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PT busca alianças eleitorais de direita enquanto generais alertam para “ruptura”

Publicado originalmente em 23 de junho de 2021

As manifestações maciças de sábado passado contra o tratamento da pandemia da COVID-19 pelo presidente Bolsonaro aprofundaram a crise da classe dominante brasileira, que teme que esta oposição maciça possa se voltar contra toda a ordem capitalista.

Duas vezes em menos de um mês, centenas de milhares de brasileiros saíram às ruas com cartazes pintados à mão com os nomes de entes queridos perdidos para a COVID-19 e chamando Bolsonaro de assassino em massa e genocida. Enquanto a manifestação de sábado passado ocorria, o país ultrapassou a marca dos 500.000 mortos pela COVID-19 - o segundo pior número de mortos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, que tem uma população 50% maior. Este número mais que dobrou somente na primeira metade de 2021, e os principais especialistas em saúde projetam agora que, seguindo a mesma tendência de duplicação das mortes a cada seis meses e em meio a uma vacinação lenta que até agora imunizou apenas 10% dos brasileiros, o número total de mortos poderia chegar a um milhão até 2022.

As manifestações foram uma demonstração aguda, embora apenas inicial, da profunda raiva dos trabalhadores já expressa em centenas de greves contra a política de imunidade de rebanho das classes dominantes brasileiras e internacionais, particularmente entre os trabalhadores da indústria, saúde, transporte e educação em todo o país.

Manifestação de massas em São Paulo em 19 de junho (Crédito: @midianinja)

Embora estas greves e lutas tenham sido suprimidas e isoladas pela imprensa corporativa, pelos sindicatos e pela oposição parlamentar liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a erupção das manifestações de massa colocou definitivamente o Brasil no mapa em expansão dos países da América Latina que neste momento sofrem enormes distúrbios sociais, que agora envolvem do Paraguai à Colômbia. Também fez explodir a narrativa promovida pela "esquerda" pequeno-burguesa brasileira - que a classe trabalhadora e os setores empobrecidos da classe média são dominados pelo conservadorismo social e pela subordinação passiva presidente fascistoide Bolsonaro.

Esta narrativa desmoralizada e falsa nunca foi levada a sério pelo próprio governo, com Bolsonaro declarando insistentemente que o Brasil enfrenta o espectro de uma revolta social de massa como a que sacudiu o Chile em 2019, e que tal erupção o forçaria a assumir poderes ditatoriais para "restaurar a ordem". Bolsonaro advertiu repetidamente seus adversários para não "esticar a corda", ou seja, para não se oporem a ele em nenhuma questão fundamental, a fim de não "provocar" um golpe.

Tais advertências foram agora retomadas pelo presidente do Supremo Tribunal Militar (STM), o General da ativa Luis Mattos, que afirmou sem rodeios em entrevista à revista direitista Veja que "de maneira geral, todos aqueles que são contra o governo" estão "esticando a corda" ao atribuírem ao presidente "tudo de errado" e "não o deixarem governar". Esta situação, advertiu ele, evoluiria “até que corda arrebente". O líder do governo na Câmara dos Deputados, deputado Ricardo Barros, também declarou em 8 de junho que "Vai chegar uma hora em que vamos dizer que simplesmente não vamos cumprir mais" as decisões judiciais, referindo-se às derrotas sofridas pelo governo nos tribunais, os quais Bolsonaro acusa de "interferir" em sua autoridade.

O general Mattos fez suas ameaças na mesma semana em que os departamentos jurídicos do Exército, Marinha e Força Aérea se uniram ao Advogado Geral da União (AGU) de Bolsonaro para defender, no Supremo Tribunal Federal, um estatuto declarando que os civis - inclusive jornalistas - que "caluniam" as Forças Armadas deveriam ser processados nos tribunais militares. A lei faz parte de um código penal militar e foi promulgada durante os chamados "anos de chumbo" da bárbara repressão política da ditadura militar apoiada pelos EUA de 1964-1985.

A raiva popular diante do meio milhão de mortes evitáveis pela COVID-19, dos níveis recordes de desemprego, do empobrecimento em massa e da desigualdade social que dispara está aprofundando as divisões dentro da classe dominante sobre como lidar com a explosiva situação social brasileira. Isto é evidenciado pelas declarações cada vez mais abertas de altas figuras do establishment político e militar reconhecendo que Bolsonaro pode não aceitar os resultados das eleições presidenciais de 2022 se ele não for reeleito.

Dentro dos círculos militares, estas advertências têm sido cada vez mais claramente expressas pelo ex-secretário de governo de Bolsonaro, o general aposentado Carlos Alberto dos Santos Cruz. Sob os governos anteriores do PT, Santos Cruz havia sido comandante das “tropas de paz" da ONU no Haiti e na República Democrática do Congo, assim como trabalhado na Secretaria de Assuntos Estratégicos da ex-presidente Dilma Rousseff. Ele foi entrevistado pela revista Veja e, em termos especialmente claros, comparou a situação brasileira com a dos chamados estados "falidos" onde ele comandara tropas da ONU. Ele acusou o governo Bolsonaro de "investir no fanatismo, no show, no populismo. É o processo de qualquer regime totalitário". Em conclusão, ele declarou: "em uma sociedade dividida, esse fanatismo criminoso que estamos vivendo acaba em violência.".

Santos Cruz não faz sua advertência com base em uma oposição de princípio à desigualdade social ou à ditadura, mas por medo de que a elite dominante brasileira, ao manter seu apoio a Bolsonaro, caminhe de olhos fechados para uma situação revolucionária, com a erupção da oposição social saindo do controle da dita oposição liderada pelo PT.

Sob estas condições, a tarefa mais premente das frações da classe dominante que se opõem a Bolsonaro é anestesiar a opinião pública em relação à incompatibilidade objetiva das formas democráticas de governo com níveis explosivos de desigualdade social. Essas frações pretendem isolar Bolsonaro e seus aliados mais próximos como aberrações fanáticas que não falam por ninguém além de si mesmos, e assim canalizar a oposição social para as forças tradicionais do establishment político que se opõem ostensivamente ao "fanatismo" de Bolsonaro.

Esta operação foi acelerada após a inesperada erupção dos protestos de massa de 29 de maio. Ela tem em seu centro a formação de alianças eleitorais para as eleições gerais de 2022, nas quais a presidência, a Câmara, um terço do Senado e todos os governos e assembleias legislativas estaduais estão em disputa.

As manobras eleitorais foram iniciadas no Rio de Janeiro, base política de Bolsonaro, com o anúncio no dia 11 de junho do deputado carioca Marcelo Freixo, uma estrela do pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), de que ele estava deixando o partido que ajudou a fundar em 2005 como dissidente do PT, e entrando no Partido Socialista Brasileiro (PSB), o nono maior partido da Câmara. Freixo declarou no mesmo dia em entrevista à Veja que as próximas eleições não seriam sobre "direita contra a esquerda, mas da civilização contra a barbárie". Ele disse que sua troca de partido era necessária para atrair figuras de direita que não estariam dispostas a se aliar diretamente ao PSOL, ao mesmo tempo acrescentando que o PSOL acabaria se unindo a uma ampla coalizão com a direita anti-Bolsonaro.

Questionado por que ele não havia voltado ao PT, ele declarou que aderir ao PSB era na verdade a recomendação do próprio PT, devido à rejeição popular do partido no Rio após ter patrocinado politicamente sucessivos governos estaduais que foram derrubados pela corrupção. No dia seguinte, o destaque do anúncio de Freixo de sua campanha para governador foi a nomeação como seu principal assessor para questões de segurança pública o ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública do governo de direita do presidente Michel Temer, Raul Jungmann. Jungmann declarou que iria colaborar com Freixo a fim de "formar uma ampla frente democrática para livrar o Rio da violência e da corrupção".

O histórico de Jungmann não deixa dúvidas sobre a fraude que é alegação de Freixo de que sua candidatura representará "a civilização contra a barbárie". Como ministro da Segurança Pública de Temer, Jungmann foi a figura civil central por trás de uma intervenção militar sem precedentes e com um ano de duração no estado do Rio de Janeiro, que viu a virtual destituição das autoridades civis e a instalação do General Walter Braga Netto à frente das forças de segurança do estado. Nos primeiros meses da intervenção, a vereadora do PSOL, Marielle Franco, que foi nomeada pela Câmara Municipal como líder da fiscalização das violações de direitos humanos durante a intervenção, foi brutalmente assassinada por assassinos profissionais. Durante três anos, Freixo e o PSOL sustentaram que o assassinato foi realizado pelas gangues “justiceiras” compostas por policiais existentes no Rio, conhecidas como "milícias", com as quais a família Bolsonaro tem múltiplos laços financeiros e políticos.

O crime continua sem solução, e Freixo, que havia patrocinado politicamente a carreira de Franco, atacou Jungmann por usar sua morte para fortalecer a intervenção militar. Posteriormente, o general Braga Netto tornou-se o ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro e depois ministro da Defesa, em março de 2021, quando o presidente demitiu todo o alto comando militar a fim de consolidar seu controle sobre as forças armadas.

Assim como outros oficiais superiores militares que se juntaram ao governo "bárbaro" de Bolsonaro, Braga Netto foi apontado pelo PT e PSOL como um general "moderno" e "legalista", apesar da explosão das violações de direitos humanos durante a intervenção do Exército no Rio de Janeiro. A seguir, Jungmann fundou e liderou o primeiro think tank de integração civil-militar do Brasil, o CEDESEN, que promove a ilusão de que os militares estão comprometidos com a ordem constitucional.

O caminho promovido pelo PT e seus aliados burgueses e pseudoesquerdistas, de subordinação da oposição a Bolsonaro às divisões entre os arquitetos mais reacionários do brutal aparelho repressivo brasileiro, só pode levar à catástrofe. A guinada violenta para a direita encarnada pelos movimentos de Marcelo Freixo na direção de figuras como Raul Jungmann expressa as imensas pressões objetivas em direção a um regime autoritário que inevitavelmente acompanham a crise insolúvel do capitalismo brasileiro e mundial. O papel de tais forças pseudoesquerdistas é desarmar politicamente os trabalhadores e preparar as condições para uma ditadura, condições estas que setores significativos da burguesia e seu comando militar acreditam que ainda não estão em vigor.

Para combater a desigualdade social e a ditadura, os trabalhadores devem romper com todas as forças políticas ligadas ao Estado capitalista, incluindo o PT e o PSOL, e construir uma nova diração política, uma seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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