Após resultados desastrosos em Manaus, a primeira capital brasileira a retomar aulas presenciais, os governos de uma série de estados, incluindo os mais afetados pela pandemia de COVID-19, estão prosseguindo com planos criminosos de reabrir escolas entre setembro e outubro.
Encabeçados pelos diferentes partidos da classe dominante brasileira, esses governos enfrentam como adversário a classe trabalhadora, que se opõe veementemente a essa política homicida.
Um levantamento publicado pelo instituto de pesquisa Datafolha em 17 de agosto apontou que 80% dos brasileiros são contra a reabertura das escolas. Cerca de 60% estão certos de que a volta às aulas irá "agravar muito a pandemia".
Esses dados representam a resistência da grande maioria da população em aceitar a tóxica campanha anticientífica promovida pelo Estado brasileiro de conjunto, tendo à frente o presidente fascistóide Jair Bolsonaro. Bolsonaro tem se calado sobre o tema das escolas no último período, claramente por acreditar que os políticos estaduais da sua autodeclarada oposição estão fazendo o trabalho sujo por ele.
O Brasil permanece o segundo país com os índices mais altos de COVID-19, somente atrás dos Estados Unidos. Acaba de atravessar o marco de 4 milhões de casos confirmados, com cerca de 125.000 mortes pela doença.
Vinte dias atrás, em 10 de agosto, as aulas nas escolas estaduais foram retomadas em Manaus, a capital e maior cidade do Amazonas, por ordem do governador Wilson Lima do Partido Social Cristão (PSC). O resultado imediato foi o estouro de novos casos de COVID-19, que atingiu 36 escolas após uma semana de sua reabertura.
Protestos crescentes de professores e funcionários escolares levaram o governo a anunciar a testagem massiva dos trabalhadores da educação, ao mesmo tempo em que manteve as escolas funcionando nas mesmas condições inseguras. Os testes foram conduzidos pela Fundação de Vigilância de Saúde do Amazonas (FVS), que tem operado como uma agência de propaganda do governo.
Os resultados dos testes foram apresentados de forma propositalmente confusa. Em 24 de agosto, a FVS divulgou o primeiro resultado das testagens, com 342 casos positivos entre os 1.064 exames realizados, indicando que 30% dos profissionais de educação foram contaminados.
Ao apresentar os números atualizados, nesta segunda-feira, a FVS escondeu os resultados de exames do tipo IgG (que mostram anticorpos de mais longo prazo). Publicizou apenas que, em um universo de 2.114 exames, "Apenas 162, ou seja 7,6%, estavam com infecção recente".
O que eles chamam de "apenas 7,6%" de infecções recentes é, na verdade, um número extremamente preocupante. Se for traduzido ao total de 110 mil estudantes frequentando as escolas, que não estão sendo sistematicamente testados, podemos estimar que há mais de 8.300 jovens contaminados em salas de aula. Eles estão colocando em risco suas vidas, assim como de seus colegas, professores e familiares.
Os impactos que isso terá na cidade que, no pico da pandemia, foi cenário de enterros em massa de vítimas da COVID-19 ainda não estão claros, mas certos números soam o alarme. O professor Henrique dos Santos Pereira, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), afirmou ao A Crítica : “Pelo que vimos, estaria havendo um aumento no número de internações em Manaus nessa segunda quinzena de agosto, se aproximando de valores iguais ao do pico de 22 de junho".
O G1 reportou que os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo já possuem datas definidas de retorno das aulas entre setembro e outubro.
Enfrentando oposição massiva de educadores e familiares, os governadores e prefeitos estão espalhando mentiras e tomando medidas graduais para ganhar terreno. A primeira alegação é que suas decisões estão sendo tomadas com base numa "avaliação científica", expressa nos mapas coloridos cujos critérios mudam a cada semana. A segunda é que o retorno será "opcional" e não será feito abruptamente.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), introduziu esses argumentos hipócritas de forma exemplar nesta terça-feira, durante a exposição do calendário de volta às aulas no estado. "Entendemos que o risco, neste momento, é menor que o percebido em outros momentos", ele disse. "Não é uma volta a qualquer custo, nem um retorno desorganizado ou um retorno ao normal. É um calendário para autorizar, ou deixar de restringir (!), mas não obrigar um retorno".
O que um "risco menor que os percebidos em outros momentos" significa? A capital Porto Alegre está com 88% dos leitos de UTI ocupados, mesmo após a construção recente de novos leitos, e o estado registrou 1.463 novos casos nesta segunda-feira. Em meio a esse cenário, Leite propõe o retorno, em primeiro lugar, das escolas de Educação Infantil, no dia 8 de setembro.
A preferência por reabrir as escolas às crianças menores não é um acaso, e sua lógica foi explicitamente colocada pelo governador: "Muitos pais voltaram presencialmente ao trabalho e não têm com quem deixar seus filhos. Esta volta ao trabalho impõe a necessidade de lugares para o cuidado com as crianças, que são as escolas de Educação Infantil."
Um mesmo modelo em essência está sendo promovido em São Paulo, que tem a maior incidência de COVID-19 no país e em qualquer outro estado no mundo, com 30.673 óbitos e 826.331 casos confirmados. Somente na quarta-feira, 298 mortes foram registradas no estado.
Apesar de declarar, com o respaldo da imprensa, que as aulas presenciais nas escolas estaduais voltarão em 7 de outubro, o governo de João Doria, do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), está, na verdade, promovendo a reabertura das escolas a partir da semana que vem. Seus objetivos são exatamente os mesmos de seu colega de partido do Rio Grande do Sul – permitir que os trabalhadores tenham um lugar onde deixar seus filhos enquanto geram lucros à classe dominante e são submetidos, eles mesmos, aos riscos de contaminação.
Tentando concretizar à força seu projeto homicida, Doria está oferecendo o pagamento de horas extras a professores que complementarem sua carga horária recebendo alunos presencialmente já neste mês para "acolhimento emocional". Em entrevista à Folha, o secretário de educação do estado, Rossieli Soares, afirmou que poderá contratar professores substitutos, numa tentativa de quebrar a resistência dos educadores.
Uma professora da rede estadual de São Paulo enviou ao World Socialist Web Site um comunicado enviado pelo governo às diretorias de escolas em 1 de setembro que expõe o caráter "opcional" desse retorno. Orientando as escolas a realizar uma pesquisa sobre a retomada das aulas presenciais entre professores e familiares, o documento conclui: "Não é necessária [sic] que se chegue a uma maioria que deseje ou não o retorno para definir a abertura da escola".
O projeto sendo preparado em São Paulo, assim como nos demais estados, representa um ataque consciente da classe dominante às vidas das massas da população trabalhadora, que pode ser definido como uma política de assassinato social. Uma simulação apresentada por um grupo de pesquisadores de importantes universidades brasileiras e internacionais mostra que os parâmetros colocados para a reabertura em São Paulo causariam, em três meses, a contaminação de até 46% de alunos e professores.
Os trabalhadores escolares e famílias de alunos precisam se unir para derrubar essa política. Eles devem enfrentar não apenas os governos, mas também os sindicatos que dizem representar os educadores. Na capital de São Paulo, os sindicatos estão articulados ao governo local num "Comitê Emergencial de Crise da Educação.
Num comunicado sobre a última reunião desse comitê, ocorrida em 18 de agosto, o Sindicato dos Profissionais de Educação no Ensino Municipal (SINPEEM) afirmou que ele e "representantes de outras entidades sindicais e parlamentares voltaram a discutir o retorno das aulas presenciais… O SINPEEM voltou a defender que o retorno das aulas presenciais ocorra somente em 2021, após a Prefeitura efetivar os protocolos com medidas que garantam a segurança sanitária dos profissionais de educação, dos alunos e de seus familiares".
O que os sindicatos estão fazendo de fato é conspirar a portas fechadas com o governo sobre as melhores condições para quebrar a resistência dos trabalhadores. A mesma linha de atuação guia os demais sindicatos reunidos na Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
O objetivo central da CNTE na situação atual é isolar os trabalhadores localmente e impedir a realização de uma greve geral dos trabalhadores da educação no Brasil, que se combinaria à greve dos trabalhadores dos Correios em andamento e poderia provocar um levante do conjunto da classe trabalhadora brasileira.
Para superar esse bloqueio imposto pelos sindicatos, os educadores e pais devem construir comitês de base independentes em cada escola e bairro. Esses comitês permitirão aos próprios trabalhadores dirigirem politicamente sua luta e se unirem a seus colegas por todo o Brasil e através das fronteiras nacionais.
O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), que publica o WSWS, já está impulsionando a organização desses comitês em diversos países, lutando pela unificação dos trabalhadores da educação internacionalmente e pela construção de uma direção revolucionária a suas lutas.
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