Publicado originalmente em 24 de outubro de 2023
Este é o segundo de um artigo em duas partes. A primeira parte foi publicada em 1º de novembro de 2023.
A política da Grande Israel
A guerra de 1967 foi um ponto de virada no desenvolvimento de uma política pela Grande Israel de anexação permanente dos territórios tomados.
A guerra expandiu na prática as fronteiras de Israel e criou novos grupos de refugiados e de pessoas internamente desalojadas. O governo de unidade nacional, chefiado pelo primeiro-ministro trabalhista Levi Eshkol, estabeleceu assentamentos de tipo colonial nos territórios recém-conquistados, desafiando as convenções internacionais. Os assentamentos, por sua vez, criaram uma camada social que possuía interesse na política expansionista de Israel, constituindo um pólo de atração para algumas das forças mais reacionárias, cujos herdeiros fascistas estão hoje no governo, ditando a política. Essas forças deslocaram rapidamente a política israelense para a direita na década de 1970, aumentando a instabilidade social e pondo fim ao governo do Partido Trabalhista.
A repressão para impor a ocupação das terras palestinas na Cisjordânia e em Gaza foi intensificada pela imposição de um regime militar, de punição coletiva, demolições de casas, deportações forçadas e prisões sem julgamento, enquanto os palestinos se tornaram uma reserva de mão de obra barata para serem brutalmente explorados pelos empregadores israelenses. A liderança palestina se mudou primeiro para a Jordânia, até ser expulsa pela Jordânia em uma selvagem guerra em 1970 e, depois, para o Líbano.
Após a vitória eleitoral de 1977 do líder do Likud, Menachem Begin, Israel lançou uma política expansionista assassina no Líbano, com uma série de ataques, incursões e operações secretas em aliança com as forças fascistas libanesas contra os palestinos e os seus aliados durante a guerra civil de 15 anos no país. Essas guerras e atividades secretas continuariam durante 30 anos.
As estimativas colocam que 32 mil palestinos e um número incalculável de libaneses tenham sido mortos à custa de cerca de 1,5 mil vidas israelenses durante operações que incluíram o massacre de 3 mil palestinos em Sabra e Shatila, o campo de refugiados palestinos em Beirute, pelos aliados falangistas de Israel sob a proteção do exército israelense em setembro de 1982.
A fraude de Oslo
Os ataques de Israel contra os palestinos no Líbano e a sua crescente violação dos direitos humanos nos territórios ocupados por Israel deram origem à primeira Intifada, a revolta palestina espontânea de 1987-93 que começou fora do controle da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Ela foi brutalmente reprimida por Israel com a morte de mais de mil palestinos, mais de seis vezes o número de judeus israelenses mortos.
Essa situação levou à assinatura dos Acordos de Oslo em 1993 pelo primeiro-ministro do Partido Trabalhista de Israel, Yitzhak Rabin, e por Arafat no gramado da Casa Branca, tendo Arafat e a OLP concordado em reconhecer Israel e renunciar ao terrorismo.
Os acordos deveriam dar início a um Estado palestino com capital em Abu Dis, um subúrbio de Jerusalém Oriental, a chamada solução de dois Estados. Arafat e a Autoridade Palestina assumiriam o papel de Israel no controle das massas palestinas, em Estado bifurcado, composto por Bantustões não contíguos, separados, mas contidos em Israel. Isso excluía qualquer possibilidade de democracia para os palestinos.
Os israelitas ultranacionalistas e os seus representantes políticos no Likud e outros partidos religiosos e de extrema direita rejeitaram até mesmo essa farsa de um Estado palestino em terras que cobiçavam. Apenas dois anos mais tarde, em outubro de 1995, nacionalistas religiosos de direita, incitados pelos líderes da oposição belicista Ariel Sharon e Benjamin Netanyahu, denunciaram Rabin como um traidor numa manifestação furiosa em Jerusalém. Um mês depois, um fanático religioso assassinou Rabin.
Israel utilizou os Acordos de Oslo para a rápida expansão dos assentamentos na Cisjordânia, assumir o controle da água e de outros recursos, construir estradas e instalar mais de 600 pontos de controle, perturbando a circulação em toda a região e destruindo a sua economia. Os assentamentos, onde moram atualmente pelo menos 500 mil israelenses, ou seja, quase 20% da população, controlam uma porcentagem muito maior das terras, incluindo as mais férteis e produtivas.
Israel anexou a Jerusalém Oriental, parte da Cisjordânia, em violação do direito internacional, e os seus moradores palestinos são hoje apenas uma pequena maioria, na sequência da construção de cerca de 200 mil casas para colonos. Nos últimos anos, ocorreram repetidos confrontos entre os palestinos e a polícia por conta da ameaça de despejo de famílias palestinas dos bairros de Sheikh Jarrah e Silwan, a mando de grupos religiosos e de extrema direita liderados por Ben-Gvir.
Essas condições deram origem à segunda Intifada, em setembro de 2000, após a visita provocativa de Ariel Sharon através do recinto da mesquita de Al Aqsa, sob escolta militar, para reafirmar o controle de Israel sobre o terceiro local mais sagrado do Islã. A Intifada foi também uma revolta contra a liderança da OLP, que havia sancionado os desastrosos Acordos de Oslo. Entre 2000 e 2008, as forças de segurança israelenses mataram quase 5 mil palestinos, cerca de cinco vezes mais do que o número de israelenses mortos pelos palestinos.
O muro de separação e o bloqueio de Gaza
Sharon ordenou a construção da infame Barreira de Separação, que roubou mais 10% das terras palestinas para separar Israel dos palestinos e separar milhares de palestinos das suas famílias e locais de trabalho. Os assassinatos de líderes palestinos se tornaram rotineiros, em meio a demandas da extrema direita por “transferências populacionais” e medidas com o objetivo de efetuar uma limpeza étnica para contrariar a “bomba-relógio demográfica”. O número de palestinos ultrapassa hoje o número de judeus dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas de Israel e dos territórios ccupados.
Em 2005, Sharon encerrou 14 assentamentos israelenses e retirou o exército da Faixa de Gaza, mantendo o controle da entrada por terra, mar e ar. Isso ocultou uma tomada de terras muito mais significativa na Cisjordânia, que recebeu sinais favoráveis da administração Bush.
Dois anos mais tarde, após o Hamas ter derrotado uma tentativa de golpe das forças do Fatah, Israel impôs um bloqueio sufocante que transformou Gaza em um gueto empobrecido, devastando a vida dos seus moradores. O bloqueio nega a Gaza qualquer independência, fornecendo apenas o mínimo de serviços essenciais, como água e eletricidade, após a destruição de grande parte da sua infraestrutura pública e edifícios residenciais, hospitais, escolas e mesquitas na sequência de ataques assassinos ao enclave, que caracteriza como “cortar o excesso”. Entre esses ataques, estão incluídas a Operação Chumbo Fundido (2008-09), a Operação Pilar de Defesa (novembro de 2012) e a Operação Margem Protetora (2014). O número total de mortes de palestinos em mais de sete grandes ataques a Gaza pela mais poderosa força aérea do Oriente Médio foi de pelo menos 4.164, com a perda de apenas 102 vidas israelenses.
Incapaz de levar adiante qualquer reconstrução, a situação econômica de Gaza já era terrível muito antes do presente ataque. Cerca de três quartos das famílias de Gaza dependem de alguma forma de auxílio da ONU e de outras agências, que a União Europeia afirmou estar hoje “sendo revisto”. Em 2012, a ONU previu que o enclave sitiado seria inabitável até 2020, mas em 2017 reviram a previsão para avisar que o retrocesso estava acontecendo ainda mais rapidamente do que o previsto.
Em Israel, a situação dos cidadãos palestinos, que representam 20% da população, é precária. As suas comunidades, onde vivem algumas das pessoas mais pobres do país, enfrentam a negligência governamental e a discriminação orçamentária. Os níveis de pobreza e de desemprego são tais que grupos criminosos rivais tomaram o controle das cidades árabes, provocando mais de 180 assassinatos desde o início do ano.
Em maio de 2021, os cidadãos palestinos de Israel saíram à ruas em greves, protestos e motins desencadeados pela violenta invasão da polícia da mesquita de Al Aqsa e por atos brutais de limpeza étnica na Jerusalém Oriental. Foi a primeira vez que os palestinos se juntaram àqueles dos territórios ocupados em uma greve geral para protestar contra o ataque a Gaza e contra a constituição israelense ao estilo do apartheid. A coligação de extrema-direita de Netanyahu planeja proibir os membros palestinos do Knesset de serem membros no parlamento israelense e proibir os seus partidos de se candidatarem às eleições.
A revolta dos oprimidos
Foi este imenso sofrimento que levou à ação dos palestinos de 7 a 9 de outubro. Foi a revolta de um povo oprimido, determinado a escapar ao campo de concentração em que Israel o confinou com o apoio de todas as grandes potências.
Conforme explicou o World Socialist Web Site (WSWS), “um Estado criado sobre essa base e na contínua repressão dos palestinos foi sempre incapaz de desenvolver uma sociedade genuinamente democrática. A sua evolução como Estado-guarnição do imperialismo americano, repetidamente em guerra com os seus vizinhos árabes e em guerra perpétua com os palestinos; promovendo uma política expansionista de ‘Grande Israel’; apoiando-se cada vez mais firmemente na população de colonos de direita nos territórios ocupados e nas subvenções militares dos EUA para compensar o impacto desestabilizador de níveis agudos de desigualdade social entre os mais elevados do mundo, foi o que abriu caminho para o monstro de Frankenstein do governo de Netanyahu”.
A guerra genocida de Israel contra Gaza é a demonstração da essência reacionária do sionismo. Um Estado capitalista que supostamente proporcionaria refúgio seguro para os judeus produziu, em vez disso, décadas de morte, limpeza étnica e expropriação dos palestinos que vivem na região, colocando os judeus israelenses em conflito permanente com os seus vizinhos árabes.
O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) defendeu em 9 de outubro:
A classe dominante de Israel está hoje no ponto em que a perspectiva reacionária de garantir um Estado judeu exclusivista por meio da expulsão forçada dos palestinos só pode ser mantida por meio de assassinatos em massa e da limpeza étnica.
A guerra é o prelúdio de uma conflagração muito mais vasta, juntamente com a guerra liderada pelos EUA-OTAN contra a Rússia na Ucrânia, o Irã e os seus aliados na Síria e o Hezbollah no Líbano, que ameaça a morte a uma escala inimaginável.
A guerra suja de Israel pode acabar somente através da ação política independente da classe trabalhadora em todo o Médio Oriente e a nível internacional, incluindo os trabalhadores israelenses que estão dispostos a tomar uma posição contra a xenofobia nacionalista de todos os seus governantes e partidos.
Ao longo do movimento de nove meses que se opôs ao golpe judicial de Netanyahu e aos seus esforços para assumir poderes ditatoriais, o WSWS avisou que os autoproclamados líderes dos protestos partilhavam a política expansionista de Netanyahu à custa dos palestinos – como demonstra agora a vontade dos líderes da Unidade Nacional, os ex-chefes do Estado-Maior das forças armadas israelenses, Benny Gantz e Gadi Eisenkot, de se juntarem ao seu governo fascista para dar prosseguimento à guerra. Após terem reivindicado o apoio a manifestações de massas contra Netanyahu, Ben Gvir e Smotrich, fazem hoje apelos a centenas de milhares de reservistas para que matem civis inocentes e morram por eles. Eles estarão para sempre associados, aos olhos do mundo, a um dos maiores crimes do século XXI.
O CIQI insiste que o inimigo dos trabalhadores e da juventude em Israel não são os palestinos, mas sim o governo de Netanyahu e a classe dominante israelense:
O grande paradoxo histórico e político da atual situação é o seguinte: A classe trabalhadora israelense não pode defender seus próprios direitos democráticos sem lutar pelos direitos democráticos do povo palestino contra a opressão sionista, e os palestinos não podem alcançar suas aspirações por direitos democráticos e igualdade social sem forjar uma aliança de luta com a classe trabalhadora israelense. A única perspectiva viável não é uma mítica “solução de dois Estados”, mas um Estado socialista unificado de trabalhadores judeus e árabes...
O levante na Palestina é parte de uma erupção de revolta e oposição em desenvolvimento na forma de greves e protestos em massa em todo o mundo. É esse movimento social, guiado por um programa e uma perspectiva conscientemente socialistas e revolucionários, que deve ser mobilizado para pôr fim à guerra imperialista, à desigualdade e a todas as formas de opressão. Essa é a perspectiva e o programa da Quarta Internacional trotskista, liderada pelo Comitê Internacional.