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Polícia brasileira mata 13 em operação brutal no Rio de Janeiro

Publicado originalmente em 19 de maio de 2020

Na última sexta-feira, uma operação da Polícia Civil e do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) deixou 13 mortos e um rastro de destruição no Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas no Rio de Janeiro.

Uma parte dos mortos foi largada pela polícia nas ruas e casas onde foram assassinados e seus familiares e vizinhos foram obrigados a carregar os corpos para fora da comunidade. Um dos vídeos divulgados por moradores mostra um jovem esfaqueado que foi deixado agonizando, indicando uma execução sumária pelos agentes do Estado.

Moradora do Complexo do Alemão olha um cadáver em sua porta.

A violência e barbárie foi espalhada pelo bairro que concentra dezenas de milhares de trabalhadores empobrecidos. As condições de pobreza e opressão são ainda mais críticas em meio à crise do coronavírus.

Moradores denunciaram a realização de saques pela polícia aos pequenos comércios, casas destruídas por tiros e granadas e balas entrando em cômodos onde famílias se abrigavam apavoradas. Vídeos gravados por moradores mostram seus carros destruídos após terem sido arrastados pelo "caveirão", o veículo blindado da polícia militar, que atravessou as ruas estreitas da favela

"Em vez de enviar médicos e enfermeiras para proteger os moradores da COVID-19, o governo envia policiais, veículos à prova de balas e helicópteros para nos matar", afirmou o fotógrafo e morador do Alemão, Bruno Itan, ao The Guardian.

Numa publicação no Twitter que teve milhares de compartilhamentos, outro morador disse: "Sabe aquelas cenas de violência escrachada que a gente vê em países do continente Africano em guerra civil ou com governo autoritário e sanguinário? Mas essa é do Brasil “democrático” mesmo, onde cidadãos carregam 5 corpos de pessoas mortos por agentes do Estado a luz do dia!"

A unidade do BOPE que invadiu o Complexo do Alemão posa com as armas apreendidas (no chão).

Segundo a polícia, a operação tinha como objetivo encontrar um local onde traficantes armazenavam armas, munições e drogas. As apreensões que divulgaram não passaram de oito fuzis, alguma munição e pequenas quantidades de drogas. A polícia também afirmou que cinco dos mortos eram suspeitos de envolvimento com o tráfico. Eles não deram nenhuma explicação para os outros oito chacinados.

Esse massacre é mais um episódio do crescimento assombroso de assassinatos cometidos pela polícia do Rio de Janeiro desde o ano passado. Em 2019, o ano em que o político de extrema direita Wilson Witzel, do Partido Social Cristão (PSC), assumiu o governo do estado, as mortes em operações policiais cresceram 92%. Foram 387 mortes em 1.296 operações policiais em 2019, em comparação a 201 mortes em 711 operações em 2018.

Witzel se elegeu se promovendo como um representante local do fascista Jair Bolsonaro, numa campanha pautada expressamente na defesa da liberação da polícia para matar "bandidos". Ele ficou marcado por uma frase que usou em uma de suas primeiras entrevistas enquanto governador eleito: "A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro”.

Entre as vítimas das execuções criminosas incentivadas por Witzel está Ágatha Félix, uma menina de 8 anos, brutalmente assassinada pela polícia em setembro do ano passado, no mesmo Complexo do Alemão. O fato gerou comoção e revolta entre a população da favela, que saiu às ruas em protesto contra a violência policial, exigindo: "Parem de nos matar!".

O aumento da letalidade policial no Rio de Janeiro em 2019 ocorreu no contexto de uma forte campanha do governo federal, encabeçada pelo ex-ministro Sérgio Moro, pelo chamado Pacote Anticrime, que envolvia dar garantia de imunidade aos policiais pela violência assassina que cometessem em serviço. Bolsonaro segue obcecado pela aprovação deste dispositivo, que acabou não entrando em votação no ano passado.

A escalada da violência estatal por Bolsonaro e Witzel não é um fenômeno novo, mas a continuidade de um processo que avançou ao longo da última década. Um marco fundamental desse desenvolvimento foi a ocupação militar do Complexo do Alemão em 2010, sob a presidência de Luís Inácio "Lula" da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT).

Sob o pretexto de "pacificação" das favelas, em novembro de 2010, o Alemão foi invadido por um total de 2.600 policiais e homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A operação, fortemente impulsionada pela mídia e atendendo aos interesses dos empreendimentos capitalistas no Rio de Janeiro, deixou dezenas de mortos e aterrorizou a população. Houve relatos de tortura, abusos constantes aos trabalhadores e execuções de inocentes.

Na época, Lula celebrou a ação ao lado do então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), hoje preso por corrupção. "Eu, que assisti à ocupação do Morro do Alemão pela televisão, me emocionei. Imagino você [governador Sérgio Cabral] o que sentiu, quando viu, pela primeira vez, o povo assistindo à polícia entrar como amiga. O povo viu as Forças Armadas servindo ao brasileiro. Não para atacar ou bater no povo, mas para defendê-lo dos verdadeiros bandidos do país. Um dado concreto é o seguinte: o Complexo do Alemão não é mais bicho-papão", disse Lula.

Os anos seguintes testemunharam um crescimento em espiral da ocupação violenta das favelas pelas forças armadas brasileiras.

Em 2014, o governo da presidente Dilma Rousseff do PT aprovou uma intervenção militar no Rio de Janeiro, com a ocupação do Complexo da Maré, outro grande conjunto de favelas, por 2,5 mil militares do Exército e da Marinha.

Em 2018, o governo de Michel Temer, que assumiu o poder após o impeachment de Rousseff, realizou uma nova intervenção militar no Rio de Janeiro. No comando dessa última operação estava o General Braga Netto, que hoje ocupa o cargo mais alto no governo Bolsonaro, de ministro-chefe da Casa Civil. Comentando sobre a operação assassina que liderava, Braga Netto declarou: “o Rio de Janeiro é um laboratório para o Brasil”.

Essa frase ganha um significado especialmente alarmante hoje. Enquanto articulador do governo Bolsonaro, Braga Netto está empenhando em garantir as condições para um retorno ao trabalho, exigido pelo conjunto da burguesia em todo o território nacional. Em meio à explosão da COVID-19 no Brasil, isso significará a morte de milhares e milhares de pessoas e exigirá um aprofundamento do controle policial do Estado sobre a classe trabalhadora.

Mais uma vez, o Rio de Janeiro serve como um importante "laboratório" para os crimes do capitalismo. O estado possui uma das condições mais calamitosas, com 22.238 casos e 2.715 mortes confirmadas, 101 delas somente no último domingo. Mas os cartórios mostram uma explosão das mortes ligadas a doenças respiratórias e registra quase o dobro de mortes por COVID-19 do que os divulgados pelo governo.

A situação nas favelas é especialmente grave. O site Voz das Comunidades publicou, há cerca de um mês, que um levantamento de profissionais de saúde registrou mais de 1.000 casos suspeitos de COVID-19 no Complexo do Alemão, enquanto a Prefeitura contabilizava apenas quatro casos. A doença se sobrepõe à persistente falta de água e o crescimento da fome e da miséria entre os moradores.

O Estado burguês brasileiro está impondo uma normalização da morte a toda a classe trabalhadora – seja através da fome, da contaminação pelo novo coronavírus mortal, ou pelo assassinato brutal por seus agentes militares.

Contudo, a classe trabalhadora não é um agente passivo nesse processo. A crescente mobilização dos trabalhadores brasileiros em greves selvagens contra as condições inseguras nos locais de trabalho e a revolta dos moradores das favelas contra a violência do Estado se combinam a um movimento global da classe trabalhadora que enfrenta os mesmos ataques pelas classes dominantes de todos os países.

Essas são condições altamente revolucionárias que favorecem a formação de um movimento político independente da classe trabalhadora mundial, que assumirá cada vez mais uma direção socialista e internacionalista.

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