declarações golpistas do próprio presidente Jair Bolsonaro, elas devem ser tomadas com a máxima seriedade pela classe trabalhadora brasileira.

Eduardo Bolsonaro é uma figura particularmente nefasta e perigosa. Como policial federal, suas atividades políticas no Brasil estão diretamente ligadas à mobilização das forças policiais como bases de sustentação para um movimento fascistoide. Como deputado, é um defensor da fabricação e liberação indiscriminada do porte de armas no Brasil, e da criminalização do comunismo. Assim como seu pai, é um ávido defensor da sangrenta ditadura militar que governou o Brasil por 21 anos.

No primeiro ano de seu governo, Bolsonaro indicou seu filho Eduardo como embaixador do Brasil nos EUA, alegadamente por ser “amigo dos filhos do Donald Trump” e ter uma “vivência muito grande do mundo”. Esse plano, no fim das contas, fracassou. A “vivência do mundo” mencionada por Bolsonaro inclui ter sido nominado por Steve Bannon como líder sul-americano de sua articulação fascistoide, The Movement.

Eduardo não foi aos Estados Unidos a passeio. Ele foi convocado efetivamente como um observador internacional do golpe de Trump em nome dos fascistas brasileiros. Se Trump tuitou a seus apoiadores que 6 de janeiro “vai ser selvagem”, basta imaginar o que foi dito a Eduardo Bolsonaro.

É extremamente revelador do caráter de organizações como o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a dita oposição ao governo de Bolsonaro, o fato de não terem sequer cobrado explicações de Eduardo Bolsonaro à Câmara dos Deputados sobre os motivos de sua viagem aos Estados Unidos.

A guinada da classe dominante a formas ditatoriais de dominação, seja no Brasil, nos EUA ou qualquer outra parte do mundo, não encontrará nenhuma séria barreira nos partidos baseados no Estado burguês e na defesa das relações de propriedade capitalista, independentemente do verniz de “esquerda” sob o qual tentem se cobrir. Somente a mobilização independente da classe trabalhadora internacional, orientada com a perspectiva socialista do Comitê Internacional da Quarta Internacional, pode seriamente enfrentar essa ameaça.

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