Publicado originalmente em 23 de outubro de 2023. Leia a segunda parte.
O governo de extrema-direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, apoiado até o fim por todos os países imperialistas e a sua servil mídia, retrata as 1.400 vítimas resultantes da incursão de Al Aqsa pelo Hamas em Israel como um ato de terrorismo único. Segundo a torrente de propaganda, esse é um acontecimento “marco zero” para o qual não há justificativa e que, por sua vez, legitima quaisquer crimes que Israel cometa agora contra os mais de dois milhões de habitantes de Gaza como um suposto ato de autodefesa.
Na realidade, trata-se de produzir uma justificativa para implementar uma campanha planejada há muito tempo de genocídio e limpeza étnica contra a Faixa de Gaza e, possivelmente, até mesmo contra a Cisjordânia, além de uma guerra contra o Irã e seus aliados no Líbano e na Síria. Os aliados de Netanyahu nos centros imperialistas o apoiam integralmente, demonizando qualquer oposição às políticas fascistas de Israel como atos antissemitas que devem ser banidos.
Porém, existe alguma dúvida de que Israel está planejando uma segunda Nakba? Netanyahu deixou isso absolutamente claro. Ele disse aos 1,1 milhão de palestinos no norte de Gaza para “irem embora agora”, enquanto o porta-voz do exército disse que eles não teriam permissão para retornar “até que nós digamos”. Ninguém disse para onde eles deveriam ir. De qualquer forma, isso não impediu que Israel os bombardeasse após fugirem.
O ministro da Defesa, Yoav Gallant, lançando o “cerco completo a Gaza” de Israel, impedindo que todos os itens essenciais à vida – eletricidade, alimentos e até mesmo água – entrem no enclave sitiado, deu um discurso fascista: “Estamos lutando contra animais humanos e agimos de acordo com isso”.
O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, disse aos militares: “Ataquem o Hamas com brutalidade e não levem em consideração a questão dos prisioneiros”.
A realidade do “ataque ao Hamas” é o assassinato em massa de milhares de civis, metade deles crianças, no bombardeio em massa de Gaza enquanto uma invasão terrestre é preparada. A carnificina resultante dos ataques aéreos é tão grande que a agência de refugiados palestinos da ONU (UNRWA) declarou: “Não há sacos de cadáveres suficientes para os mortos em Gaza”. Bairros inteiros foram reduzidos a escombros.
Gaza é apenas o início. Na Cisjordânia ocupada, os soldados israelenses estabeleceram novos pontos de controle para bloquear toda a liberdade de movimento, dando liberdade aos colonos armados para atacar e matar palestinos e os expulsar de suas aldeias.
Dentro de Israel, os palestinos temem ser submetidos a uma limpeza étnica, de acordo com as “transferências populacionais” exigidas há tempos pelos partidos ultranacionalistas e fascistas. Vigilantes de extrema-direita se mudaram para cidades de população mista como Lod, que sofreram despejos forçados em 1948, com o objetivo declarado de “judaicizá-las”. O ministro da Segurança, Itamar Ben-Gvir, anunciou a compra de 10 mil rifles para armar esses esquadrões fascistas. Kobi Shabtai, chefe da polícia, declarou que será aplicada “tolerância zero” para protestos em apoio a Gaza em Israel e ameaçou enviar manifestantes contra a guerra para o enclave sitiado.
As implicações totais da lei do Estado nacional de 2018 em Israel, que consagra a supremacia judaica como a base legal do Estado, estão claras hoje – não apenas o regime de apartheid com os árabes como cidadãos de segunda classe, mas sua expulsão de um Estado exclusivamente judeu.
A criação do Estado de Israel
Esse é o produto da criação de Israel em 1948 por meio da expulsão forçada da população árabe vivendo na Palestina e dos 75 anos de brutalidade e assassinato em massa que se seguiram.
A votação não vinculante na Assembleia Geral das Nações Unidas em novembro de 1947 pedindo a partilha de um Estado judeu em terras palestinas ao lado de um Estado palestino foi o resultado das maquinações de potências rivais determinadas a manter o controle sobre uma área geoestratégica tão importante. Elas aproveitaram e manipularam a enorme simpatia do público pelos judeus europeus que haviam sofrido tão terrivelmente nas mãos da Alemanha nazista e que agora se viam impedidos de entrar no Ocidente.
Um dos elementos mais cínicos da propaganda sionista e imperialista é que Israel é rotineiramente declarado como a “única democracia” no Oriente Médio. Porém, sua criação em um país já existente, onde, mesmo após a imigração em massa, os judeus constituíam apenas um terço da população em 1947, nunca poderia ser alcançada democraticamente.
Os próprios historiadores de Israel, utilizando os arquivos do governo, documentaram os crimes cometidos pelos antecedentes políticos da gangue de nacionalistas de extrema direita, fanáticos religiosos e ex-generais que governam o país hoje. O partido Likud de Netanyahu é o herdeiro político do Irgun, cujo líder, Menachem Begin, foi primeiro-ministro de 1977 a 1983, e da Stern Gang (Lehi), liderada por Yitzhak Shamir, que se tornou primeiro-ministro em 1983. Essas gangues terroristas travaram uma guerra brutal contra os palestinos e as autoridades britânicas durante o período após a Primeira Guerra Mundial, quando o Reino Unido governou a Palestina sob um mandato da Liga das Nações. Eles mataram vários milhares de palestinos em um período de aproximadamente 30 anos até 1948, resultando na morte de 1.300 judeus em represália.
O massacre em Deir Yassin, em abril de 1948, onde mais de 200 homens, mulheres e crianças foram massacrados, é um dos exemplos mais conhecidos. O historiador Benny Morris explica em seu impactante livro The Birth of the Palestinian Refugee Problem, 1947-49 (O Nascimento do Problema do Refugiado Palestino) que esse foi um dos fatores mais importantes para “precipitar a fuga dos moradores árabes da Palestina”. Entre novembro de 1947 e o fim do Mandato Britânico, em maio de 1948, mais de 375 mil palestinos se tornaram refugiados, expulsos por uma combinação de força, atrocidades e uma campanha de terror que incluía assassinatos.
A guerra que começou em maio de 1948 entre Israel e seus vizinhos árabes, depois que David Ben Gurion, o primeiro-ministro de Israel, declarou a criação do Estado de Israel, causou a morte de cerca de 13 mil palestinos, o dobro do número de israelenses mortos, além de cerca de 3 a 7 mil soldados do Egito, Síria, Jordânia e Iraque. Israel negou aos palestinos desalojados o direito de retornar às suas casas, forçando a maioria a sobreviver em campos de refugiados na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia, no Líbano e na Síria. Em grande parte privados de cidadania nos estados árabes, exceto na Jordânia, eles e seus descendentes tornaram-se refugiados registrados. Muitos vivem hoje em outr os lugares do Oriente Médio, enquanto outros se mudaram para o Ocidente.
O próprio Ben Gurion incentivou o Haganah – o precursor das Forças de Defesa de Israel e em grande parte sob o controle do Partido Histadrut/Mapai, que mais tarde se tornou o Partido Trabalhista – a expulsar os palestinos de suas casas. Existem pelo menos 31 massacres confirmados – incluindo o terrível massacre em outubro de 1948 por um batalhão do Haganah formado por ex-membros das forças do Irgun e do Lehi – de 100 a 120 palestinos no vilarejo de al-Dawayima, próximo à cidade de Hebron, no sul do país. Um soldado que testemunhou os eventos, parte da Operação Yoav do exército israelense (15 a 22 de outubro de 1948), explicou: “Não ocorreu batalha nem resistência. Os primeiros conquistadores mataram de 80 a 100 homens, mulheres e crianças árabes. As crianças foram mortas esmagando seus crânios com paus. Não havia uma casa em que não houvesse pessoas mortas”.
Ninguém foi acusado pelo massacre. De acordo com o Projeto de Assistência aos Refugiados da ONU, a população de refugiados da Faixa de Gaza aumentou de 100 mil para 230 mil, devido à limpeza étnica da região sul.
No final da guerra, apenas cerca de 200 mil dos 1.157.000 palestinos registrados em um censo britânico de 1947 permaneceram nas partes da Palestina que se tornaram Israel. A tomada das terras dos palestinos foi ainda mais dramática. Em 1946, os judeus eram proprietários de menos de 12% das terras que se tornaram Israel; esse número aumentou para 77% após a guerra de 1948-49, quando o governo israelense promulgou uma lei de propriedades pbandonadas para assumir o controle das propriedades dos palestinos que foram expulsos ou fugiram.
Fundado no terrorismo e na limpeza étnica, Israel só pôde sustentar suas políticas gêmeas de expulsão e desapropriação por meio de repressão e guerra constantes. Os membros do Partido Trabalhista de Ben Gurion impuseram o regime militar até 1966 aos palestinos que permaneceram em Israel e se tornaram cidadãos. Isso foi apenas alguns meses antes de impor o regime militar sobre os palestinos da Cisjordânia recém-ocupada, o que continua até hoje.
O exército israelense travou repetidamente batalhas unilaterais com palestinos que tentavam voltar para suas antigas casas ou visitar suas famílias após 1949, sendo o massacre de Ariel Sharon em Qibya, em 1956, que matou 69 palestinos, um dos mais notórios. Entre 1949 e 1967, a guerra Fedayeen entre Israel, de um lado, e as forças armadas egípcias e os militantes palestinos, de outro, matou entre 2.800 e 5 mil palestinos, cerca de quatro vezes o número de israelenses mortos.
Em junho de 1967, Israel usou a expulsão pelo presidente Gamal Abdul Nasser das forças da ONU da Faixa de Gaza, controlada pelo Egito, e de Sharm el Sheikh, onde estavam guardando o Estreito de Tiran, e o fechamento do Estreito para a navegação israelense para lançar um ataque preventivo, mas planejado muito tempo antes, contra o Egito. Estima-se que 20 mil soldados árabes perderam suas vidas, em comparação com menos de mil mortes israelenses.
Durante a Guerra dos Seis Dias, Israel tomou as Colinas de Golã na Síria, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental controladas pela Jordânia, que foram anexadas, e a Península do Sinai no Egito, bem como a Faixa de Gaza ocupada pelos egípcios. Isso forçou outros 250-325 mil dos 900 mil palestinos na Cisjordânia controlada pela Jordânia a fugir para a Jordânia e 100 mil sírios a fugir para a Síria.
A guerra de 1967 levaria a outra guerra em outubro de 1973, quando o Egito e a Síria lançaram um ataque militar surpresa, sem sucesso, contra Israel com o objetivo de garantir a devolução das terras ocupadas por Israel. A derrota resultou na assinatura de um acordo de paz do Egito com Israel e no abandono de qualquer apoio aos palestinos por parte de todos os regimes burgueses árabes.
A derrota dos exércitos árabes em 1967 criou as condições para que Yasser Arafat e sua organização, Fatah, com seu compromisso de conquistar um Estado palestino por meio da luta armada, assumissem a liderança da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Isso deu início a uma luta militar extremamente desigual entre Israel, armado até os dentes e apoiado política e diplomaticamente pelo imperialismo americano, e os palestinos, agora isolados e abandonados pelos regimes árabes.
Continua.