Em várias cidades brasileiras, enfermeiros e outros profissionais da saúde fizeram paralisações do trabalho e protestos contra a falta generalizada de equipamentos de proteção individual (EPI) que está deixando muitos deles doentes e levando alguns à morte por COVID-19.
Com uma rápida ascensão ao longo da semana, o número de casos oficialmente confirmados de coronavírus no Brasil chegou a 30.425 na quinta-feira, com 1.924 mortes. Contudo, um estudo realizado pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS) aponta que, devido a extrema subnotificação, o número real de casos seria 12 vezes maior – mais de 350.000 contaminados. E muitas das mortes pela doença não estão sendo documentadas.
A situação está sendo exacerbada pela atuação do presidente fascista Jair Bolsonaro que, desde o início da crise do coronavírus, faz uma campanha criminosa para sabotar qualquer medida de contenção da epidemia que conflite com os interesses imediatos do lucro capitalista.
Esse cenário está levando ao colapso do sistema de saúde brasileiro e expondo as condições precárias de atendimento e de trabalho que os trabalhadores da saúde denunciam desde o primeiro momento da crise do coronavírus no país. Ao longo da semana, protestos, incluindo paralisações do trabalho, estão se intensificando nos hospitais e outras unidades de saúde.
Em São Luís, a capital do Maranhão, no nordeste do país, profissionais de saúde do Hospital Municipal Djalma Marques, conhecido como "Socorrão 1", ameaçaram realizar uma greve selvagem na última segunda-feira. Os trabalhadores estavam indignados após dois colegas de trabalho terem morrido de Covid-19, vítimas da falta das medidas mais básicas de proteção.
"O que está acontecendo no Socorrão 1??? Dois funcionários mortos, já identificado o foco de contaminação, técnicos testando positivo... Cadê a lavagem terminal, ou a interdição do setor, cadê o Coren (Conselho Regional de Enfermagem), cadê o sindhosp (Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios), a secretária municipal... Ninguém se pronuncia?! Já há MUITOS infectados, pelo amor de Deus, tomem providência!", protestou uma funcionária no Facebook.
No dia seguinte, em outra unidade, o "Socorrão 2", o técnico em radiologia Sérgio Costa, de 40 anos, morreu após ter contraído o vírus nas mesmas condições.
No Maranhão, dos 797 casos confirmados, 79 são de profissionais da rede estadual de saúde. A proporção de contaminação entre os trabalhadores da área é certamente muito maior, uma vez que há outros segmentos atuando na linha de frente do combate à doença. Em São Luís, por exemplo, há três grandes hospitais particulares tratando pacientes de Covid-19.
A 2.500 quilômetros ao sul do Maranhão, enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas, psicólogos e servidores dos setores administrativos de hospitais da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) paralisaram o trabalho na manhã de quarta-feira.
Além das condições de insegurança, com a falta de EPIs, os trabalhadores protestavam contra a sua exclusão de uma gratificação temporária concedida pelo governo do estado somente aos médicos.
"Foi muito frustrante… beneficiar somente o profissional médicos, porque o hospital contém desde a entrada, que é a portaria pelo porteiro. É um absurdo, porque estamos trabalhando como eles de forma desumana. Sem equipamentos mas estamos aqui" – afirmou uma trabalhadora da Fhemig à Record.
"Por que gratificar unicamente uma classe de trabalhadores, sendo que somos uma equipe? Além desse estresse, do medo constante porque temos familiares em casa, será que o nosso trabalho tem menos valor?"
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema do Partido Novo, respondeu declarando que o protesto dos trabalhadores era "incompreensível", uma vez que "há alguns anos esses profissionais não tinham pagamento em dia, e neste mês tiveram".
Na noite de quarta-feira ocorreu outro protesto de trabalhadores da saúde, em Belém do Pará, no norte do Brasil. Os enfermeiros do Pronto-Socorro Mário Pinotti deixaram o trabalho e bloquearam a avenida em frente ao hospital se manifestando contra as condições mortais a que eles e os pacientes estão submetidos.
Em entrevista à Rede Liberal, a enfermeira Socorro Brito declarou: "Essa é a pior crise que nós estamos passando, porque o vírus está aqui dentro há mais de dois meses instalado e ainda não tem um projeto para trabalhar com esse pessoal. Os pacientes entram pela mesma porta que os outros doentes, inclusive crianças. É revoltante."
Nauza Araújo, outra enfermeira afirmou: "Trabalhar sem máscaras, sem capote. entrar dentro do isolamento sem os EPIs é contaminação na certa, é profissionais se afastando e isso não pode acontecer. Daqui a uns dias não vai ter mais ninguém para cuidar dos doentes. Nós só queremos dignidade para trabalhar, para fazer nosso serviço."
Apesar de mais um servidor já ter sido afastado por suspeita de contaminação pelo vírus, profissionais que se enquadram no grupo de maior risco seguem trabalhando normalmente. "Eu vou completar 70 anos em junho, sou diabética e hipertensa… Eu estou aí trabalhando mas não estou me sentindo bem", afirmou Maria das Graças.
Na noite seguinte, na quinta-feira, profissionais de outra unidade de saúde em Belém paralisaram o trabalho. Em um vídeo divulgado no Twitter, os trabalhadores da Unidade de Pronto Atendimento do bairro Sacramenta aparecem segurando cartazes pedindo EPIs adequados. Além das condições extremamente precárias, como falta de água durante a noite, eles denunciam que 15 profissionais na residência estão doentes e sem assistência.
"Eu preciso que a gente seja ouvido e que garantam para a gente condições mínimas de trabalho. É só isso que a gente precisa para atender essa população que precisa da gente", afirmou uma servidora que diz trabalhar há 8 anos no quadro efetivo. "Quem me conhece sabe o meu compromisso com o meu trabalho e a gente só quer as condições mínimas para não adoecermos, para não levar a doença para casa".
O prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho do Partido Social Democrata Brasileiro, respondeu ao protesto realizado na quarta-feira em seu Twitter: "Queria dizer que a manifestação que houve ontem em frente ao PSM da 14 foi um equívoco sério porque os funcionários foram à rua com seus EPIs e uniformes. Foi um erro que a gente lamenta."
Zenaldo ainda afirmou, em entrevista ao Jornal Liberal, que a falta de EPIs nos hospitais se deve a uma escassez de produtos no mercado mundial. Contudo, alegou que os profissionais possuem os equipamentos necessários garantidos até, ao menos, a próxima semana.
Uma entrevista dada ao G1 por um médico que trabalha no Pronto-Socorro Mário Pinotti, ou PSM da 14, desmente completamente as alegações do prefeito. Segundo ele, a ausência de condições básicas de trabalho é, na verdade, muito anterior ao estouro da epidemia do coronavírus.
"Há um mês, quando os casos em Belém começaram a aparecer, nós médicos começamos a reivindicar condições mínimas de trabalho: água, sabão, papel toalha e EPIS. Mas infelizmente os problemas do PSM da 14 também são estruturais, não há muito espaço para uma doença que exige distanciamento social. A falta não é somente de EPIs, mas de materiais, como cateter de oxigênio.
"Atuo na unidade há dois anos, nunca vi nada parecido. A situação dos pacientes é triste. Não tem maca, não tem régua de oxigênio suficiente. É um verdadeiro cenário de guerra lá dentro. Nunca vi tanta gente precisando de oxigenoterapia e entubação como tenho visto ultimamente. Infelizmente o sistema público em Belém já colapsou."
O autor também recomenda:
Presidente brasileiro Bolsonaro demite ministro da Saúde enquanto capital amazonense Manaus é primeira a declarar colapso hospitalar
[17 abril 2020]
“Não vamos morrer em nossas cabines!” – Greves selvagens e protestos de operadores de call center estouram em todo Brasil
[26 março 2020]
Enquanto coronavírus se espalha pelo Brasil, Bolsonaro diz aos trabalhadores para trabalhar ou morrer de fome
[19 março 2020]