Mesmo com a ameaça de agravamento da pandemia no Brasil impulsionado pela propagação da subvariante XBB.1.5 da Ômicron, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT) sinalizou nas últimas semanas sua intenção de declarar o fim da pandemia e fazer a população brasileira se acostumar a “viver” com o novo coronavírus.
Em 16 de fevereiro, o ministério da saúde anunciou que passará a divulgar os dados da COVID-19 de casos, mortes e as taxas de vacinação semanalmente, e não mais diariamente, a partir de 3 de março. Tentando justificar o que na prática significa um avanço no abandono do monitoramento da pandemia no Brasil, o diretor de imunização do ministério da saúde, Eder Gatti, declarou que apenas 9 dos 27 estados brasileiros atualizam os dados diariamente, o que supostamente não “permite análises epidemiológicas.” Ainda segundo ele, “Não estamos restringindo dados… O que queremos aqui é facilitar o trabalho dos dados e a gente poder enviar dados semanais mais precisos”.
Uma alegação como essa não se sustenta em pé. Caso o governo Lula tivesse uma preocupação genuína com a pandemia, o mínimo que poderia fazer é coordenar um esforço nacional e assistir os estados na implementação de um sistema para monitorar a pandemia diariamente, com um programa de testagem em massa, sequenciamento das variantes em circulação e outras medidas completamente ignoradas pela política de “imunidade de rebanho” do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro.
Porém, quase dois meses após sua posse, o governo Lula não desfez as medidas do governo Bolsonaro para priorizar os interesses corporativos sobre as vidas humanas, como a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional devido à COVID-19 terminada em abril de 2022. O governo Lula também não implementou campanhas de conscientização sobre a transmissão aérea do SARS-CoV-2, a importância do uso de máscaras de qualidade e sua distribuição gratuita, assim como outras medidas básicas de saúde pública que teriam um impacto quase imediato e poderiam evitar casos e mortes.
A mídia burguesa brasileira tem cumprido um papel auxiliar do governo Lula em seu esforço para esconder a pandemia. Em um movimento que preparou a decisão do governo Lula de restringir a divulgação dos dados da COVID-19, no final de janeiro, os principais jornais brasileiros acabaram com seu sistema conjunto de monitoramento diário da pandemia, lançado em junho de 2020 quando o governo Bolsonaro tentou censurar os dados da COVID-19 no Brasil.
Ao longo de fevereiro, as notícias sobre a pandemia no Brasil e no mundo foram praticamente desaparecendo da mídia brasileira, particularmente com a aproximação do carnaval, que se tornou o foco do noticiário nas últimas semanas e que o governo Lula aproveitou deliberadamente para anunciar a mudança na divulgação dos dados da pandemia no Brasil. Com efeito, dois dos principais jornais brasileiros, o Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo, nem mesmo noticiaram essa mudança pelo ministério da saúde.
Depois, o governo Lula avançou outra etapa em sua tentativa de encobrir a pandemia no Brasil com sua ministra da saúde, Nísia Trindade. Em 17 de fevereiro, ela divulgou um vídeo dizendo, como se a pandemia tivesse acabado, que, “finalmente, chegou a hora de celebrarmos a maior festa popular do nosso país.” Significativamente, essa declaração na véspera do carnaval, quando os setores de serviços e turismo no Brasil lucram bilhões, também expressou a intenção do governo Lula em não colocar quaisquer restrições à economia mesmo com o agravamento da pandemia.
Como aconteceu nas eleições de 2020 e 2022, o carnaval brasileiro ameaça se tornar um evento super-propagador do novo coronavírus e impulsionar uma nova onda no Brasil. Essa situação pode ainda ser agravada pela propagação da subvariante XBB.1.5 da Ômicron, mais transmissível e mais resistente às vacinas. Ela foi detectada pela primeira vez em São Paulo no início de janeiro, e um mês depois era responsável por 80% dos casos no estado.
Como parte da alegação anticientífica avançada pela elite capitalista mundial de que apenas a vacinação é suficiente para combater uma doença tão infecciosa como a COVID-19, Trindade disse no vídeo: “nossa grande aliada [neste momento] é a vacinação. Quanto mais pessoas com um esquema completo de vacinação, mais estaremos protegidos frente às formas graves da doença.”
Por mais que as vacinas protejam contra as formas graves, elas não impedem que as pessoas sejam infectadas e sofram todos os seus efeitos, particularmente a COVID longa. Considerando isso, a ministra da saúde do governo Lula está dizendo que a população brasileira pode ignorar todos os outros instrumentos que a ciência há décadas tem utilizado no combate a doenças infecciosas, como o distanciamento social e o uso de máscaras, e assumir o risco de ser infectada e desenvolver todas as suas consequências.
Isso, na verdade, tem sido colocado em prática desde a vitória eleitoral do PT, com o costume de Trindade e autoridades do governo – incluindo o próprio Lula, já com 77 anos de idade e que já testou positivo para a COVID-19 – de frequentarem eventos fechados e lotados sem o uso de máscara. Depois de o uso de máscaras, assim como o monitoramento da pandemia, ter sido um alvo frequente da política de “imunidade de rebanho” do governo Bolsonaro e que o PT supostamente “combateu” nos últimos anos, esse mau exemplo deixa a sociedade totalmente despreparada para o risco de um novo surto, que está agora ameaçando o Brasil.
Desde o início de fevereiro, é possível verificar uma reversão na queda de casos e mortes de COVID-19 no Brasil depois da onda impulsionada pela subvariante BQ.1 da Ômicron no final do ano passado. Em 22 de fevereiro, Isaac Schrarstzhaupt, o coordenador da Rede COVID-19, uma das poucas iniciativas que ainda monitoram a pandemia no Brasil, confirmou essa tendência, chamando a atenção para o aumento da ocupação dos leitos de enfermaria em São Paulo de 750 em 7 de fevereiro para 1.050 em 21 de fevereiro. Nacionalmente, apenas a região Sul não está registrando uma piora na pandemia. Na região Norte, o estado do Amazonas registrou um aumento de 546% nas internações e de mais de 1.200% nos casos nos 15 primeiros dias de fevereiro.
Dados dos últimos dias reforçam essa tendência. Depois de os dados da COVID-19 não terem sido divulgados entre 18 e 21 de fevereiro devido ao carnaval, na quarta-feira, o Brasil registrou 453 mortes e 11.616 casos, enquanto na quinta-feira foram registrados 334 mortes e 9.646 casos. Devido a enorme subnotificação, a média de casos entre 11 e 17 de fevereiro diminuiu de 8.192 para 3.544 entre 18 e 23 de fevereiro, enquanto a média de mortes aumentou de 55 para 131 no mesmo período.
Em contraste com a posição da ministra da saúde do governo Lula, o renomado neurocientista Miguel Nicolelis emitiu uma série de alertas no Twitter nos últimos dias. Denunciando que “A pandemia foi totalmente retirada da pauta e discursos políticos”, ele escreveu em 16 de fevereiro: “Há dois dias do começo do Carnaval que promete ter as maiores aglomerações em décadas não existe nenhuma comunicação oficial do MS [ministério da saúde] para alertar a população sobre a circulação de novas variantes da Ômicron! Nenhuma estratégia para quebra de transmissão, além de vacinas, anunciado”.
Na segunda-feira passada, Nicolelis ainda reforçou: o “MS não deveria aderir ao desleixo e falta de responsabilidade sanitária de estados que deixaram de divulgar dados diários da COVID-19. Deveria sim determinar que estes dados fossem disponibilizados diariamente. É vergonhoso e extremamente decepcionante esta conduta.”
Apesar de Bolsonaro representar a face mais cruel da “imunidade de rebanho”, os últimos acontecimentos reforçam que o PT abraçou essa política homicida. Isso, porém, já tinha ficado claro em ondas anteriores da pandemia no Brasil. Na segunda onda mortal, em 2021, Nicolelis, ele próprio um apoiador do PT de longa data, deixou o comitê científico dos estados do Nordeste diante da inação dos governadores da região, incluindo quatro deles do PT.
Depois, durante o pico da onda da Ômicron BA.1 no início do ano passado, Nicolelis voltou a denunciar a política do PT nos estados, dizendo em entrevista ao WSWS: “os próprios governadores do PT, que eu conheço muito bem porque trabalhei com eles, deixaram de fazer o que tinha que ser feito há muito tempo. Então, quem é progressista nessa história? Eu vi condutas de gente chamada de progressista que eram muito parecidas com a do Bolsonaro. Só tinham o verniz e a chancela de progressista.” O mesmo pode se dizer agora do governo Lula.
Esse desenvolvimento confirma os alertas do Comitê de Base pela Educação Segura no Brasil (CBES-BR) de que o governo Lula seguiria o exemplo de outros líderes capitalistas que, a cada onda da pandemia, retiraram as medidas de mitigação ainda em vigor. Isso, por sua vez, tem permitido a ampla propagação do novo coronavírus e o surgimento de uma subvariante como a XBB1.5, que impulsionou uma onda mortal nos EUA recentemente e agora ameaça o Brasil.
Se esse processo não for interrompido através da eliminação global da COVID-19, isso poderá se repetir indefinidamente, com consequências devastadoras para as populações brasileira e mundial. Portanto, a CBES-BR, que faz parte da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base, faz um chamado para que professores e toda a classe trabalhadora brasileira lutem por essa política em aliança com os trabalhadores de todo o mundo e finalmente coloquem um fim a todo o sofrimento causado pela pandemia.