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Bolsonaro e militares do alto escalão indiciados pelo golpe de 8 de Janeiro no Brasil

A Polícia Federal (PF) brasileira indiciou na quinta-feira, 21 de novembro, o ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro e outros 36 membros de seu governo pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa pela tentativa de golpe de 8 de Janeiro de 2023.

Ex-presidente Jair Bolsonaro e comandantes das Forças Armadas, almirante Almir Garnier Santos, general Paulo Sérgio Nogueira, e brigadeiro Carlos Baptista Júnior [Photo: Marcos Corrês/PR]

O relatório da PF de quase 900 páginas foi encaminhado ao ministro relator do caso no Superior Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e permanece em sigilo. Ele será enviado nos próximos dias para o Procurador Geral da República, Paulo Gonet, que deverá apresentar uma denúncia dos indiciados no ano que vem.

Sessenta anos após o golpe militar de 1964 apoiado pelos EUA que inaugurou um regime sangrento de 21 anos que Bolsonaro e seu entorno militar reivindicam, as revelações da PF nos últimos dias mostraram que o Brasil esteve perto de um novo golpe e a instauração de uma ditadura após a derrota eleitoral de Bolsonaro para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT) no final de 2022.

Militares estavam fortemente envolvidos na trama golpista. Dos 37 indiciados pela PF, 25 eram militares da ativa ou da reserva, incluindo Bolsonaro, um ex-capitão do exército, sete coronéis, seis tenentes-coronéis, oito generais do exército e o ex-comandante da Marinha no governo Bolsonaro, Almir Garnier Santos.

Os militares indiciados incluem o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022; o general Augusto Heleno, ex-ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa e, anteriormente, comandante do Exército; e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que no ano passado realizou um acordo de delação premiada com a PF.

Entre os civis indiciados, estão o presidente do Partido Liberal (PL) de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto e o ex-ministro da justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres, com quem a Polícia Federal achou a primeira “minuta do golpe” em janeiro de 2023. Torres era secretário de segurança pública do Distrito Federal no dia da tentativa de golpe e foi preso logo depois por omissão e conivência ao ataque da turba fascista à sede dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

A PF também indiciou o jornalista Paulo Figueiredo, neto do último presidente da ditadura militar no Brasil, e Filipe Martins, ex-assessor especial para assuntos internacionais do governo Bolsonaro. Junto com um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, que esteve nos EUA na tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021 e na eleição de Donald Trump deste ano, Figueiredo e Martins possuem estreitas relações com a extrema direita fascista ligada ao presidente eleito Trump nos EUA.

O relatório da PF que indicia o ex-presidente e membros de seu núcleo duro fascista foi enviado ao STF dois dias após ser deflagrada a Operação Contragolpe, que revelou a existência de um plano avançado para assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Moraes. Quatro militares do Exército e um policial federal foram presos preventivamente na terça-feira pela operação.

As informações divulgadas pela “Operação Contragolpe” adicionaram uma nova camada sinistra de fatos às evidências já abundantes da conspiração do ex-presidente e um setor substancial do alto comando militar para dar um golpe de Estado e instaurar uma ditadura fascistoide no Brasil.

A operação foi deflagrada após a recuperação de documentos apagados dos dispositivos eletrônicos do tenente coronel Mauro Cid que foram somados a outros dados recuperados de um grupo de militares das Forças Especiais (FE), os chamados “kids pretos”.

O mais proeminente entre os militares presos esta semana, o general da reserva Mario Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro, foi apontado como um dos principais articuladores do plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes.

O plano de assassinato e seus métodos, que incluíam a possibilidade de disparo de arma de fogo, artefato explosivo, ou envenenamento, são abertamente descritos num documento intitulado “Punhal Verde e Amarelo”, que a PF apurou ser de autoria de Fernandes e ter sido impresso por ele dentro do Palácio do Planalto pela primeira vez em 9 de novembro de 2022. Segundo a PF, o plano foi apresentado e aprovado pelo general Braga Netto em uma reunião em sua própria casa em 12 de novembro de 2022.

Grande parte do documento que sustentou a Operação Contragolpe descreve uma tentativa abortada de levar a cabo o plano de assassinar Moraes em 15 de dezembro de 2022, dois dias após o evento de diplomação de Lula. O relatório da PF concluiu que o assassinato serviria como estopim para instauração de um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise, no dia 16 de dezembro de 2022, após o golpe de Estado, composto em sua maioria por militares, sob o comando dos generais Augusto Heleno e Braga Netto, contando ainda com a participação do general Mario Fernandes e de Filipe Martins”.

O general Fernandes também foi um dos articulares para que o plano golpista tivesse o apoio do alto comando do Exército. Segundo o relatório da PF sobre a Operação Contragolpe, Fernandes escreveu em 4 de novembro de 2022 ao general Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral do governo Bolsonaro:

O senhor tem que dar uma forçada de barra com o Alto Comando, cara. Com o general Freire Gomes [então comandante do Exército], com o general Paulo Sérgio, porra ... Tá na cara que houve fraude [eleitoral], porra.... E outra coisa, nem que seja pra divulgar e inflamar a massa. Pra que ela se mantenha nas ruas e aí, sim, talvez, seja isso que o Alto Comando, que a Defesa quer. O clamor popular, como foi em [19]64. Porque como o senhor disse mesmo, boa parte do Alto Comando, pelo menos do Exército, não ‘tá’ muito disposto, né? Ou não vai partir pra intervenção, a não ser que, pô, o start seja feito pela sociedade. Pô, general, reforça isso aí. Eu tô fazendo meu trabalho junto à Brigada [de Forças Especiais] e ao pessoal de divisão [generais] da minha turma [de 1986, da Academia das Agulhas Negras].

Um dos documentos mais importantes revelados pela PF, apreendido em posse do tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, é descrito pelos investigadores como “uma planilha detalhada que condensa informações acerca de um planejamento estratégico do Golpe de Estado”.

O documento apresenta um plano com etapas detalhadas, começando pela anulação das eleições democráticas com base numa acusação forjada de fraude eleitoral. As etapas seguintes envolviam a emissão de “mandados de prisão contra envolvidos em indícios de irregularidades no processo eleitoral” e a neutralização de opositores no comando dos poderes de Estado; a instauração de um novo regime com base num decreto presidencial de Bolsonaro e sua sanção pelo Congresso (controlado por seus aliados); e a deflagração de uma campanha informacional massiva para legitimar o golpe de Estado interna e internacionalmente.

O documento aponta como “requisitos críticos” para a transição de poder ao novo regime ditatorial a criação de um “gabinete central de crise” e a “preparação de robusto arcabouço jurídico em coordenação com o STM [Supremo Tribunal Militar] ... para constituição de decreto que respalde as ações militares”.

Todo esse plano teve a participação ativa de Bolsonaro. Segundo a Polícia Federal, ele foi apresentado a Bolsonaro por Filipe Martins, e Bolsonaro discutiu o plano com os chefes das Forças Armadas. Em depoimento à PF em março deste ano, os então comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, confirmaram que Bolsonaro discutiu o plano com eles. Também presente na reunião estava o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, que teria concordado com o golpe e foi o único indiciado pela PF.

Depois de no meio do ano passado Bolsonaro ter sido declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até 2030 por ataques sistema eletrônico de votação que abriu o caminho para a tentativa de golpe, neste ano Bolsonaro já tinha sido indiciado pela Polícia Federal pela venda ilegal de joias no exterior e a falsificação de cartões de vacinação contra a COVID-19. Ambos os indiciamentos também estão ligados à tentativa de golpe.

Bolsonaro e seu entorno político responderam ao terceiro indiciamento voltando atacar o ministro Moraes. Em uma entrevista na quinta-feira ao site Metrópole, Bolsonaro disse que Moraes “conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei.”

O indiciamento de Bolsonaro e de militares do alto escalão está longe de acabar com a maior crise da democracia brasileira desde o fim da ditadura militar em 1985. Sua origem é a enorme crise do sistema capitalista mundial que está normalizando a ameaça de guerra mundial nuclear e a ampla guinada da elite dominante mundial para formas autoritárias de governo, com consequências explosivas sobre um dos mais desiguais países do mundo como o Brasil.

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