A reunião de cúpula do BRICS - grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - realizada na semana passada marcou uma importante tentativa de aumentar sua influência econômica no cenário mundial. Um comentarista do Financial Times declarou de forma bastante grandiosa que a reunião tinha o potencial de ser vista como “o equivalente do século XXI a conferência de Bandung de 1955, que lançou o movimento não alinhado”.
O mundo mudou profundamente desde a dissolução da União Soviética em 1991 e o fim da Guerra Fria, durante a qual os países não alinhados manobraram entre os blocos dominados pela União Soviética e pelos Estados Unidos. Longe de inaugurar uma nova era de paz e estabilidade, o mundo está mergulhado em uma instabilidade econômica e em tensões geopolíticas muito mais profundas. Os EUA e seus aliados da OTAN estão travando uma guerra contra a Rússia na Ucrânia, enquanto Washington intensifica o confronto e os preparativos para enfrentar Pequim.
Pressionada pela China, a cúpula do BRICS decidiu se expandir com o ingresso de seis novos países - Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU) - a partir do início do próximo ano. Essa é apenas a primeira etapa de uma nova expansão que poderá incluir países como Nigéria, México, Venezuela e Vietnã, aumentando substancialmente o peso econômico do bloco.
Grande parte dos comentários na imprensa americana e ocidental concentrou-se nas óbvias divergências políticas, rivalidades e tensões que dividem os países do BRICS. Mesmo antes da decisão de expansão, a Índia e a China têm se desentendido por causa de disputas de fronteira, sendo que a Índia faz parte do Diálogo de Segurança Quadrilateral (QUAD) - um pacto quase militar liderado pelos EUA contra a China.
A Arábia Saudita, o Egito e os Emirados Árabes Unidos estão estreitamente alinhados com os EUA, enquanto Washington mantém pesadas sanções punitivas contra o Irã por causa de seus programas nucleares. Além disso, o Irã e a Arábia Saudita são rivais ferrenhos pela influência no Oriente Médio e romperam os laços diplomáticos em 2016. De forma significativa, a China intermediou o restabelecimento das relações entre as duas potências do Oriente Médio em março.
A China e a Rússia claramente consideraram a cúpula como um meio de combater os esforços conjuntos dos EUA e de seus aliados para isolá-los e difamá-los. O presidente russo Vladimir Putin, que enfrenta um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional por acusações de crimes de guerra, participou da reunião por vídeo.
O presidente chinês, Xi Jinping, que chegou antes de outros líderes para uma visita de Estado, foi homenageado pelo governo sul-africano e foi condecorado com a Ordem da África do Sul - uma indicação da importância da China no BRICS. Xi também realizou uma reunião com líderes africanos nos bastidores da cúpula, prometendo que a China “aproveitaria melhor seus recursos para cooperação” com a África.
Ao promover a expansão do BRICS, a China sugeriu que o bloco poderia se tornar um contrapeso ao G7 e a outras instituições dominadas pelos EUA, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Em sua declaração, Xi atacou os EUA, sem citá-los nominalmente, como um país “obcecado em manter sua hegemonia”, que “fez de tudo para prejudicar os mercados emergentes e os países em desenvolvimento”. Ele alertou para o perigo de se caminhar sonâmbulo “para o abismo de uma nova Guerra Fria”.
Citando a divergência interna de pontos de vista dos BRICS sobre questões importantes, o assessor de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, minimizou a importância de sua expansão, declarando que não a via “evoluir para algum tipo de rival geopolítico dos Estados Unidos ou de qualquer outro país”.
No entanto, o editorial de ontem do Australian declarou que a cúpula sinalizou a transformação do “BRICS de cinco nações, antes inconsequente” em um órgão expandido e bem financiado, preparado para promover os interesses geopolíticos chineses e russos. Refletindo as críticas dos republicanos em Washington, o jornal culpou Biden pelas relações tensas com a Arábia Saudita e outros aliados dos EUA, alertando: “O Ocidente pagará um preço alto se não conseguir impedir que a aliança de cinco nações se torne um novo e potente ator no cenário mundial”.
Uma questão óbvia é cuidadosamente evitada na maioria dos comentários sobre a cúpula. Considerando as divergências gritantes entre os membros do BRICS, a pergunta que se coloca é: o que está unindo esses países?
Em seus comentários, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa destacou a preocupação mútua com o domínio do dólar americano nas transações financeiras internacionais. “Há um impulso global para o uso de moedas locais, acordos financeiros alternativos e sistemas de pagamentos alternativos”, disse.
Os líderes do BRICS instruíram seus ministros das finanças e presidentes de bancos centrais a desenvolverem formas de reduzir sua dependência do dólar americano no comércio com outros países membros.
As tentativas de diminuir a dependência do dólar americano foram motivadas pela maneira como o imperialismo americano tem explorado a posição global da moeda como uma arma financeira contra países-alvo. O medo nas capitais de todo o mundo, inclusive naquelas alinhadas com Washington, aumentou drasticamente depois de o governo Biden congelar as reservas do banco central da Rússia após o início da guerra na Ucrânia.
O ex-assessor do secretário-geral da ONU Kofi Annan, Nader Mousavizadeh, citado pelo Financial Times, explicou que não foi tanto a guerra dos EUA e da OTAN contra a Rússia na Ucrânia, mas o congelamento dos ativos russos que provocou a preocupação dos países do BRICS.
Referindo-se à natureza dispersa do grupo como um “arquipélago”, ele explicou: “Para as potências médias, foi o mesmo que alguém entrar e confiscar a propriedade da embaixada. Foi um lembrete de que você pode ter esse senso de oportunidade no arquipélago, mas que não existem alternativas ao mundo do dólar americano.
“Muitos pensaram que temos que fazer o que for preciso para evitar estar na posição de ter reservas dessa magnitude congeladas no futuro. Essa foi a principal resposta de Modi e muitos outros governos de potências médias, inclusive no Oriente Médio, também estavam obcecados com isso.”
Embora o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva tenha apresentado a ideia de uma moeda comum do BRICS antes da cúpula, ela não ganhou força. A capacidade de qualquer moeda, incluindo o renminbi chinês, de substituir o dólar americano como moeda global enfrenta grandes obstáculos que não podem ser superados em um agrupamento tão díspar como um BRICS expandido.
No entanto, conforme explicado em uma longa série de quatro partes do Financial Times intitulada “The Rise of the Middle Powers” (“A Ascensão das Potências Médias”), a estratégia da China é reduzir o domínio do dólar americano incentivando as transações em renminbi. A quarta parte da série começou observando que, no mês passado, a Argentina, com suas reservas em dólares, fez um pagamento ao FMI em renminbi.
Conforme explicado no artigo, a China está envolvida em uma estratégia multifacetada para minimizar o uso global do dólar americano. Isso inclui a criação de um conjunto maior de liquidez em renminbi nos mercados de capital offshore para facilitar seu uso mais amplo por comerciantes e investidores; o estabelecimento do Cross-Border Interbank Payment System (Cips) como rival dos sistemas de liquidação interbancária denominados em dólares Chips e Swift; e o lançamento de um renminbi digital.
Essas estratégias enfrentam obstáculos consideráveis, principalmente a turbulência financeira interna em desenvolvimento na China e a determinação dos EUA em manter o domínio do dólar. O que está claro, no entanto, é que a agressão econômica e militar do imperialismo dos EUA está levando os países a reconsiderar os antagonismos anteriores diante de uma ameaça comum.
Embora o BRICS, mesmo em sua forma expandida, dificilmente se iguale à influência econômica das potências imperialistas reunidas no G7, sua consolidação é outro eco sinistro dos blocos econômicos e monetários formados na década de 1930, quando o mundo caminhava em direção a um conflito global desastroso.