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Perspectivas

As eleições de guerra civil

Publicado originalmente em 9 de setembro de 2020

Faltam oito semanas para as eleições presidenciais nos EUA. Na disputa entre Trump e Biden, um apelo cada vez mais aberto à violência e à repressão de estado policial está sendo lançado contra uma campanha do Partido Democrata que, como sempre, não oferece qualquer alternativa genuína ao impulso em direção ao autoritarismo e à guerra.

A administração Trump está utilizando a campanha eleitoral na tentativa de construir um movimento de direita, fascista, sobre bases ferozmente anti-socialistas. Trump fez chamados por retaliação dirigidos contra os oponentes da violência policial, e acrescentou elogios a Kyle Rittenhouse, que assassinou dois manifestantes e feriu um terceiro em Kenosha, Wisconsin no mês passado.

Em sua coletiva de imprensa na segunda-feira, o presidente saudou o assassinato do manifestante Michael Reinoehl por agentes federais na semana passada. "Se alguém está infringindo a lei, tem que haver uma forma de punição", declarou Trump, perdoando as represálias extrajudiciais de seus apoiadores. No mesmo dia, ele retuitou uma declaração do comentarista de direita, Dinesh D'Souza, declarando que a agitação política levaria ao "surgimento de milícias cidadãs em todo o país" - ou seja, organizações de vigilantes fascistas como a “Patriot Prayer”, responsável por aterrorizar os manifestantes em Portland, Oregon.

Conforme o WSWS apontou, Trump não está concorrendo à presidência; ele está concorrendo a Führer. A sua campanha parece ter como modelo a campanha de Hitler pela chancelaria em 1932 na Alemanha. Utilizando uma linguagem sem precedentes na história dos EUA, Trump está procurando criar as condições nas quais ele surgirá como o líder de um movimento extraconstitucional, de direita, independentemente do resultado em 3 de novembro.

Se Trump vencer, ele certamente irá ampliar imediatamente a supressão dos direitos democráticos e a implementação de formas de governo de estado policial.

Nessas condições, o argumento do Partido Democrata é que toda a oposição a Trump deve ser direcionada ao apoio à eleição de Biden. Porém, os trabalhadores permitirem que as suas lutas sejam subordinadas às considerações eleitorais do Partido Democrata seria um erro político fatal.

Trump não surgiu do vácuo. Ele expressa, da forma mais aberta, o impulso essencialmente fascista e antidemocrático da classe dominante estadunidense como um todo. O fato de que Trump não é algum tipo de demônio que saiu do inferno é revelado pelo crescimento do autoritarismo e do fascismo como um fenômeno universal, no Brasil e na Índia, na França e na Alemanha.

A classe trabalhadora deve direcionar a sua oposição contra a crise subjacente da qual Trump é uma expressão. Quais são as condições que estão alimentando essa crise?

Primeiro, a pandemia do coronavírus expôs o estado catastrófico ao qual o capitalismo levou a sociedade. Ela é a expressão e o produto extremos da subordinação de tudo aos interesses de lucro da oligarquia empresarial e financeira.

A classe dominante adotou efetivamente uma política de "imunidade de rebanho", permitindo que o vírus se espalhe sem restrições. A campanha de retorno ao trabalho, liderada por Trump, mas implementada tanto pelos democratas quanto pelos republicanos, já levou a um enorme aumento do número de mortes, que agora se aproxima de 200 mil pessoas. A Universidade de Washington estima atualmente que o número de mortes poderá aumentar para mais de 400 mil até o fim do ano.

Em segundo lugar, junto ao impacto da pandemia na saúde, há uma crise social e econômica cada vez mais profunda para milhões de pessoas. Apesar da campanha de retorno ao trabalho, há neste momento mais de 11 milhões de empregos a menos do que antes do impacto da pandemia. Há seis semanas, o Congresso permitiu que o subsídio federal de desemprego expirasse, lançando milhões na pobreza. O número de estadunidenses que enfrentam a fome deverá aumentar em 45% este ano, para mais de 50 milhões.

O resgate multitrilionário de Wall Street, sancionado com o apoio quase unânime do Congresso no final de março, produziu um crescimento enorme da riqueza da oligarquia. Na terça-feira, a Forbes publicou a sua última atualização sobre a riqueza dos bilionários estadunidenses, relatando que a riqueza das 400 pessoas mais ricas atingiu um recorde de US$ 3,2 trilhões, US$ 240 bilhões a mais em comparação a um ano atrás.

Em terceiro lugar, o aprofundamento da crise econômica, social e política aumenta o perigo de que a classe dominante veja a guerra como um meio de resolver os seus problemas domésticos. Trump está promovendo ações agressivas no Mar do Sul da China como parte da sua ofensiva contra a China, enquanto os democratas, se chegarem ao poder, estão comprometidos com uma intensificação do conflito com a Rússia e com a guerra no Oriente Médio.

É a essas condições que a administração Trump está respondendo. Em sua declaração de 19 de outubro de 2019, "Não ao fascismo nos EUA! Construir um movimento de massas para tirar Trump do poder!", o Partido Socialista pela Igualdade (SEP) declarou:

Subestimar, e muito menos negar, o fato de que a presidência de Trump está se transformando rapidamente em um regime autoritário de direita, com características distintamente fascistas, é fechar os olhos para a realidade política. O velho refrão, “Não pode acontecer aqui” – ou seja, que a democracia estadunidense está eternamente imune ao câncer do fascismo –, está irremediavelmente desatualizado. O próprio fato de um bandido como Trump ter chegado à Casa Branca testemunha a crise terminal do sistema político existente.

Esses processos só se intensificaram durante o ano passado, acelerados enormemente pela pandemia do coronavírus. A retórica fascista de Trump é uma tentativa de repelir um movimento social crescente da classe trabalhadora contra as políticas da oligarquia empresarial e financeira.

Entretanto, o Partido Democrata representa outra fração da mesma oligarquia. O seu apelo é às frações dominantes nas forças armadas e nas agências de inteligência como árbitros do poder político, a quem o partido recorrerá se Trump se recusar a deixar o cargo. O principal objetivo do Partido Democrata é suprimir qualquer forma de oposição social que ameace os interesses da elite dominante.

Na última semana, Biden denunciou os protestos contra a violência policial, atacou o socialismo e deixou claro que fará a sua campanha sobre as bases mais direitistas possíveis. Nas etapas finais das eleições, os democratas estão tentando reavivar sua campanha contra a Rússia para tratar cada vez mais abertamente a oposição de esquerda dentro dos Estados Unidos como o trabalho de "adversários estrangeiros".

Biden se apresenta como o "intermediário" sob condições de desenvolvimento de uma situação de guerra civil. A sua campanha não oferece nada para enfrentar a catástrofe social enfrentada pela população. A adoção aberta dos democratas à violência militarista - acolhendo como parte de sua "coalizão" os principais arquitetos da guerra do Iraque - permite que até mesmo o fascista Trump aparente ser um oponente do "complexo militar-industrial".

Os democratas se opõem acima de tudo à discussão de quaisquer questões que minem os interesses econômicos e financeiros da elite dominante. Uma indicação das políticas sociais que a campanha de Biden levaria adiante se entrasse no governo foi dada em um artigo publicado no Washington Post na segunda-feira. Referindo-se às propostas econômicas divulgadas pela campanha de Biden, consistindo de pequenas reformas, ― o produto de discussões com a ala "Sanders-Warren" do partido ― o Post escreveu:

Porém, em ligações privadas com líderes de Wall Street, a campanha de Biden deixou claro que essas propostas não seriam centrais para a agenda de Biden. "Eles basicamente disseram: 'Escute, esse é apenas um exercício para manter o pessoal de Warren feliz, e não leve isso muito a sério'", disse um banqueiro de investimentos, referindo-se aos apoiadores liberais da senadora Elizabeth Warren (senadora democrata pelo estado de Massachussets). O banqueiro, que falou sob condição de anonimato para descrever as conversas privadas, disse que essa mensagem foi transmitida em várias ligações.

O Partido Democrata, apesar de todas as suas denúncias de Trump, não faz nenhuma menção ao caráter essencialmente fascista das políticas que ele está levando adiante. Deve ser lembrado que, embora Trump tenha perdido a última eleição por três milhões de votos, a resposta imediata do Partido Democrata foi oferecer a sua colaboração. As eleições, disse Obama, foram um "jogo entre duas equipes de um mesmo time”.

Se os democratas perderem em 3 de novembro, ou mesmo se eles ganharem, a resposta não seria diferente. Eles oferecerão imediatamente uma trégua a Trump e ao Partido Republicano.

A capacidade de Trump de atrair e manter apoiadores é em grande parte um produto da incapacidade dos democratas de oferecer qualquer coisa para enfrentar a crise social. Em última instância, as verdadeiras discordâncias são marginais, focadas acima de tudo na política externa. Sob condições de morte em larga escala e devastação social, o fato de que a disputa está quase empatada, mesmo que seja em favor de Biden, é um indiciamento do Partido Democrata. O partido é incapaz de fazer um apelo popular precisamente por causa dos interesses de classe que representa.

A estratégia da classe trabalhadora não pode ser guiada pela aritmética de uma eleição, mas pela lógica da luta de classes.

O SEP e a nossa campanha eleitoral ― Joseph Kishore à presidente e Norissa Santa Cruz à vice-presidente ― direcionam toda a nossa atenção para o crescimento da oposição da classe trabalhadora. A eleição deve ser vista não como um fim, mas como parte de um processo mais amplo. Isto irá preparar a classe trabalhadora para qualquer resultado ― seja Trump ou Biden na Casa Branca, ou a intervenção direta dos militares.

Já existe uma oposição crescente na classe trabalhadora. Professores e pais estão se mobilizando contra a campanha pela reabertura das escolas em meio à disseminação da pandemia. Trabalhadores da educação e estudantes começaram a lutar contra a perigosa reabertura das faculdades e universidades, incluindo uma greve que começou ontem na Universidade de Michigan de mil professores e estudantes de pós-graduação.

Há uma revolta entre os trabalhadores automotivos, da Amazon, de transportes, de serviços e outros setores da classe trabalhadora por conta da campanha de retorno ao trabalho e o esforço das corporações para utilizar a pandemia para aumentar a sua exploração. Um "inverno do descontentamento" está sendo criado com milhões de pessoas desempregadas e enfrentando a pobreza e o despejo.

Isso está sendo combinado com os contínuos protestos contra a violência policial e o racismo, desencadeados no fim de maio pelo assassinato de George Floyd. Enquanto são impulsionados pela interminável epidemia de violência policial, os protestos deram expressão a uma profunda revolta social e a um desejo entre milhões de trabalhadores e jovens de reagir.

As lutas de diferentes setores da classe trabalhadora devem ser organizadas e unificadas através da formação de comitês de segurança independentes nas fábricas, nos locais de trabalho e nos bairros. A luta dos professores contra a campanha de volta às aulas deve estar ligada à luta dos estudantes contra a reabertura das universidades, à luta dos trabalhadores contra as condições terríveis nas fábricas, à luta dos desempregados contra a devastação social e à luta dos jovens contra a violência policial.

Em cada luta está em jogo a questão do poder político: Qual classe governa e de acordo com quais interesses. A única solução para a crise é uma direcionada contra o sistema capitalista. É necessário o redirecionamento em larga escala dos recursos sociais entregues ao resgate financeiro dos ricos e ao financiamento do militarismo e da guerra. A riqueza dos oligarcas deve ser tomada e as gigantescas corporações e os bancos devem ser transformados em serviços públicos para criar as condições para um programa globalmente coordenado com o objetivo de salvar vidas.

A luta contra a pandemia não é uma questão principalmente médica. Assim como todos os grandes problemas que a classe trabalhadora enfrenta, ― a desigualdade social e a pobreza, a guerra, a degradação ambiental e a ditadura ― ela é uma questão política e revolucionária, que levanta a necessidade da tomada do poder pela classe trabalhadora, a derrubada do capitalismo e a reestruturação de toda a sociedade com base nas necessidades sociais.

Esse programa deve se tornar a base para unificar todas as lutas da classe trabalhadora nos Estados Unidos e, além disso, fornecer uma direção para a luta dos trabalhadores em todo o mundo.

Os próximos dois meses são críticos. O SEP e os nossos partidos irmãos no Comitê Internacional da Quarta Internacional estão liderando a luta para construir uma liderança socialista na classe trabalhadora. Essa é a tarefa política mais urgente. A conclusão essencial que deve ser tirada é aderir e construir o Partido Socialista pela Igualdade.

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