Após sua vitória nas eleições presidenciais brasileiras em 30 de outubro, o Partido dos Trabalhadores (PT) vem sendo confrontado pelos esforços ativos do presidente fascistoide Jair Bolsonaro para minar fatalmente o novo governo de Lula da Silva.
Dando sequência à campanha travada ao longo de seus quatro anos de mandato para desacreditar o processo democrático brasileiro, Bolsonaro se recusou a assumir a derrota para Lula e expressou publicamente apoio ao que chama de um “movimento popular” contra a “injustiça de como se deu o processo eleitoral”.
O silêncio de Bolsonaro por quase 48h após o anúncio de sua derrota serviu como pano de fundo para seus apoiadores fascistas organizarem protestos rejeitando o resultado das eleições. Patrocinados por setores da burguesia e apoiados por forças policiais, eles ergueram centenas de bloqueios de estradas pelo país e se dirigiram a bases das Forças Armadas exigindo uma intervenção militar para impedir a posse do presidente-eleito do PT.
Após seu discurso na tarde de terça-feira, com o qual quebrou o silêncio, Bolsonaro manteve uma atitude ambivalente em relação ao resultado das eleições. Ao mesmo tempo que tem evitado bloquear diretamente a transição de poder à nova administração, ele está mantendo as vias abertas para retomar agressivamente a contestação do processo eleitoral no futuro próximo.
Em seu pronunciamento mais recente, na noite de quarta-feira, o presidente fascistoide convocou seus apoiadores a desobstruir as rodovias. Ao invés disso, ele orientou: “protestem de outra forma, em outros locais, que isso é muito bem-vindo”. E concluiu sua fala: “Vamos fazer o que tem que ser feito. Estou com vocês e tenho certeza que vocês estão comigo”.
Na mesma hora, seus filhos, Flávio e Eduardo Bolsonaro, compartilhavam em suas redes sociais o vídeo de uma manifestação golpista na frente do Comando Militar do Leste no Rio de Janeiro. Na legenda do vídeo, Flávio escreveu: “Aplausos de pé a todos os brasileiros que estão nas ruas protestando, espontaneamente, contra a falência moral do nosso país! Confiem no Capitão!”.
Eduardo Bolsonaro, que estava em Washington em 6 de janeiro de 2021 para assistir a tentativa de Donald Trump de derrubar as eleições americanas, publicou o vídeo com uma citação do discurso de seu pai: “Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça como se deu o processo eleitoral”. Enquanto Trump liderava as forças fascistas que invadiram o Capitólio dos EUA, ele também as apresentava como um movimento “popular” e “espontâneo” sob o qual não tinha controle.
Enquanto os soldados rasos e os aliados políticos mais próximos de Bolsonaro se voltam abertamente aos militares demandando um golpe, as Forças Armadas brasileiras permanecem caladas sobre as eleições. A Folha de São Paulo escreveu sobre uma conversa reservada com cinco generais da ativa, reportando que os militares “evitam condenar” os atos em frente aos quarteis que ganharam força na quarta-feira e “chamam as manifestações de democráticas e pacíficas”.
Em resposta à instabilidade política e riscos autoritários crescentes, o PT tenta desesperadamente acelerar o processo de transição governamental. Pelas costas da população brasileira, em reuniões a portas fechadas em Brasília, eles buscam acomodações com as forças de direita no Estado e no aparato militar que vacilam em relação a Bolsonaro.
O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo pelo PSDB, foi indicado pelo PT para coordenar essa tarefa. A escolha do PT foi interpretada na mídia burguesa como um gesto inequívoco de subordinação à direita política e às demandas do mercado.
Um editorial da Folharesumiu a escolha de Alckmin como um sinal “da disposição do presidente eleito de formar, como prometeu em campanha, um governo que transcenda o PT e se abra para um leque mais amplo de colaboradores e ideias. O MDB [partido que promoveu o impeachment da presidente Dilma Rousseff, do PT], aliás, foi convidado a ter um representante na transição”.
Na quinta-feira, durante uma visita ao Palácio do Planalto, Alckmin foi convidado por Bolsonaro a uma conversa privada no gabinete presidencial. Sem dar detalhes, Alckmin disse a uma coletiva de imprensa que o encontro foi “positivo” e consistiu “em resumo, [em] reiterar os compromissos em relação à transição”. Questionado sobre os protestos que demandam intervenção militar, apoiados por Bolsonaro, Alckmin respondeu que isso é “tão despropositado que não merece nem comentário”.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi apontada como responsável pela negociação com os partidos aliados para formar a coalizão governamental de Lula. Ela está agora em uma ofensiva para ampliar a base do PT entre os partidos de direita. Buscando reverter a maioria de oposição no parlamento, Hoffmann telefonou ao deputado federal Silvio Costa Filho, do Republicanos, pedindo ajuda para trazer seu partido de extrema-direita, um dos principais pilares do bolsonarismo, para o lado do PT.
Enquanto abre canais com a extrema-direita, o PT busca a todo custo anestesiar a população sobre as ameaças ditatoriais e abafar qualquer expressão política da classe trabalhadora.
Hoffmann condenou prontamente o surgimento de enfrentamentos espontâneos de trabalhadores aos bloqueios fascistas e as demandas vindas dos “movimentos sociais” ligados ao PT de fazer o mesmo. Ela respondeu que os responsáveis por deter esse movimento golpista eram a polícia e o próprio Bolsonaro! Ela declarou: “Quero lembrar que quem é o presidente do Brasil nesse momento é Jair Messias Bolsonaro... Ele tem que resolver isso para não prejudicar a população”.
Na manhã desta sexta-feira, Hoffmann se pronunciou apresentando o movimento golpista contra o presidente eleito do PT como um problema resolvido. “Me parece que já está estabelecida a normalidade”, ela declarou. Segundo o Estado de São Paulo, ela descartou até mesmo a possibilidade de ir à justiça “para cobrar medidas contra os organizadores dos atos golpistas nas rodovias e, eventualmente, tentar responsabilizar Bolsonaro pela instabilidade que o País vive deste o encerramento das eleições”.
É notável como, ao mesmo tempo que Bolsonaro segue à risca a cartilha política golpista de Trump, a resposta pusilânime do PT se assemelha àquela do Partido Democrata ao movimento que buscou lhe derrubar do poder. Trocando “Trump” por “Bolsonaro” e “Biden” por “Lula” (ou “Gleisi”), a análise publicada pelo World Socialist Web Site após a invasão do Capitólio dos EUA aplica-se perfeitamente à situação atual no Brasil:
Normalmente, quando confrontado por uma tentativa de derrubar o regime constitucional, o líder político ameaçado pela conspiração deve imediatamente tentar privar os traidores de todo acesso aos meios de comunicação de massa e a uma audiência nacional. Mas Biden, ao invés disso, chamou Trump a aparecer em rede nacional – para cancelar a insurreição que ele mesmo organizou!
Biden concluiu suas observações com o seguinte chamado: “Então, presidente Trump, tome iniciativa”. Esse apelo falido ao pretendente a ditador fascista irá para a história como o discurso de “Hitler, faça a coisa certa” de Biden.
Como o WSWS escreveu, essa resposta, seja dos democratas como do PT, “à conspiração fascista não é ditada por mera covardia ou estupidez. Na verdade, como representantes da oligarquia financeira-empresarial, eles temem que a exposição da conspiração criminosa e de seus objetivos políticos provoquem uma resposta de massas da classe trabalhadora que evolua para um movimento contra o Estado capitalista e os interesses a que atende”.
Os acontecimentos recentes mostram claramente que o PT teme, muito mais do que a ameaça real de um golpe de Estado, o surgimento de tal movimento de massas da classe trabalhadora no Brasil, que necessariamente traria consigo reivindicações sociais que implodiriam as combinações políticas de Lula com a burguesia para retornar ao poder.