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Protestos anti-Bolsonaro varrem o Brasil enquanto oposição pede impeachment com 23 acusações

Publicado originalmente em 5 de julho de 2021

Estima-se que 800.000 brasileiros tenham voltado às ruas neste sábado. Pela terceira vez em cinco semanas houve manifestações em mais de 300 cidades do país para se opor à política de imunidade de rebanho do presidente fascistoide Jair Bolsonaro e ao crescimento da pobreza, desemprego e desigualdade social resultantes das políticas da classe dominante do país diante da pandemia da COVID-19.

O país registrou até agora o segundo pior número de mortes no mundo - apenas atrás dos Estados Unidos - com 525.000 vítimas da COVID-19. As mortes diárias permanecem em 2.000. Uma lenta campanha de vacinação, com apenas 14% da população totalmente imunizada, a reabertura de escolas e a circulação da variante Delta significam que o país agora enfrenta uma terceira onda do vírus. Os especialistas preveem que o número de mortes pode ainda dobrar antes que a imunização atinja a maior parte da população.

A ampla participação nas manifestações lançou a classe dominante brasileira em uma crise profunda. As marchas deste sábado foram adiantadas em relação à data originalmente planejada de 24 de julho, pois seus organizadores, liderados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), lutam para evitar que a recente efusão de oposição provoque um recrudescimento da luta de classes.

Protesto contra o governo Jair Bolsonaro e sua resposta à pandemia de COVID-19, São Paulo, maio de 2021. [AP Photo/Bruna Prado]

O PT, os sindicatos e ele ligados e seus aliados na pseudoesquerda tentaram transformar as manifestações em um meio de pressionar o Presidente da Câmara Arthur Lira, um aliado próximo de Bolsonaro eleito com o apoio de deputados do PT, a aceitar um novo 'super' pedido de impeachment apresentada na quarta-feira com o apoio de ex-aliados de extrema-direita de Bolsonaro.

Ele lista 23 “crimes de responsabilidade” cometidos por Bolsonaro anteriormente incluídos separadamente em outros 120 pedidos de impeachmen até o momento ignoradas por Lira. Os próprios organizadores admitem que não há nada de novo no novo pedido, e que a novidade mais significativa é o surgimento de uma aliança entre o PT, os sindicatos, a pseudoesquerda e a extrema-direita.

Entre as forças reacionárias que o PT e seus aliados estão tentando reabilitar com seu pedido de impeachment contra Bolsonaro estão as alas dissidentes do partido que o elegeu, o Partido Social Liberal (PSL), representado pela ex-líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann, e os fantoches dos irmãos Koch organizados no Movimento Brasil Livre (MBL), que lideraram as manifestações de ultra-direita de 2015 e 2016 contra a ex-presidente do PT, Dilma Rousseff.

O caráter de direita, pró-capitalista do pedido de impeachment fica claro logo no início. A lista de 23 crimes começa com 'pôr em risco a neutralidade do país', uma mensagem para os gigantescos lobbies do comércio exterior preocupados com a ofensiva de Bolsonaro contra a China, que inclui tentativas de banir a Huawei do multibilionário mercado de 5G do país e sua promoção entusiástica da mentira do 'vazamento do laboratório de Wuhan'.

Quando a pandemia da COVID-19 é abordada, ela é mencionada sob 'crimes contra a segurança interna' do Brasil, um enquadramento essencialmente de direita que vê a morte e o adoecimento em massa acima de tudo como uma ameaça à estabilidade do capitalismo brasileiro.

Desse modo, as novas manifestações viram bandeiras do PSL e do PSDB, o partido tradicional da direita brasileira, bem como líderes do MBL encorajando seus apoiadores a comparecer. No Rio de Janeiro, o líder da minoria no Congresso, Marcelo Freixo, usou uma camiseta verde e amarela, proclamando que as cores nacionais “não podem ser sequestradas” pelos fascistas. Este foi também o mote do discurso proferido por Guilherme Boulos do pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em São Paulo, onde quase um quilômetro da icônica Avenida Paulista estava repleto de manifestantes.

Os organizadores do 'super' pedido de impeachment admitem que seu impulso político vem das recentes revelações de corrupção nas negociações para as vacinas para COVID-19, que levaram a divisões entre ex-apoiadores de Bolsonaro no Congresso.

O charlatão Guilherme Boulos, que está sempre entre os primeiros a articular um pretexto conveniente para uma aliança com a ultra-direita, alegou no dia dos protestos que os 'O caso da vacina Covaxin fez com que a possibilidade real do impeachment entrasse na agenda política do país por que cria uma crise na própria base de Bolsonaro'. Da mesma forma, a presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, declarou que a presença do PSDB nas manifestações 'significa que o movimento pelo impeachment está crescendo'.

O escândalo multimilionário de corrupção emergiu no final de junho, quando a maior parte do pedido já havia sido escrito e estava sendo preparada uma entrega cerimonial à Câmara no dia 24 de julho.

O caso foi exposto quando o deputado Luis Miranda, do partido de ultra-direita Democratas (DEM), disse à imprensa em 23 de junho que ele havia advertido pessoalmente o presidente sobre as pressões que estavam sendo feitas sobre seu irmão, um funcionário público que chefiava o Departamento de Importações do Ministério da Saúde, para ignorar uma série de irregularidades em um acordo com os fabricantes da vacina indiana Covaxin.

Miranda declarou que os fatos que ele sabia que 'derrubariam a República'. Ele e seu irmão foram imediatamente convocados para testemunhar perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre a pandemia, instalada a pedido da oposição. No dia de seu testemunho, Miranda fez uma encenação política, usando um colete à prova de bala sobre seu terno. Ele acusou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, de liderar um esquema de corrupção, e um lobista ligado a Barros de lhe oferecer seis centavos sobre cada dólar do negócio de US$ 320 milhões para ficar calado. Ele alegou ter avisado Bolsonaro sobre o esquema, e que Bolsonaro lhe disse que sabia que ele era patrocinado por Barros. Outras acusações seriam feitas posteriormente de que outros homens ligados a Barros dentro do ministério haviam exigido um dólar em propina por cada dose de vacina da AstraZeneca em outro acordo.

Ainda não está claro o que motivou Miranda, um antigo entusiasta do governo Bolsonaro, a expor informações que ele alegou que poderiam 'derrubar a República'. No entanto, o caso revela a extensão da crise que está envolvendo a classe dominante brasileira.

Miranda agora se une a uma série de figuras de ultra-direita que se opõem a Bolsonaro, a quem o PT e a pseudoesquerda estão oferecendo credenciais 'democráticas'. Entre elas há uma série de generais dissidentes, o mais proeminente dos quais é o ex-secretário de governo de Bolsonaro, Carlos Alberto dos Santos Cruz, que fez repetidas advertências de que Bolsonaro seguirá o exemplo de Donald Trump e provocará violência na tentativa de reverter uma possível derrota nas eleições de 2022.

O objetivo desta 'frente ampla' contra Bolsonaro é convencer os trabalhadores brasileiros de que a ascensão de Bolsonaro e o ressurgimento no centro da vida política das Forças Armadas, que impuseram uma ditadura de duas décadas que terminou em 1985, são uma aberração histórica. A vida pode voltar ao normal, afirmam, se Bolsonaro for removido por seus antigos patrocinadores políticos, e eles se aliarem ao PT.

As acusações de corrupção serviram um objetivo político maior: o de eclipsar a política de 'imunidade de rebanho' de Bolsonaro, tanto na investigação da CPI quanto no debate público mais amplo. As demandas dos organizadores dos protestos, por vacinas, políticas de alívio da pobreza e impeachment, assumem as 2.000 mortes diárias da COVID-19 como inevitáveis, já que as vacinas não estão disponíveis. Eles também não propõem nenhuma tentativa de conter a pandemia. Como advertiram autoridades da OMS e especialistas em saúde internacionalmente, e a experiência recente de países com taxas de vacinação muito mais altas como Inglaterra, Israel, Chile e Estados Unidos demonstraram, as vacinas por si só não podem controlar a propagação do vírus.

Mas uma denúncia direta da política de imunidade de rebanho de Bolsonaro exporia os próprios organizadores das manifestações, pois todos os governadores socialistas, social-democratas, comunistas e do Partido dos Trabalhadores que eles apoiam, em colaboração com os sindicatos que controlam, empurraram os professores, juntamente com os trabalhadores da saúde, do transporte, petroleiros e da indústria, de volta a locais de trabalho inseguros em estado após estado, empresa após empresa, independentemente das taxas de infecção.

Os inestimáveis testemunhos de uma série de cientistas de alto nível diante da CPI, detalhando com vários modelos complexos como centenas de milhares de mortes poderiam ter sido evitadas com restrições da atividade econômica e rastreamento de contatos, são descartados quando se coloca a principal acusação contra Bolsonaro como corrupção.

Não apenas os governadores de estado e prefeitos são liberados de qualquer responsabilidade, mas também os muito mais poderosos especuladores da pandemia, que fizeram bilhões nos mercados de ações com as políticas de 'flexibilização monetária' dos bancos centrais em todo o mundo, e os acionistas bilionários de corporações gigantescas que lucram com condições de trabalho mortíferas são todos poupados. O corrupto Bolsonaro e seu líder mafioso na Câmara são tratados como um 'acidente da história', como dizem numerosos aliados do PT, desde o porta-estandarte da pseudoesquerda Marcelo Freixo até o ex-presidente direitista da Câmara Rodrigo Maia.

O vice-presidente da CPI, o senador Randolfe Rodrigues, resumiu o escândalo da Covaxin como revelando que a forma como Bolsonaro lidou com a pandemia, em última análise, 'não se tratava de ideologia, era o velho esquema de corrupção'. Em outras palavras, a política de imunidade de rebanho não foi uma expressão da crise capitalista e não justifica nada mais do que um chamado à polícia. 'Não era negacionismo, era corrupção' tornou-se um dos principais slogans em cartazes distribuídos aos manifestantes no sábado.

Os trabalhadores brasileiros devem rejeitar firmemente a tentativa de canalizar suas lutas por trás de frações dissidentes da classe dominante. Bolsonaro está respondendo ao crescimento da oposição social com a preparação de um golpe eleitoral baseado em falsas alegações de que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento. Na quinta-feira, após encontrar-se com o diretor da CIA William Burns no palácio presidencial, ele alegou que 'potências estrangeiras' sem especificação estavam por trás de planos para desestabilizar o Brasil, um eco dos pretextos da Guerra Fria para o golpe de 1964, apoiado pela CIA.

A única maneira de avançar na luta contra o assassinato social da pandemia, a desigualdade social e a ameaça da ditadura é a mobilização revolucionária da classe trabalhadora brasileira de forma independente de todas as forças ligadas ao Estado capitalista, incluindo o PT, seus aliados pseudoesquerdistas como o PSOL e os sindicatos. Essa tarefa exige a construção de uma nova direção política, uma seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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