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Sindicatos enterram greve de quatro meses dos educadores contra reabertura escolar em São Paulo

Numa manobra fraudulenta e criminosa, os sindicatos dos educadores municipais de São Paulo encerraram sua greve contra a reabertura homicida das escolas na mesma semana que completaria quatro meses.

Os professores estão sendo mandados de volta às salas de aula mortíferas num momento crítico da pandemia no Brasil e mundialmente. Segundo a instituição de saúde pública brasileira Fiocruz e cientistas proeminentes da área, o país está entrando numa terceira onda ainda mais mortífera de casos e mortes, impulsionada pela política de “volta à normalidade” promovida nacionalmente e os perigos da nova variante Delta que já circula pelo país.

Nesta semana, o estado de São Paulo atingiu sua maior taxa de ocupação de leitos COVID desde abril, e registrou um aumento de 35,1% no número de infecções, com uma média superior a 14 mil casos diários. Também houve um aumento de 19,5% no número de óbitos, com uma média de 417 mortes diárias. Na terça-feira, o Brasil registrou 2.693 novas mortes, o maior número em mais de um mês, das quais 767 ocorreram em São Paulo.

Diante dessas perspectivas sombrias, o SINPEEM e demais sindicatos reunidos no chamado Fórum das Entidades “negociaram” um retorno às aulas presenciais que apresenta os mesmos perigos mortais os educadores, alunos e familiares, assim como um efeito potencialmente catastrófico sobre a circulação do vírus na maior cidade brasileira.

A proposta apresentada pelo Fórum para encerrar a greve exigiu ao governo somente o pagamento dos salários cortados dos grevistas em troca da reposição das horas paradas. Isso significa que a greve será paga pelos próprios trabalhadores que, pelos próximos meses, terão de intensificar suas horas de trabalho para repor quatro meses parados, consequentemente aumentando sua exposição ao vírus mortal. Enquanto isso, os sindicatos preservam seus cofres intocados à disposição da burocracia, sem terem gasto um só centavo no pagamento dos grevistas.

Os sindicatos tentaram vender como “conquistas” uma série de promessas vagas do governo, como permitir que parte das horas de reposição seja paga virtualmente, estudar o estabelecimento de um revezamento de professores no ensino presencial, e esforços para acelerar processo de vacinação dos educadores, que já tinha começado.

Esse acordo traidor foi referendado em assembleias virtuais ocorridas na noite de segunda-feira, sendo a determinante realizada pelo SINPEEM (o maior sindicato da categoria), que foi amplamente denunciada pelos trabalhadores como um golpe.

Uma série de educadores reportaram ter sido indevidamente excluídos da sala de reunião virtual na metade do evento e impedidos de retornar. O sindicato também encerrou o processo de votação antes do tempo determinado, sem que todos tivessem votado, e com um resultado apertado de 48,5% a 44,6% (com 7% de abstenções). Até mesmo o chat de discussão foi bloqueado, segundo o presidente do sindicato, Cláudio Fonseca, para evitar o “tumulto” – ou seja, a expressão da oposição dos trabalhadores de base.

Essa decisão criminosa e todo o processo burocrático em torno dela provocaram uma onda de revolta entre os educadores. Eles apontaram para a hipocrisia das organizações sindicais que apenas dias antes discursavam “em defesa incondicional da vida”.

Em 18 de maio, o SINPEEM publicou uma declaração que, fingindo combater a política do governo, afirmava: “A ocorrência do aumento de internações e óbitos pela COVID-19 e alertas de uma terceira onda da doença impõem ao governo reconhecer que a manutenção de atividades e aulas presenciais nas unidades educacionais colocam todos em risco.”

Mas os sindicatos agora expuseram-se indiscutivelmente como peças centrais à aplicação da política assassina de imunidade de rebanho, que tem como seu maior defensor o presidente fascistoide Jair Bolsonaro.

Nas páginas do Facebook do SINPEEM e demais organizações sindicais, choveram centenas de comentários de trabalhadores revoltados. Os professores escreveram:

“Encerrou a votação antes do tempo acabar. Não esperou três minutos para garantir o direito de voto! Por que será??? Chat fechado! Por que? Não foi uma assembleia. Não sei o que foi! Na verdade, a gente não decidiu, o sindicato decidiu!”

“Essa assembleia foi uma vergonha! Removeram associados da reunião sem nenhuma justificativa.”

“Final medonho da greve, e o pior é achar que há uma vitória. Nem o mínimo das reivindicações foram aceitos... retorno presencial, sem vacina, sem testes, sem nada. De resto, sonhos... Garantia nenhuma... Servilismo total. Uma lástima. Bem incoerente, cadê o ‘mantenham-se em casa’, ‘a luta na rua é incoerente’ e outras falas? Pauta da greve, que era justa, jogada no lixo.”

“Negacionismo Freestyle. Quando o Genocida do presidente da República faz, todos identificam. Quando aceitamos voltar às escolas com promessas vazias, e colocando nossa vida e a vida dos familiares, além da vida dos alunos, em risco é análise de conjuntura.”

“Parabéns pela linda, manobra. Quem irá se responsabilizar pelas mortes? Já passou da hora de desfiliar, é a solução.”

“Uma verdadeira vergonha… Voltando com o rabo entre as pernas, com cara de idiota e o pior, para NADA… Quando dizem que os sindicatos correm juntos com os governantes, a partir de hoje, não duvido mais... É vergonhoso e revoltante.”

“Eu não estou acreditando que voltarei para a escola amanhã, pegarei ônibus sem estar vacinado até o fim de julho. Do que é que adiantou esta greve? Amanhã estou me desfiliando do SINPEEM e da APROFEM. Pior é que tem gente que nem está sabendo e vai tomar falta amanhã. Sindicatos irresponsáveis, todos eles!”.

A revolta dos trabalhadores com uma traição tão grotesca é absolutamente legítima. Mas é preciso reconhecer que ela começou muito antes das negociações da última semana, que foram apenas a conclusão de um processo de sabotagem da resistência dos professores à política de imunidade de rebanho da classe dominante.

Como o World Socialist Web Site documentou amplamente, os sindicatos convocaram uma greve somente depois do surgimento de uma movimentação na base contra a reabertura das escolas programada para fevereiro. Conscientes de que poderiam perder o controle político sobre os trabalhadores, os sindicatos decretaram uma greve na véspera da volta às escolas, sem nenhuma preparação prévia.

Nos quatro meses seguintes, os sindicatos atuaram para isolar e cansar os trabalhadores mais combativos. Nenhuma ação foi tomada para efetivar a greve. Nas portas das escolas não foram organizados piquetes ou campanhas de adesão ao movimento. Os sindicatos deixaram os grevistas no escuro, sem comunicar quantas escolas estavam em greve ou qual era força da mobilização. Apesar disso, as estimativas feitas independentemente pelos trabalhadores apontaram para um crescimento do movimento nesse primeiro período, contornando a sabotagem dos sindicatos.

Mas o isolamento prolongado e as ações dos sindicatos para desarmar os professores, e o corte dos salários pelo governo (que não foram compensados por qualquer forma de pagamento pelos sindicatos), levaram os trabalhadores mais combativos ao cansaço e abriram caminho para a traição.

Foi empregado um esforço especialmente grande para manter essa greve isolada das lutas que estouravam em outras redes de ensino e outras categorias da classe trabalhadora contra a mesma política homicida em relação à pandemia.

Na mesma semana que seus colegas da rede municipal, os professores na rede estadual de São Paulo entraram greve contra a reabertura de suas escolas. Para impedir uma unificação desses movimentos, que juntos reuniriam centenas de milhares de trabalhadores, os sindicatos dos educadores municipais, a APEOESP e os grupos da pseudoesquerda fizeram um esforço conjunto. Eles foram capazes, no entanto, de enterrar a greve dos professores estaduais muito antes, através de uma manobra tão criminosa e burocrática quanto a realizada nesta semana pelo SINPEEM.

Outras greves de professores contra a reabertura escolar explodiram em diferentes estados do Brasil – do Acre, no extremo norte, ao Paraná, na região sul. Essas greves continuam a acontecer, como foi o caso na última semana em Manaus, capital do Amazonas, e seguem mantidas sistematicamente sendo em isolamento pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que reúne os sindicatos da educação de todo o país.

O WSWS também reportou como as centrais sindicais brasileiras trabalharam ativamente para impedir que o poderoso movimento de greves que surgiu entre os rodoviários e outros trabalhadores do transporte contra a pandemia se desenvolvesse numa greve geral.

Assim como com os educadores da Prefeitura de São Paulo, os sindicatos atuaram em todos essas lutas fingindo representar os interesses legítimos dos trabalhadores de defesa das vidas e pela implementação de um programa científico de combate à pandemia. No entanto, agiam com o fim oposto: isolar e desgastar esses movimentos, desviá-los do enfrentamento direto ao capitalismo, e fazê-los culminarem em reivindicações vazias ao Estado burguês, como a aceleração das vacinações.

Em razão dessa traição dos sindicatos, os protestos massivos que explodiram nas cidades de todo o Brasil contra a condução assassina da pandemia pelo governo Bolsonaro não contaram com a presença organizada da classe trabalhadora. Isso foi crucial para que as direções corruptas desses protestos, ligadas ao PT e seus aliados no PSOL e outros partidos – as mesmas forças por trás dos sindicatos corporativistas – conseguissem tornar essas manifestações inofensivas ao capitalismo brasileiro.

O próximo período, de aprofundamento da crise política, social e da pandemia de COVID-19, aguarda a explosão de novas lutas ainda mais intensas da classe trabalhadora brasileira e mundial, conduzindo-a ao conflito com suas direções sindicais ilegítimas.

É preciso preparar-se para essas lutas extraindo as conclusões políticas necessárias. Os trabalhadores precisam romper definitivamente com os sindicatos que os acorrentam e sabotam suas lutas.

Isso significa também uma batalha contra as forças pequeno burguesas da pseudoesquerda, que lutam a todo custo para sustentar esses sindicatos decadentes. Isso demonstrou-se na greve dos educadores de São Paulo através da atuação do PSOL e outras organizações como os morenistas do PSTU e do MRT, ligado ao Esquerda Diário, que esforçaram-se para canalizar a revolta dos trabalhadores contra as direções sindicais para um programa de reforma dos sindicatos.

Eles criaram chamados “comando de greves”, que tem como real objetivo reforçar a autoridade dos sindicatos desacreditados sobre o movimento dos trabalhadores. Apesar de apontarem o dedo para o presidente “vitalício” do SINPEEM, Cláudio Fonseca, esses comandos não tinham nada a oferecer aos trabalhadores uma vez que o sindicato decidiu encerrar a greve contra a sua vontade. Isso sequer foi denunciado em suas páginas públicas.

Os trabalhadores precisam criar verdadeiros comitês de base, que sejam eleitos diretamente por eles, que representem os seus interesses e sejam completamente independentes dos sindicatos. O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) está promovendo essa iniciativa nas lutas dos trabalhadores internacionalmente. Essa iniciativa é indissociável da luta para a construção de uma direção revolucionária legítima na classe trabalhadora, uma seção brasileira do CIQI.

(Publicado originalmente em 10 de junho de 2021)

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