A ameaça de um golpe fascista no Brasil mostrou-se com clareza cegante no último 7 de setembro com as manifestações organizadas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores de extrema-direita abertamente em defesa da instauração de um regime ditatorial no país.
Apenas dois dias depois das manifestações, o presidente Bolsonaro lançou uma “Carta à Nação”, na qual atestou sua lealdade à democracia e afirmou: “nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”. Não poderia haver declaração mais cínica.
Bolsonaro passou semanas sistematicamente preparando os atos fascistoides com suas ameaças virulentas de provocar uma “ruptura institucional”. Nos seus discursos no 7 de setembro diante de uma multidão que erguia faixas exigindo “intervenção militar”, ameaçou abertamente o fechamento do poder judiciário e declarou que somente Deus lhe tira do poder. O presidente afirmou na “Carta” que “minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”.
O documento foi escrito com o auxílio aberto do ex-presidente Michel Temer (MDB). Enquanto vice-presidente de Dilma Rousseff, Temer assumiu o poder em 2016 após o impeachment da presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) baseado em acusações fraudulentas.
A “Carta à Nação” foi saudada pelo alto escalão do Estado brasileiro como um sinal reconciliador de Bolsonaro, e o caos provocado sistematicamente por ele foi imediatamente perdoado como um simples mal-entendido!
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), declarou: “Tudo o que aconteceu e estava fora do script, a gente pode colocar como o fervor da política, emoção do momento.... o presidente da República acertadamente serena os ânimos”. Por sua vez, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), afirmou que a carta foi “uma sinalização positiva de Bolsonaro” e “vai ao encontro do que a maioria dos brasileiros espera”.
O recuo tático sinalizado por Bolsonaro na “Carta”, no entanto, só pode ser compreendido como parte integral da sua escalada ditatorial. Respondendo a uma parte decepcionada de seus apoiadores fascistoides, que esperava um golpe imediato após as manifestações, Bolsonaro declarou: “Alguns querem que eu vá lá e degole todo mundo. [Mas] hoje em dia não existe país isolado, todo mundo está integrado ao mundo”.
Em outras palavras, a consumação de um golpe militar-fascista no maior país da América Latina exige o alinhamento de fatores internos e externos, dentre os quais o apoio direto do imperialismo americano é fundamental. Apesar de a mídia burguesa e a pseudoesquerda pequeno-burguesa terem assumido a eleição de Joe Biden à presidência dos EUA como garantia máxima da democracia no Brasil, a atitude do governo democrata – o mesmo partido que apoiou o golpe militar brasileiro de 1964 – não está de forma alguma definida.
Do ponto de vista interno, a própria resposta das lideranças parlamentares à carta de Bolsonaro revela um grau gritante de conivência com as movimentações golpistas de Bolsonaro. Essa atitude perpassa os partidos políticos burgueses tradicionais e as forças militares. Enquanto parte dos generais arregimentados para o governo por Bolsonaro subiu com ele aos palanques dos atos fascistas, outros fizeram ameaças sem precedentes ao regime civil, como a declaração conjunta do comando militar alertando que não aceitará “ataques levianos” dos parlamentares às Forças Armadas.
Tais desenvolvimentos esmigalham as alegações de que o regime brasileiro estaria blindado de ameaças golpistas por meio dos mecanismos autorreguladores das instituições e, principalmente, pelo compromisso constitucional das Forças Armadas. Mais profundamente, expõem a putrefação do Estado brasileiro somente 35 anos depois da instauração de um regime civil que sucedeu mais de duas décadas de ditadura militar brutal.
A dita oposição ao governo Bolsonaro, encabeçada pelo PT e seus satélites pseudoesquerdistas, respondeu à profunda crise política da forma mais criminosa. Eles estão lutando para neutralizar qualquer movimento político independente da classe trabalhadora e convencer a população de que a única via de resistência possível às ameaças ditatoriais é pela conformação de um acordo no interior do Estado burguês.
No 12 de setembro, partidos e movimentos políticos de direita promoveram uma manifestação contra Bolsonaro, buscando capitalizar o crescente ódio popular contra o governo fascistoide e se apresentarem como alternativa. A manifestação foi encabeçada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua, que surgiram originalmente como organizadores das manifestações de extrema-direita pelo impeachment de Dilma Rousseff, e apoiaram a eleição de Bolsonaro. Ela contou também com a participação do governador de São Paulo, João Doria (PSDB) – eleito como apoiador de Bolsonaro –, de Ciro Gomes (PDT), de apoiadores dos maoístas do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e das principais centrais sindicais com exceção da CUT, presidida pelo PT.
Essa marcha política reacionária somente não contou com participação do PT e de seu aliado pseudoesquerdista, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), porque, segundo os presidentes de ambos os partidos, eles não foram “convidados” a “construir juntos” com a direita a manifestação. Falando à Carta Capital, apresidente do PT, Gleisi Hoffmann, completou dizendo que “nós precisamos reunir o campo democrático e fazer uma construção conjunta. O principal é isso. Não é uma adesão, mas um caminhar conjuntamente”.
Essa determinação política, entretanto, não foi consensual dentro de ambos os partidos. Isso foi revelado pela ação da deputada estadual paulista Isa Penna, uma das principais parlamentares do PSOL, que desobedeceu a decisão do seu partido e convocou abertamente os atos direitistas de oposição a Bolsonaro.
Penna advém da corrente do PSOL, Insurgência, afiliada ao Secretariado Unificado pablista. Ela é uma defensora monotemática das políticas identitárias da classe média alta. Sua ação expressa o desespero de setores da pequena burguesia com desintegração do regime burguês brasileiro, e sua guinada à direita em resposta. Seu discurso durante a manifestação deixou clara sua tentativa politicamente criminosa de dar uma cobertura democrática aos objetivos espúrios das forças de extrema direita: “Hoje considero que eles [MBL] estão no campo democrático... Sei que não são mais aquele grupo que flerta com o fascismo”, ela afirmou.
A política reacionária promovida por Penna, no entanto, não é essencialmente diferente daquela defendida por seu partido. Por trás das justificativas organizacionais para não terem aderido às manifestações da direita, o PSOL e o PT estão baseando suas ações em cálculos puramente eleitorais.
O PT e o PSOL pretendem lançar o ex-presidente Lula da Silva como candidato para disputar as próximas eleições presidenciais de 2022 contra Jair Bolsonaro. Aqueles que convocaram as manifestações do dia 12 de setembro têm esperança de lançar uma “terceira via”, e levantaram a bandeira de “Nem Lula, Nem Bolsonaro”, com a qual nem o PT, nem o PSOL podem concordar.
Os esforços do PT para mais uma vez governar o Brasil em nome da burguesia nacional têm um caráter puramente reacionário.
Às vésperas do 7 de setembro, Lula fez uma declaração pública em resposta aos planos golpistas de Bolsonaro para aquele dia, então já escancarados. Falando diretamente para a classe dominante, para quem ele oferece seus serviços, Lula atacou Bolsonaro do ponto de vista de que suas ações, “ao invés de somar forças, estimulam a divisão”.
Segundo Lula, o “papel de um presidente da república é manter acesa a confiança no presente e no futuro, mostrar que é possível superar os obstáculos”. Ele afirmou que, enquanto presidente, “especialmente em um 7 de setembro de um ano tão difícil”, teria discursado para consolar as “famílias das vítimas da pandemia”, apresentar planos que “dessem um alento aos trabalhadores” afetados pelo desemprego e a fome.
Lula está propondo que, na situação de profunda crise política do capitalismo brasileiro - completamente desacreditado diante das massas trabalhadoras por causa dos níveis indecentes de desigualdade social, pelo crescimento massivo da miséria, e pela normalização de centenas de milhares de mortes pela COVID-19 – o que a burguesia precisa é de um líder capaz de atenuar e não aprofundar as divisões sociais.
Mas o crescimento dos conflitos sociais no Brasil e internacionalmente é incontornável. A aliança podre defendida pelo PT e o PSOL para segurar de pé a governabilidade burguesa só pode resultar no aprofundamento da sua crise e na ampliação das ameaças de um golpe fascistoide.
A elevação de uma figura tão virulenta como Bolsonaro ao posto máximo do Estado brasileiro é um sintoma, e não a causa, da crise política burguesa. Sua verdadeira raiz, que está levando à ascensão de forças fascistoides similares ao redor do mundo, jaz na crise profunda do sistema capitalista mundial e na resposta da classe dominante ao crescimento internacional da luta de classes.
Somente um movimento independente da classe trabalhadora, unida sob o programa do socialismo internacional pode responder de forma consistente à ameaça de ditadura, a desigualdade social crescente e a contínua resposta homicida à pandemia de COVID-19.