Publicado originalmente em 15 de julho de 2022
Diante da perspectiva de derrota nas eleições gerais de outubro, o presidente fascistoide brasileiro, Jair Bolsonaro, está ampliando as ameaças de seguir uma estratégia política que espelha diretamente o putsch de 6 de janeiro de Donald Trump em Washington.
Apoiado por membros-chave de seu gabinete, como o Ministro da Defesa, General Paulo Sérgio de Oliveira, Bolsonaro está intensificando seus ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao sistema de votação eletrônica do Brasil com alegações falsas de que as eleições serão manipuladas em favor do líder nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT).
O debate político no Brasil é dominado por um reconhecimento universal da probabilidade de alguma forma de reencenação da invasão do Capitólio dos EUA, ou seja, de um ataque violento à instituição responsável pela certificação eleitoral – neste caso, o Tribunal Superior Eleitoral – ou a outras instalações na capital, Brasília.
Referências a um “cenário Capitólio” têm sido feitas por oficiais do Exército ao descrever os preparativos do serviço de inteligência para as eleições. Membros da Supremo Tribunal Federal (STF), que presidem o TSE, também advertiram repetidamente sobre isso. Na semana passada, o último presidente do TSE e ministro do STF Edson Fachin declarou ao público no Wilson Center, em Washington, que o Brasil poderia ver “um episódio ainda mais agravado do 6 de janeiro daqui do Capitólio” à medida que a eleição se aproxima.
Ainda mais significativo é que o próprio Bolsonaro, assim como seus filhos – um senador, um deputado federal e um vereador – fizeram repetidas referências ao putsch de 6 de janeiro, que Bolsonaro apoiou.
Na quinta-feira, 7 de julho, em sua transmissão ao vivo semanal, Bolsonaro declarou a seus seguidores fascistoides: “Você sabe como deve se preparar, não para um novo Capitólio ... nós sabemos o que temos que fazer antes das eleições”.
Uma semana antes, quando perguntado pelo jornal Estado de S. Paulo se Bolsonaro reconheceria uma derrota, o senador Flávio Bolsonaro declarou que sua família não pode ser responsável pelo que seus partidários fazem antes e depois das eleições. Flávio comparou a postura de seu pai com a de Donald Trump, o qual ele alegou que “não tinha ingerência, não mandou ninguém para lá (invadir o Capitólio)”. Ele continuou: “As pessoas acompanharam os problemas no sistema eleitoral americano, se indignaram e fizeram o que fizeram. Não teve um comando do presidente e isso jamais vai acontecer por parte do presidente Bolsonaro”.
Significativamente, a entrevista de Flávio Bolsonaro foi publicada dias depois do testemunho do ex-assessor da Casa Branca Cassidy Hutchinson que, como relatado pelo World Socialist Web Site, “apresentou um relato dos esforços de Trump para dirigir pessoalmente a invasão do Capitólio, assassinar seus oponentes e se estabelecer como ditador”. Esta informação não é nenhuma novidade para Flávio Bolsonaro, cujo irmão, Eduardo, foi diretamente convocado a Washington por Trump para participar como observador internacional de sua tentativa de golpe.
Ao mesmo tempo, o Ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, está trabalhando para invadir a competência do TSE de uma maneira sem precedentes. Ele declarou em comunicados oficiais e memorandos internos que questões “técnicas” levantadas pela área de cibersegurança do Exército foram ignoradas pelo TSE, mas que tais questões não serão reveladas na presença de outros órgãos constitucionalmente encarregados de supervisionar a eleição, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Tais declarações são exclusivamente destinadas a dar às Forças Armadas um pretexto para apoiar Bolsonaro na alegação de fraude eleitoral, ao mesmo tempo em que se esquivam de qualquer responsabilidade de substanciar as alegações.
A força motriz por trás dos planos de Bolsonaro para uma ditadura é a crise contínua do capitalismo mundial, na qual guerra, inflação e uma pandemia descontrolada estão se somando e expandindo amplamente o que já era o maior nível de desigualdade social desde o início do século XX. Não apenas no Brasil, mas em todos os países, e particularmente no centro nervoso da ordem imperialista mundial, os Estados Unidos, a desigualdade social e o impulso à guerra mundial atingiram níveis incompatíveis com as formas democráticas de governo.
Mas como nos EUA, a capacidade de Bolsonaro de alistar e preparar autoridades e soldados rasos fascistas para estabelecer uma ditadura, em plena luz do dia, é derivada não de sua força política, mas das falsidades e acobertamentos daqueles que se colocam como oposição a seu governo, principalmente o PT.
A coalizão liderada pelo PT se opõe a Bolsonaro exclusivamente por acreditar que seu desprezo sádico pela miséria que acomete setores cada vez maiores de trabalhadores brasileiros ameaça os interesses do capital brasileiro e internacional com a erupção de uma revolta em massa vinda de baixo, como as observadas nos países vizinhos – Chile, Colômbia e Equador – e agora de forma dramática na crise revolucionária que se desenrola no Sri Lanka.
Uma característica essencial desta “oposição” eleitoral é sua incansável caracterização de Bolsonaro como um raio num céu azul, produto apenas da disseminação em massa de “notícias falsas” através das redes sociais por alguns poucos conspiradores nos meses que antecederam as eleições de 2018.
Com a aproximação das eleições, o PT afirma cada vez mais insistentemente que nem as potências imperialistas, nem os capitalistas brasileiros, nem a coalizão de governo de Bolsonaro e nem mesmo os militares o apoiarão para um segundo mandato, muito menos um golpe de Estado. Em outras palavras, o PT retrata a ordem capitalista brasileira em decomposição como saudável e próspera e comprometida com formas democráticas de governo e até mesmo reformas para combater a pobreza, em nome do “impulso ao mercado interno”.
Esta narrativa é reforçada por uma omissão deliberada – ou até mesmo por mentiras – em relação ao desenvolvimento da crise capitalista nos Estados Unidos, levando ao chamado “cenário Capitólio,” que se tornou o ponto de referência para a conspiração golpista de Bolsonaro.
Segundo narrativa oficial promovida pelo Partido Democrata nos Estados Unidos e seus homólogos internacionais como o PT, o ataque ao Capitólio por fascistas liderados por Trump em 6 de janeiro não foi nada mais do que um movimento desesperado de um mau perdedor, sem mais consequências. Tanto os democratas americanos quanto o PT agem diante das ameaças da extrema-direita como se tudo fosse como antes. O presidente americano Joe Biden chama os co-conspiradores de Trump de “meus amigos republicanos”, e Lula e o PT fazem alianças com todos aqueles que anteriormente eram chamados de “facilitadores de Bolsonaro”, a começar pelo companheiro de chapa de Lula, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin.
Como corolário, Lula declara que “não adianta falar sobre os generais”, pois as forças armadas “as forças armadas estarão ao lado do povo brasileiro ... como estiveram em momentos importantes da nossa história”. Isto em um país governado durante duas décadas por uma ditadura militar-fascista instalada após a derrubada pelos generais do presidente eleito do Brasil em 1964!
Durante uma manifestação de massa em que marcava a guerra de independência do Brasil em 2 de julho, Lula chegou ao ponto de convocar seus apoiadores a desprezar a ameaça de golpe. Ele disse à multidão: “Não aceitem o terrorismo, não acreditem no terrorismo que é feito na televisão de que vai ter golpe, que ele [Bolsonaro] está querendo criar caso”.
Diante da complacência criminosa promovida pelo PT, os trabalhadores brasileiros devem conhecer o real significado do ataque ao Capitólio em Washington 18 meses atrás, assim como as implicações das referências a estes eventos feitas por Bolsonaro e seus filhos.
Ao contrário da narrativa do “isolamento” de Trump, as evidências reunidas até agora por investigações criminais e audiências do Congresso dos EUA, embora longe de exaustivas, apontam decisivamente para uma ampla conspiração nos mais altos níveis do estado, inclusive dentro das forças armadas americanas e da Suprema Corte.
O plano de Trump contava com a captura da Câmara pelos fascistas, permitindo que seus memobros fossem coagidos a devolver as listas dos totais de votos aos estados, onde várias legislaturas controladas pelo Partido Republicano anulariam os votos do Colégio Eleitoral previamente submetidos ao Congresso dos EUA e declarariam Trump o vencedor.
A decisão seria apoiada por uma decisão fraudulenta da Suprema Corte. Foi revelado que, enquanto transcorria tal processo, os Chefes de Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA atrasaram por três horas a mobilização da Guarda Nacional, dando aos fascistas tempo suficiente para apreender e potencialmente assassinar alvos chave como o vice-presidente Mike Pence, efetivamente esperando para se alinharem com Trump em caso de sucesso.
O caminho para que essa conspiração tivesse sucesso contava com histórico de posicionamentos políticos dos oponentes nominais de Trump, os democratas. Liderados por Joe Biden, que pateticamente pediu a Trump para cancelar seu próprio golpe, eles teriam sem dúvida concordado com a invalidação do voto popular pelos estados, como fizeram diante de condições muito menos ameaçadoras na Flórida em 2000, entregando a presidência a George W. Bush.
Assim como na tentativa de golpe de Trump, a conspiração de Bolsonaro para estabelecer uma ditadura no Brasil através de um ataque a órgãos constitucionais como o Tribunal Eleitoral, guiado por um “cenário Capitólio”, vai muito além do incitamento de uma multidão. Acima de tudo, um papel não menos covarde e traiçoeiro está sendo desempenhado pelo PT, que conta inteiramente com o grande capital brasileiro e os governos imperialistas para favorecê-lo na disputa contra Bolsonaro.
Com este fim, Lula viajou pela Europa para cortejar as potências imperialistas, enviou o senador Jaques Wagner para se reunir com autoridades do Departamento de Estado dos EUA e com embaixadores, e agora passa dia e noite assegurando aos empresários que seu objetivo é proporcionar-lhes a estabilidade e a previsibilidade necessárias para os lucros.
O PT, visando apenas recuperar seu posto de baluarte do capitalismo brasileiro, teme uma revolta da classe trabalhadora contra a extrema-direita e o próprio capitalismo infinitamente mais do que teme Bolsonaro ou outra ditadura militar.
A luta contra a pobreza, a austeridade, a guerra e a ditadura exige uma ruptura completa e consciente com todos aqueles que apoiam politicamente a reação capitalista, incluindo o PT e seus satélites pseudoesquerdistas como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Para cumprir esta tarefa crucial, uma seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional deve ser construída como a nova liderança revolucionária da classe trabalhadora.