Português

Imigrantes brasileiros denunciam “tortura” durante voo de deportação dos EUA

Publicado originalmente em 31 de janeiro de 2025

A nova administração do presidente fascista Donald Trump, os agentes de imigração ICE (Agência de Imigração e Alfândega) dos EUA, a polícia e os militares estão ampliando a violência contra os imigrantes, deportando milhares de pessoas dos EUA sob condições desumanas para o México, Colômbia, Brasil e outros países.

Deportados brasileiros recebendo alimentos no aeroporto de Manaus [Photo: am.gov.br]

No dia 24, um avião com 158 imigrantes sob custódia da ICE, incluindo famílias inteiras, idosos e crianças decolou de Alexandria, no estado da Louisiana, com destino programado para Confins, no estado de Minas Gerais no Sudeste do Brasil.

Os brasileiros haviam sido reunidos em uma “estação de processamento”, muitos deles sendo levados de ônibus de lugares distantes como o estado da Califórnia e mantidos algemados em todo o trajeto.

O próprio voo foi um pesadelo, com o avião comissionado da empresa GlobalX Air apresentando dificuldades para decolar. O avião decolou somente com a presença de mecânicos operando sobre o motor, que continuou sofrendo falhas durante a viagem, assim como o sistema de ventilação.

Durante o voo, as pessoas relataram ter sofrido múltiplas ameaças e agressões. Todos os homens adultos foram algemados e acorrentados pelos pés e ao redor da cintura. Nenhum alimento foi disponibilizado e os passageiros foram proibidos de ir ao banheiro. A pane no ar-condicionado criou condições insuportáveis na cabine.

Após o reabastecimento e mais um conserto de emergência do avião no Panamá, ele foi forçado a pousar devido a uma falha técnica em Manaus, capital do estado do Amazonas, a milhares de quilômetros de distância de Confins.

Mesmo após a aterrissagem, os passageiros foram forçados a permanecer dentro da cabine enquanto o calor da região tropical e nova pane no sistema de ventilação fizeram com que inúmeras pessoas desmaiassem. Em certo ponto, os passageiros algemados se rebelaram contra os agentes da ICE e forçaram sua passagem até as saídas de emergência, quando conseguiram abrir as portas e chamar por ajuda das pessoas e autoridades no aeroporto.

Uma das pessoas entrevistadas pela CNN após episódio declarou: “Foi praticamente uma tortura o que eles fizeram dentro do avião. Um avião velho, cheio de problemas. … Quando chegou em Manaus, o avião não funcionou mais e eles não deixaram nós sairmos do avião. Praticamente uma tortura. Muito calor. Três horas dentro do avião desligado, todos suando muito”.

Outro passageiro, Jefferson Maia, abalado e com claros sinais de falta de ar, relatou ter sido enforcado pelos agentes de imigração dentro do avião: “Eu fiquei sentado até chegar em meu limite, não aguentei mais. Pessoas desmaiaram. Pedi para sair e ele me enforcou. … Eu fiquei algemado nos pés e na barriga. Não tinha como fazer nada. O braço onde ficou minha corrente ficou sangrando porque ficaram puxando minha corrente, apertando”.

Os imigrantes saíram do avião ainda acorrentados e algemados. O pedreiro Lucas Gabriel, que durante horas permaneceu refém dos agentes de imigração, declarou indignado: “Quando a gente chegou em Manaus, pediu para tirar as algemas porque a gente já estava em território brasileiro. Porque não é suposto vir de lá para cá algemado, isso já é de lei. E quando [o avião] chegou aqui, que a Polícia Federal foi entrar no voo, eles queriam tirar as algemas de todo mundo para não flagrar que a gente veio algemado.”

Gabrielle Oliveira, professora de educação e migração da Universidade de Harvard, afirmou à BBC News Brasil: “Normalmente, 20 minutos antes do pouso, os passageiros que estão sendo deportados são desacorrentados, as algemas são retiradas. Por isso que foi tão diferente e chocante ter visto os brasileiros em solo brasileiro ainda algemados.”

Os voos de deportação em condições insuportáveis são parte da campanha de choque promovida desde o primeiro dia da administração Trump como uma base para estabelecer uma ditadura presidencial tendo como alvo toda a classe trabalhadora nos EUA. O tratamento degradante de famílias brasileiras é comparável aos métodos de tortura previamente empregados contra “combatentes inimigos” da “Guerra ao Terror” de Washington no Oriente Médio.

No início do século, o governo de George Bush estabeleceu o precedente de que qualquer pessoa, incluindo cidadãos americanos, poderia ser presa sob a acusação de ser um “combatente inimigo”, mesmo que nunca tivesse pisado em uma zona de guerra. Hoje, Trump está ampliando o aparato antidemocrático repressivo criado durante as guerras no Afeganistão e Iraque e o lançando, neste primeiro momento, contra os imigrantes.

Sob o pretexto de uma “invasão estrangeira” completamente fabricada por Trump, que identifica absurdamente o movimento de imigrantes latinoamericanos e de outras regiões com uma invasão militar estrangeira, essa campanha fascista de terror está sendo lançada contra toda a classe trabalhadora nos EUA.

Na quarta-feira, Trump assinou uma ordem executiva ordenando a ampliação da prisão da Baía de Guantánamo e declarando que toda a população latinoamericana é composta de criminosos para justificar o aprisionamento de milhares de imigrantes. Trump declarou: “Temos 30 mil camas em Guantánamo para deter os piores estrangeiros ilegais que ameaçam os americanos”.

No domingo, Trump exigiu uma cota mínima de 1.500 detenções diárias de imigrantes não documentados. Na segunda-feira, o presidente declarou que “cada um dos deportados é um assassino, um chefão das drogas, um chefão de algum tipo, um chefe da máfia ou um membro de gangue”.

As medidas sendo promovidas pela administração Trump possuem implicações profundamente explosivas para a América Latina. Conscientes da indignação massiva que será provocada entre as populações de seus países, as lideranças burguesas latinoamericanas foram forçadas a expressar oposição, mesmo que limitada, às medidas de Trump.

Ao lado das repercussões do episódio em Manaus, o presidente Gustavo Petro da Colômbia rejeitou voos de deportação em aviões militares. Trump respondeu violentamente, ameaçando destrutivas sanções econômicas contra o país. Petro eventualmente concordou em aceitar os deportados ao mesmo tempo em que enviou aviões para levá-los de volta para a Colômbia. Como resultado, o governo americano retirou a ameaça de sanções.

O chamado da presidente de Honduras Xiomara Castro por uma reunião de emergência na CELAC para responder à intensificação das deportações de Trump desmoronou quase imediatamente após o anúncio do acordo fechado entre Petro e Trump.

O presidente brasilero Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), também foi forçado a emitir uma declaração de protesto oficial contra as brutais condições enfrentadas por brasileiros deportados. Entretanto, a resposta política do governo Lula, que baniu o emprego de algemas e correntes, foi marcado por um tom conciliador. O governo não fez qualquer denúncia direta contra o governo Trump enquanto permaneceu em silêncio sobre o episódio colombiano.

Expressando a essência dessa resposta, o ministro da Justiça de Lula, Ricardo Lewandowski, afirmou: “Tivemos uma reação muito sóbria. Não queremos provocar o governo americano, até porque essa deportação está prevista em um tratado que vigora há vários anos entre o Brasil e os Estados Unidos e que autoriza a deportação”.

Setores da grande mídia brasileira procuraram relativizar a gravidade do episódio da deportação em Manaus, fazendo referência ao acordo apontado por Lewandowski, fechado em 2017 entre os governos brasileiro e americano. Na verdade, o acordo, que prevê que o “tratamento dos repatriados deve ser digno, respeitoso e humano”, é cotidianamente violado nos campos de detenção de imigrantes nos EUA.

As preocupações do governo Lula e do establishment político no Brasil não são com as violações dos direitos dos imigrantes deportados, admitidas pelo governo americano em uma comunicação interna com Brasília, mas expressam o nervosismo de setores da elite dominante brasileira sob ameaça de sanções de Trump.

Após Trump acusar sem quaisquer provas o Panamá de estar cobrando tarifas mais altas de navios americanos do que chineses para utilizar o Canal do Panamá, o presidente americano anunciou na noite de quinta-feira a imposição de tarifas de comércio sobre o Canadá e o México de 25%, e ameaçou uma tarifa de 100% sobre o Brasil.

Trump declarou: “Vamos exigir um compromisso desses países aparentemente hostis de que eles não criarão uma nova moeda nem apoiarão qualquer outra moeda para substituir o poderoso dólar americano, caso contrário, eles enfrentarão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia dos EUA”.

O acordo e o silêncio do governo Lula acomodam os interesses da administração americana e encoraja futuras provocações em cooperação com seus aliados na região, incluindo Milei na Argentina, Bukele em El Salvador e Bolsonaro no Brasil.