Em seu discurso de posse de 2 de janeiro como Ministro da Educação (MEC) do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT), Camilo Santana pintou um cenário devastador da educação brasileira após quatro anos de ataques do governo do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro.
Segundo ele, toda a “negligência” do governo Bolsonaro em relação à educação, agravada pela pandemia de COVID-19, trouxe “prejuízos imensuráveis para milhões de crianças e jovens deste país”. Santana citou dados alarmantes: “650 mil crianças de até 5 anos abandonaram a escola nos últimos 3 anos”, e o número de “crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever na idade certa aumentou 66%.”
Repetindo o slogan do governo Lula de “União e Reconstrução”, Santana reforçou que sua missão é “ajudar a resgatar a educação no nosso país” dos “tempos sombrios”.
Porém, o histórico de Santana durante 8 anos como governador pelo PT do Ceará (2015-2022), que inclui a repressão a uma greve de 107 dias de professores em 2016, ataques às aposentadorias dos funcionários públicos em 2019 e a reabertura precoce de escolas durante a pandemia, aponta para uma agenda muito diferente. Tudo isso foi ainda recentemente reforçado pelas nomeações para os principais cargos do MEC de defensores de políticas empresariais na educação com ligações umbilicais com fundações educacionais de grandes empresas e bancos, preparando um amplo ataque aos professores e à educação pública no Brasil.
Para o cargo de Secretária da Educação Básica, Santana escolheu Kátia Schweickardt, consultora da maior fundação educacional empresarial no Brasil, Todos pela Educação, e fellow da Fundação Lemann, ligada ao segundo homem mais rico do Brasil, João Paulo Lemann. Como Secretária da Educação de Manaus, capital do Amazonas, entre 2015 e 2020 no governo de Arthur Virgílio (PSDB), ela estabeleceu projetos educacionais com o setor privado, particularmente com o maior banco brasileiro, o Itaú, implementando as diretrizes neoliberais para a educação propostas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A gestão de Schweickardt foi marcada pelo arrocho salarial dos professores e a ênfase na melhoria no resultado no IDEB, um índice do qual faz parte o resultado dos alunos na Prova Brasil. Em 2017, ela chamou de “criminoso” um movimento de professores que protestava contra a forma como a prefeitura de Manaus estava repassando os recursos do FUNDEB com base no resultado dos alunos na Prova Brasil. A sua nomeação para o cargo de Secretária da Educação Básica gerou amplos protestos entre os professores de Manaus.
A Prova Brasil, criada em 2005 pelo então Ministro da Educação e atual Ministro da Fazenda do governo Lula, Fernando Haddad (PT), é uma avaliação de larga escala censitária que têm servido como base para a implementação da gestão empresarial nas escolas e de reformas pró-corporativas na educação brasileira, como a reforma do Ensino Médio de 2016.
Outro instrumento que também tem avançado a privatização da educação pública no Brasil é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), implementada por um dos maiores especialistas na avaliação de larga escala do Brasil, Manuel Palácios, quando ocupou entre 2015 e 2016 a Secretaria de Educação Básica no governo de Dilma Rousseff (PT). Longe de representar uma valorização dos conhecimentos humanísticos, artísticos e científicos, a BNCC promoveu um currículo “flexível” ligado às necessidade do mercado, incluindo a expansão do ensino técnico. No atual governo do PT, Palácios foi nomeado para o cargo de presidente do INEP, órgão responsável pela avaliação da educação básico e superior e pela realização do ENEM.
Para o cargo de Secretária-executiva, o segundo mais importante no MEC, Santana nomeou Izolda Cela. Ela foi vice-governadora do Ceará durante o governo Santana e, antes, atuou na Secretaria da Educação da cidade de Sobral entre 2001 e 2006 e foi Secretária da Educação do Ceará de 2007 a 2014. Em Sobral, ela e seu marido, o vice-prefeito (2005-2011) e depois prefeito (2011-2017) da cidade, Veveu Arruda (PT), estabeleceram uma relação frutífera com a Fundação Lemann, que a levou a estabelecer um centro educacional em Sobral.
Depois da vitória eleitoral de Lula, ela foi amplamente defendida pela Fundação Lemann e outras fundações empresariais para assumir o MEC por ter implementado em Sobral e no Ceará avaliações de larga escala e “incentivos materiais e financeiros para que municípios melhor[assem] a aprendizagem dos alunos”, segundo uma reportagem do Estado de S. Paulo. No limite, isso significa substituir aumentos regulares de salários dos profissionais da educação por bônus a partir das metas estabelecidas para as avaliações.
O que ficou conhecido como o “modelo Sobral/Ceará”, que fez a cidade e o estado atingirem as primeiras posições no IDEB, tem sido amplamente saudado pela mídia burguesa brasileira nos últimos anos.
Resumindo esse modelo, o professor aposentado da UNICAMP, Luiz Carlos de Freitas, escreveu em seu blog em 2016: “Com a ênfase em ‘bater metas’ no Ideb, as escolas de ‘sucesso’ serão aquelas que treinarem os alunos para se sair bem nas provas de matemática e português. Uma total inversão dos objetivos da formação humana... O que importa é a média subir – por bem ou por mal. O exemplo mais claro disso é Sobral no Ceará [que] ... colocou o desenvolvimento educacional dos municípios como parte das condições de partilha do ICMS estadual.”
Em um artigo devastador de 2017, o ex-secretário do Trabalho e do Desenvolvimento Econômico de Sobral, Marcos de Aguiar Villas-Bôas escreveu ainda que o IDEB “transformou-se em informação para uso político/eleitoral”, como para os municípios conseguirem mais recursos educacionais, e por isso “é muito manipulado”. Ele ainda escreveu que o “boom no IDEB de Sobral não está fortemente refletido num boom na igualdade de renda,” nem no maior ingresso nas universidades.
Como ele deixou claro em seu discurso de posse, a intenção de Santana é replicar a suposta bem-sucedida estratégia educacional de Sobral e do Ceará, que ele caracterizou como “uma nova metodologia, com meritocracia, com estímulo fiscal, com premiação, onde as escolas passaram a ter metas e indicadores”, para todo o Brasil através de um “pacto nacional de apoio à educação básica.”
Enquanto tudo isso aponta para um amplo ataque à educação brasileira, a pseudoesquerda brasileira, como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e os sindicatos de professores, está avançando a posição fraudulenta que o governo Lula e o MEC estão supostamente “em disputa” e podem ser “pressionados” a implementar políticas mais “progressistas”. A própria nomeação de Santana em detrimento de Cela teria sido fruto dessa “disputa”, que levou a própria base parlamentar do PT e a pseudoesquerda a denunciarem a ligação de Cela com “setores empresariais na educação” em uma “Carta em defesa da educação pública brasileira” do início de dezembro.
Nas últimas três semanas desde a posse de Lula, isso também foi exposto diante de crescentes demandas de professores e estudantes para que seu governo reverta uma série de ataques à educação pública nos últimos anos. Entre eles estão a Emenda Constitucional que limitou o aumento dos gastos sociais à inflação, que desde 2017 retirou mais de 70 bilhões de reais à educação, e a reforma pró-corporativa do Ensino Médio, ambas aprovadas em 2016 pelo governo do presidente Michel Temer após o impeachment fraudulento de Dilma Rousseff em 2016.
Além de o MEC estar cheio de figuras ligadas a fundações empresariais que ajudaram a elaborar e aprovar a reforma do Ensino Médio, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, se referiu a ela como “importante” e “corretíssima” na segunda-feira passada em conversa com empresários, completando ainda que o governo Lula não pretende revogar as reformas trabalhista (2017) e previdenciária (2019). Significativamente, em uma postagem de 5 de janeiro no Facebook que elogiava a reforma do Ensino Médio, o MEC foi forçado a apagá-la diante da enorme repercussão negativa.
Em relação à Emenda Constitucional, que quando foi proposta ficou conhecida como “PEC do Fim do Mundo”, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou no Fórum Econômico Mundial de Davos que uma nova “âncora fiscal” irá ser reformulada com a ajuda do Fundo Monetário Internacional. Isso aconteceu depois de Haddad se recusar a aumentar o salário-mínimo em míseros 18 reais, uma promessa central da campanha eleitoral de Lula.
Pelo histórico de ataques do PT à educação pública no Brasil e essas pouco mais de três semanas de governo Lula, está claro que não há nada o que “pressionar” o governo Lula para que ele supostamente “corrija” os supostos erros cometidos. As escolhas para o MEC e outros ministérios, pelo contrário, expressam o caráter pró-capitalista do PT e seus apoiadores, incluindo o PSOL e os sindicatos, contra o qual os professores, estudantes e a classe trabalhadora brasileira devem se preparar desde já para lutar.
Como parte de uma crescente ofensiva da classe trabalhadora internacional contra a inflação crescente e degradação das condições de vida, o final do ano passado e o início deste ano assistiram a protestos e greves da educação em Angola, Moçambique e Nigéria, nos EUA e Canadá, e na Alemanha, Escócia e França. Hoje, essa luta está centrada em Portugal, onde os professores, em greve desde o início de dezembro contra os ataques do governo do Partido Socialista, realizaram uma manifestação massiva em 14 de janeiro em defesa da educação pública.
No Brasil, a juventude realizou grandes protestos no final do ano passado contra os cortes na educação do governo Bolsonaro. Em dezembro, professores de Curitiba (Paraná), Campo Grande (Mato Grosso) e Novo Hamburgo (Rio Grande do Sul) realizaram paralisações e protestos contra os ataques à previdência e os baixos salários. Em São Paulo, professores da rede pública estadual têm realizado protestos semanais desde o final do ano passado contra as péssimas condições de trabalho e os precários contratos de trabalho, exigindo o cancelamento da atribuição de aulas para o ano letivo de 2023. Neste início de ano, essas lutas com certeza se desenvolverão, particularmente em defesa do cumprimento do piso nacional dos professores, que teve um aumento de quase 15% na semana passada e é garantido por apenas 31% dos governos municipais e estaduais brasileiros.
Essas lutas precisam ser unificadas nacional e internacionalmente e tiradas das mãos dos sindicatos. Nos últimos anos, os sindicatos isolaram todas as lutas dos professores e estudantes e as direcionaram para a eleição de Lula. Hoje, em menos de três semanas de governo, o papel reacionário e direitista do governo Lula e deles próprios foi totalmente exposto.
A mais urgente tarefa é a construção da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base, da qual faz parte o Comitê de Base pela Educação Segura no Brasil. Junto com sua luta contra o desastre causado pela pandemia nas inseguras escolas brasileiras e para proteger a saúde de professores, alunos e suas famílias através da eliminação global da COVID-19, o CBES-BR insiste que a garantia de uma educação pública de qualidade é inseparável de uma luta política contra o sistema capitalista e seus representantes, incluindo o PT.