Publicado originalmente em 28 de janeiro de 2025
Na semana que se seguiu à sua posse, Donald Trump exerceu o poder da presidência para fazer o que nenhum presidente antes dele jamais tentou: derrubar a Constituição e estabelecer uma ditadura. Sob o pretexto de uma “invasão” inexistente de imigrantes, Trump invocou poderes de guerra, reivindicou a autoridade para anular atos do Congresso e lançou uma campanha para aterrorizar a população imigrante do país.
Em apenas sete dias, Trump começou os estágios iniciais de uma estratégia que ele e seus assessores fascistas, como Stephen Miller e Tom Homan, vêm preparando há anos. Isso inclui:
- Reivindicar a autoridade presidencial para retirar a cidadania de indivíduos nascidos nos Estados Unidos, desafiando diretamente a Décima Quarta Emenda e sua garantia de cidadania inata, e violando a separação constitucional de poderes.
- Afirmar que os não-cidadãos que residem nos EUA – aproximadamente 30 milhões de pessoas – não têm direito à Primeira Emenda, tornando as críticas ao governo e às suas instituições motivos para deportação.
- Ordenar que o Comando Norte dos EUA (NORTHCOM) desenvolva planos de batalha operacionais para suprimir o que ele chama de “invasão”, concedendo aos militares autoridade ilimitada dentro das fronteiras dos EUA.
- Ordenar que o aparato de inteligência militar se prepare para uma invocação da Lei de Insurreição e da Lei de Inimigos Estrangeiros, preparando o terreno para a declaração formal de lei marcial.
- Designar a polícia local e o FBI para o cumprimento das leis de imigração e enviá-los para cidades americanas como Newark, Chicago e outras.
- Acorrentar os deportados a suas cadeiras em voos de repatriação para países como Colômbia e Brasil, atos cujo precedente direto é o tratamento brutal dos chamados “combatentes inimigos” nas guerras do Afeganistão e do Iraque.
- Ameaça de processo criminal contra funcionários públicos e cidadãos que tomem medidas legais para proteger ou aconselhar os alvos de suas ordens.
- Iniciar um amplo expurgo nas agências federais para remover quaisquer indivíduos considerados insuficientemente leais ou com probabilidade de obstruir essas medidas autoritárias.
- Provocar um grande conflito internacional com a Colômbia, ameaçando impor medidas de guerra no esforço de intimidar o país a aceitar voos de deportação.
A grande mentira: uma “invasão” de imigrantes
O pretexto pseudo-legal para essas medidas abrangentes e autoritárias é a declaração de Trump de que a migração em massa constitui uma “invasão”, equiparando o movimento de imigrantes a um ataque militar em solo americano por um exército estrangeiro. Com base nessa emergência inventada, Trump afirma que as leis do Congresso regulamentando a imigração não são mandatórias, mas meramente consultivas, permitindo que ele reivindique autoridade executiva ilimitada para atropelar a Constituição e governar por decreto.
A ordem executiva intitulada “Protegendo O Povo Americano Contra A Invasão” enquadra a imigração como uma ameaça terrível à segurança nacional e à segurança pública. Ela afirma, sem evidências, que o governo anterior “instigou, administrou e supervisionou uma inundação sem precedentes de imigração ilegal”, permitindo que milhões de imigrantes sem documentos cruzassem a fronteira ou chegassem em voos comerciais, supostamente “em violação às leis federais de longa data”. A ordem declara que os imigrantes “apresentam ameaças significativas à segurança nacional e à segurança pública”, acusando-os de cometer “atos vis e hediondos contra americanos inocentes” e de se envolver em “atividades hostis, incluindo espionagem, espionagem econômica e preparativos para atividades relacionadas ao terror”.
Rotular o fenômeno da imigração em massa como uma “invasão” é uma mentira flagrante e uma declaração de guerra contra toda a população. Uma em cada seis pessoas que vivem nos Estados Unidos é nascida no exterior, e a grande maioria dos americanos vive, trabalha e frequenta a escola ao lado de imigrantes. De acordo com o texto da ordem de Trump, milhões de crianças em idade escolar, trabalhadores, pais e avós imigrantes passam a ser considerados envolvidos em um ato de guerra simplesmente por “se estabelecerem em comunidades americanas” e levarem suas vidas cotidianas.
A declaração de que a imigração é uma “invasão” entra em conflito com toda a história do país, que foi fundado por imigrantes. Se a forma atual de migração em massa constitui uma “invasão”, o mesmo ocorreu com a migração dos britânicos e holandeses nos séculos XVII e XVIII, dos alemães e irlandeses em meados do século XIX e dos italianos e europeus do leste no final do século XIX e início do século XX. Em qualquer país do mundo, estabelecer um regime de emergência com base na alegação de uma “invasão” de imigrantes seria reacionário ao extremo; nos Estados Unidos, é um repúdio à sua identidade histórica como “uma nação de imigrantes”.
A escala dessa suposta “invasão”, afirma outra ordem executiva, exige a suspensão de leis aprovadas pelo Congresso: “A Lei de Imigração e Nacionalidade [INA], no entanto, não ocupa o campo de autoridade do governo federal para proteger a soberania dos Estados Unidos, particularmente em tempos de emergência, quando todas as disposições da INA se tornam ineficazes por restrições operacionais, assim como quando há uma invasão em andamento nos estados”. Essa declaração abrangente afirma que os “poderes inerentes” do presidente se sobrepõem à autoridade legislativa do Congresso, anulando de fato a separação constitucional de poderes.
Criminalização da oposição ao governo
O direito de todos os não-cidadãos de criticar o governo ou a presidência foi efetivamente suspenso por uma ordem executiva separada intitulada “Protegendo Os Estados Unidos Contra Terroristas Estrangeiros”. A ordem declara:
Os Estados Unidos devem garantir que estrangeiros sendo admitidos e estrangeiros já presentes nos Estados Unidos não tenham atitudes hostis em relação aos cidadãos, à cultura, ao governo, às instituições ou aos princípios fundamentais do país e não defendam, ajudem ou apoiem terroristas estrangeiros e outras ameaças à nossa segurança nacional.
A ordem inclui uma exigência a que, dentro de 30 dias, o aparato de inteligência militar
recomende quaisquer ações necessárias para proteger o povo americano das ações de estrangeiros que minaram ou procuram minar os direitos constitucionais fundamentais do povo americano, incluindo, entre outros, os direitos de nossos cidadãos à liberdade de expressão e ao livre exercício da religião protegidos pela Primeira Emenda, que pregam ou clamam por violência sectária, a derrubada ou substituição da cultura sobre a qual nossa República constitucional se sustenta, ou que fornecem ajuda, defesa ou apoio a terroristas estrangeiros. (Ênfase adicionada)
Essa ordem não tem como objetivo apenas retirar os direitos dos imigrantes – mesmo daqueles que estão legalmente nos Estados Unidos. Ela também instrui as agências de inteligência a “identificar e tomar as medidas apropriadas” para retirar a cidadania dos americanos que defendem a “derrubada do governo”. Essa diretriz abrangente confunde oposição política com traição, visando efetivamente qualquer pessoa que critique as políticas do governo. As ordens como um todo usam a imigração como ponta de lança para um ataque aos direitos da população como um todo.
Organizações sionistas de direita já estão exigindo a deportação de estudantes e acadêmicos que protestaram contra o genocídio em curso em Gaza, uma prévia assustadora de como esses poderes poderiam ser utilizados para reprimir a dissidência política e sufocar a oposição ao imperialismo dos EUA.
Violação do posse comitatus e da Décima Quarta Emenda
A ordem que exige do Pentágono a elaboração de planos de batalha para serem implantados em solo americano a fim de se envolver na fiscalização da imigração diz o seguinte:
No prazo máximo de 10 dias a partir da data de vigência desta ordem, entregue ao Presidente uma revisão do Plano de Comando Unificado que atribui ao Comando Norte dos Estados Unidos (USNORTHCOM) a missão de selar as fronteiras e manter a soberania, a integridade territorial e a segurança dos Estados Unidos, repelindo formas de invasão, incluindo migração ilegal em massa, tráfico de narcóticos, contrabando e tráfico de pessoas e outras atividades criminosas.
Essa diretriz levanta a perspectiva de que milhões de imigrantes desarmados podem ser classificados não como civis, mas como “combatentes inimigos”. Se implementada, isso os sujeitaria a um tratamento regido não pelas leis dos Estados Unidos, mas pelas leis de guerra, abrindo caminho para uma repressão sem precedentes e para a militarização da governança doméstica sob o pretexto de defender a “soberania”. Ela viola o princípio da legislação comum do posse comitatus, que diz que os militares estão proibidos de se envolver em operações de aplicação da lei em solo americano.
A ordem de rescindir a cidadania inata revela a natureza fraudulenta das alegações de Trump de que suas políticas visam a “proteger” os cidadãos americanos. Na realidade, essa ordem representa um ataque sem precedentes aos direitos constitucionais e aos princípios democráticos. Ao tentar se arrogar o poder de retirar a cidadania de indivíduos nascidos em solo americano – cujo direito à cidadania é explicitamente garantido pela Décima Quarta Emenda – Trump e seus assessores fascistas estão realizando um ataque frontal a um dos pilares legais fundamentais da democracia americana.
Essa ordem executiva foi suspensa na semana passada por John Coughenour, um juiz do tribunal distrital federal nomeado por Reagan, que chamou a ordem de “flagrantemente inconstitucional”. Durante uma audiência em Seattle, Coughenour praticamente declarou que a ordem era parte de um plano para derrubar a Constituição: “Há outros momentos na história mundial em que olhamos para trás e as pessoas de boa vontade podem dizer: ‘Onde estavam os juízes? Onde estavam os advogados?’”.
Embora a decisão de Coughenour suspenda temporariamente a implementação dessa medida draconiana, o governo Trump já entrou com um recurso, preparando o terreno para que a ordem seja ouvida pela Suprema Corte dos EUA, que é dominada por juízes de extrema direita. Mesmo que a Suprema Corte decida contra Trump, é uma questão em aberto se Trump desafiará a ordem e exigirá que os órgãos executivos sigam sua diretriz de negar passaportes e outros documentos de cidadania aos filhos de não-cidadãos nascidos nos EUA.
A história americana contém muitos casos vergonhosos de violações extraordinárias dos direitos dos imigrantes, incluindo os Alien and Sedition Acts (Leis dos Estrangeiros e da Sedição), a exclusão dos chineses, os Palmer Raids (Ataques de Palmer), a exclusão sistemática de refugiados judeus que fugiam de Hitler, o internamento dos nipo-americanos, a grosseiramente chamada “Operação Wetback” e as deportações em massa das últimas três décadas. Trump frequentemente faz apelos políticos explícitos a essa tradição.
Mas o atual ataque aos imigrantes contém algo novo: a repressão de Trump é parte de um esforço para concentrar o poder do Estado nas mãos do Poder Executivo de uma maneira sem precedentes. Trump está retomando de onde parou em 6 de janeiro de 2021, quando tentou anular os resultados da eleição de 2020 e estabelecer uma ditadura presidencial, orquestrando um ataque ao Congresso para impedir a certificação do Colégio Eleitoral. Na campanha eleitoral de 2024, ele prometeu governar como um “ditador desde o primeiro dia” e “acabar” com a Constituição. Agora ele está tentando implementar esses planos.
As políticas de Trump refletem os interesses de uma minúscula elite financeira, determinada a solidificar seu domínio ao derrubar as proteções democráticas e sociais remanescentes para a grande maioria da população. A democracia é incompatível com o governo oligárquico. Como o World Socialist Web Site já observou anteriormente, Trump não é um intruso no Jardim do Éden da política americana. O processo prolongado de concentração de riqueza, facilitado durante décadas por ambos os partidos, vomitou Trump e o colocou de volta na Casa Branca.
Papel colaboracionista do Partido Democrata
Trump está contando com a colaboração do Partido Democrata, que já está votando a favor de suas indicações ministeriais e da implementação de seus ataques reacionários contra os imigrantes, como evidenciado pela aprovação bipartidária da Lei Laken Riley na semana passada, que impõe detenção obrigatória para deportação de imigrantes acusados de crimes pequenos como furto em lojas. Acima de tudo, os democratas estão aterrorizados com o fato de que qualquer desafio sério a Trump poderia desencadear uma onda de oposição social que ameaçaria não apenas seu governo, mas toda a estrutura do governo capitalista.
A capitulação do Partido Democrata não é um acidente, mas um reflexo de seu papel como partido de Wall Street e da guerra. A continuidade entre o primeiro e o segundo governo de Trump – seus esforços para invocar a Lei da Insurreição, suprimir a oposição e consolidar o poder no Poder Executivo – foi recebida não com alarme ou resistência por parte dos democratas, mas com silêncio e cumplicidade.
Até mesmo o New York Times reconheceu, em uma coluna publicada no sábado, que, diferentemente de 2017, “Poucos democratas falam sobre impeachment ou sustentam suas denúncias sobre o fascismo incipiente, mesmo com Elon Musk possivelmente gesticulando como um nazista. (...) Os democratas não parecem tão angustiados ou alvoroçados com esse retorno de Trump como estavam com sua ascensão”. Isso se aplica a lideranças de longa data como Biden e Harris, bem como a “progressistas” como Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez, que foram recompensados com papéis de destaque por seu trabalho árduo de encurralar e suprimir a oposição de esquerda.
A primeira semana de Trump produziu um grau de perplexidade na população. Nas próximas semanas e meses, a promulgação e execução dessas ordens provocarão imensa oposição em uma população que é mais interconectada e misturada internacionalmente do que nunca. Somadas às suas ordens para cortar gastos sociais, desmantelar proteções ambientais e eliminar impostos sobre os ricos, esse governo representa uma guerra direta contra a classe trabalhadora, não apenas nos Estados Unidos, mas internacionalmente.
A capacidade de Trump de transformar os Estados Unidos em uma ditadura será determinada pelo desenrolar da luta de classes. Já há relatos de protestos espontâneos iniciais por trabalhadores e jovens secundaristas surgindo em lugares como a Califórnia e o Texas. As próximas semanas e meses produzirão uma imensa indignação contra os crimes do governo Trump, mas o que é necessário, antes de tudo, é um programa político.
Criar comitês nas escolas, locais de trabalho e bairros para mobilizar a população em defesa da democracia!
O Partido Socialista pela Igualdade (EUA) convoca a construção de comitês em bairros, escolas e locais de trabalho para preparar, educar e organizar os trabalhadores e suas famílias para responder ao ataque que se aproxima. Esses comitês servirão como centros de disseminação de informações e como plataforma para mobilizar a população contra os esforços ditatoriais de Trump para separar famílias e eviscerar os direitos democráticos.
Os comitês terão o papel de unir professores, alunos, pais, trabalhadores e moradores de todas as origens para planejar respostas públicas legais a ataques a membros da comunidade sob o princípio: “Mexeu com um, mexeu com todos”. Onde quer que funcionem, os comitês lutarão para derrotar todos os esforços dos dois grandes partidos empresariais e das burocracias sindicais para dividir os trabalhadores de acordo com o status de imigração ou origem nacional. Eles exporão as mentiras xenófobas da mídia corporativa por meio de uma campanha de educação política em massa com o objetivo de deixar a população “bem desperta” para a ameaça contra a democracia.
A Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB) dará direção e apoio a esses comitês e estará ativamente envolvida na luta para criar comitês e conectá-los além dos limites da escola, do local de trabalho e das fronteiras nacionais em uma poderosa rede de troca de informação e colaboração. A AOI-CB lutará para introduzir nas lutas futuras um programa político com o objetivo de conectar a defesa dos imigrantes à luta para defender os direitos democráticos básicos de todos.
A AOI-CB defenderá um programa baseado na luta de classes, que, ao longo da história americana, provou ser necessário para unificar trabalhadores de todas as origens para varrer o atraso político e a repressão estatal. Sobre essa base, ela se esforçará para transformar a defesa dos imigrantes em uma luta ofensiva da classe trabalhadora internacional contra Trump e sua origem – o sistema capitalista.