Enquanto a classe dominante brasileira está promovendo a mais ampla retomada das atividades econômicas, eventos esportivos e funcionamento das escolas, celebrando um fictício fim da pandemia de COVID-19, uma terceira onda do coronavírus cresce a níveis alarmantes potencializada pela disseminação da variante Delta.
O Brasil já registra 569.218 mortes pela COVID-19 e 20.361.493 de casos confirmados. Apesar dos números decrescentes no último período, o país continua com médias altíssimas, de mais de 28 mil casos e 800 mortes diárias.
Numa entrevista no início de agosto, o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, responsável pelos alertas e previsões mais consistentes sobre o avanço descontrolado da pandemia no país, descreveu a situação como iminentemente catastrófica.
Numa imagem poderosa, o cientista comparou o desenvolvimento da epidemia ao movimento das ondas, em que o momento atual de queda na curva de casos e mortes antecede um novo levante avassalador. “É como uma onda, um tsunami, que ‘varreu a costa’ e agora voltou,” ele afirmou. “O tsunami da segunda onda brasileira voltou com o mar, só que ela está pegando energia e essa energia vai reproduzir aqui, de alguma maneira, a dinâmica que está acontecendo nos outros países. ... Enquanto o mundo inteiro está explodindo [de casos de variante Delta], nós só estamos na expectativa de quando vai explodir aqui no Brasil”.
Nicolelis caracterizou o momento da pandemia no Brasil como de uma “disputa entre a variante Gama e a variante Delta”, e apontou a notícia, na primeira semana de agosto, de que no Rio de Janeiro a Delta já representava 45% dos casos como um sinal de que “essa disputa está sendo ganha pela variante Delta, como era esperado.”
Os dados mais recentes da Rede Genômica Fiocruz substanciam ainda mais essa previsão aterradora. Eles apontam que a parcela de casos da variante Delta no Brasil aumentou de 2,3% em junho para 23,6% em julho, uma multiplicação de nove vezes. É uma disseminação radicalmente mais acelerada do que a registrada com a variante Gama que num estágio semelhante do seu desenvolvimento, entre dezembro e janeiro, havia dobrado sua participação no total de casos.
Mas, se cientistas como Nicolelis defendem “manter o uso de máscara, restringir aglomerações, não voltar à aula, não abrir comércio, não ter público em futebol” e em certos casos “fazer lockdown”, a resposta conjunta dos governantes de todos os partidos burgueses é justamente o contrário.
Uma ofensiva contra todas as medidas de contenção do vírus está sendo capitaneada pelo governo ultradireitista de Jair Bolsonaro. Num pronunciamento oficial no final de julho, os ministros da educação, Milton Ribeiro, e o ministro da saúde, Marcelo Queiroga, conclamaram o retorno imediato das aulas presenciais e atividades econômicas em todo o país. Enquanto o primeiro enfatizou que “a vacinação de toda a comunidade escolar não pode ser condição para a reabertura das escolas”, o segundo declarou: “É necessário que já consigamos promover um retorno às atividades econômicas, temos disponibilidade de leito nos hospitais, vamos conviver com essa situação pandêmica.'
Para melhor elucidar sua ideia de “conviver com essa situação pandêmica”, Queiroga mencionou um trecho de uma música do compositor brasileiro Lulu Santos que diz: 'nada do que foi será do jeito que já foi um dia.” Isto é, a população brasileira deverá aceitar como norma a morte indiscriminada por esta pandemia, assim como por outras que previsivelmente surgirão nos próximos anos. Em sua cruzada para implementar essa política homicida, o ministro declarou na última quarta-feira que “se você tem uma situação como hoje, [que] sinaliza para uma redução de casos e óbitos, e a gente avança na campanha de vacinação, é possível já flexibilizar o uso de máscaras, como aconteceu nos outros países.'
Essas ideias sociopatas, que correspondem aos interesses profundamente reacionários da burguesia, ganharam uma manifestação particularmente grotesca nas políticas defendidas pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, do Partido Social Democrático (PSD). Em 29 de julho, Paes anunciou que a sua cidade, o grande epicentro da variante Delta no Brasil, começará em setembro um ano inteiro de festas para celebrar o fim da pandemia do coronavírus. Ele pretende instituir até mesmo um feriado municipal intitulado de “Dia do Reencontro” e afirmou que promoverá o 'maior Reveillon da história da cidade', que, assim como o carnaval, deve ser celebrado sem o uso obrigatório de máscaras.
Da mesma forma, em São Paulo, que registra o segundo maior número de casos confirmados da Delta no país, o governador João Doria do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) declarou a próxima segunda-feira (16) como o “Dia da Esperança”, pois toda a população de até 18 anos terá tido acesso à primeira dose da vacina. A data coincidirá com a maior liberação de funcionamento das atividades desde o início da pandemia. É especialmente hipócrita utilizar tal ocasião para falar em “esperança” quando a variante Delta que está velozmente se espalhando reduz significativamente a proteção das vacinas, especialmente daqueles que receberam apenas uma dose.
Enquanto no Rio de Janeiro as escolas públicas estaduais (porém não as municipais) foram novamente fechadas para conter o avanço da nova variante, Doria está sustentando o mais amplo funcionamento das escolas em São Paulo, o maior sistema educacional do país. Grande parte dos professores no estado recebeu apenas uma dose da vacina, e os milhões de alunos nas salas de aula mal ventiladas não receberam nenhuma.
As mesmas medidas estão sendo promovidas pelos governos encabeçados pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados. Governadores como Rui costa, do PT, na Bahia, manterão a retomada de aulas presenciais, apesar da resistência dos trabalhadores da educação. Ao mesmo tempo, os sindicatos controlados pelo PT e apoiados pela pseudoesquerda, não estão promovendo qualquer resistência à política de reabertura generalizada da classe dominante.
A iminente nova onda da pandemia de COVID-19 no Brasil terá efeitos previsíveis sobre os países vizinhos da América do Sul. A explosão da segunda onda no país, no início de 2020, estendeu-se por todo o continente com resultados devastadores. A variante Gama, original de Manaus, no norte do Brasil, espalhou-se rapidamente pelos países vizinhos, contribuindo seriamente para o colapso de sistemas hospitalares na Colômbia, Paraguai e outros países, e provocando um número de mortes avassalador.
É urgente que a classe trabalhadora brasileira organize um movimento político independente para confrontar a pandemia de COVID-19, apelando para seus companheiros de classe na América Latina e mundialmente. Esse movimento precisa enfrentar o sistema capitalista apodrecido com suas crescentes demandas por sacrifícios da classe trabalhadora e seu avanço sistemático em direção a formas ditatoriais de governo, levantando a bandeira do socialismo internacional.
Publicado originalmente em 17 de agosto de 2021