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Left Voice acoberta apoio da burocracia sindical dos EUA a Trump

Publicado originalmente em inglês em 25 de fevereiro de 2025

A tentativa do governo Trump de estabelecer uma ditadura não expôs apenas a podridão da democracia dos EUA. Ela também expõe a política dos grupos pseudoesquerdistas que têm funcionado por décadas como satélites do Partido Democrata e da burocracia sindical. O papel deles na política dos EUA é impedir um movimento independente da classe trabalhadora, promovendo a perspectiva sem saída de “pressionar” o Partido Democrata e o aparato sindical pró-capitalistas.

Da direita para a esquerda: A deputada Lori Chavez-DeRemer (Partido Republicano), o presidente eleito Donald Trump e o presidente do Teamsters, Sean O'Brien. [Photo: Sean O'Brien]

Uma luta contra o governo Trump em defesa dos direitos democráticos requer que os trabalhadores se livrem da camisa de força da burocracia sindical. Como o Partido Socialista pela Igualdade (SEP) afirmou em sua declaração de Ano Novo: “Somente na medida em que o poder é arrancado das mãos da burocracia e transferido para os trabalhadores no chão de fábrica é que os sindicatos podem ser revitalizados como instrumentos da luta de classes.”

Isso significa formar comitês de base para derrubar, não reformar, o aparato e construir um movimento baseado na unidade internacional da classe trabalhadora.

Em oposição a esse programa, o morenista Left Voice [que faz parte da rede de sites da Fração Trotskista (FT), que no Brasil publica o Esquerda Diário] publicou recentemente dois artigos em seu site para fornecer uma cobertura de “esquerda” para a burocracia e o Partido Democrata.

O primeiro, “Is the U.S. Labor Movement Ready for Trump 2.0?” [“O movimento trabalhista dos EUA está pronto para Trump 2.0?”], propõe um falso movimento de “base” sob o controle da burocracia. Até mesmo o uso da frase “movimento trabalhista”, tanto no título quanto ao longo do artigo, visa apagar as divisões de classe entre os trabalhadores e a burocracia. “Não podemos esperar que nossos líderes nos liderem [grifo nosso]”, afirma o Left Voice. “Mas podemos construir nosso poder de baixo para cima, nos organizando em nossos locais de trabalho.”

Isso é uma repetição dos argumentos sofistas usados para justificar o apoio ao presidente do Teamsters [um sindicato que abrange diversas categorias, como transporte e alimentação], Sean O’Brien, e ao líder do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Automotiva (UAW), Shawn Fain. Esses funcionários de carreira, argumentou-se, poderiam ser pressionados, apesar de si mesmos, a liderar uma luta. Para ajudar a consolidar tais ilusões e levar a cabo a próxima rodada de traições, a burocracia trouxe para seus círculos de liderança membros dos Socialistas Democráticos da América (DSA), Labor Notes e outras forças pseudoesquerdistas que promoveram essa narrativa falsa e interesseira.

O segundo artigo, “Weeks After Calling Trump a Scab, UAW President Is ‘Ready to Work With Trump’” [“Semanas depois de chamar Trump de pelego, presidente do UAW está ‘pronto para trabalhar com Trump’”], é uma desculpa aberta para o abraço de Fain a Trump em um artigo no Washington Post de 19 de janeiro. Nesse artigo, Fain declarou que o UAW esperava “encontrar um consenso para reformular nossas políticas comerciais devastadoras e reconstruir a manufatura nos EUA” e assegurou que “precisamos de um forte sistema de tarifas que sirva aos interesses nacionais e da classe trabalhadora”.

Em uma declaração mais recente, Fain afirmou que o UAW estava “disposto a apoiar o uso de tarifas pelo governo Trump para impedir o fechamento de fábricas e conter o poder das corporações que colocam os trabalhadores dos EUA contra os trabalhadores de outros países”, ao mesmo tempo em que afirmava se opor a suas “políticas anti-trabalhadoras em casa” e ataques aos imigrantes.

Com essas declarações, Fain está realizando uma farsa política ao apresentar tarifas como benefícios para os trabalhadores “americanos”. Na realidade, elas visam fortalecer as corporações americanas contra rivais estrangeiros e dividir os trabalhadores dos EUA de seus irmãos e irmãs no México, Canadá, China e em outros lugares. Os enormes custos das tarifas, inclusive na forma de preços mais altos, a quebra das cadeias de suprimentos globais e cortes massivos de empregos devem ser impostos sobre os trabalhadores tanto nos Estados Unidos quanto no exterior.

Ao traçar uma falsa distinção entre política externa e interna, assim como entre guerra comercial e ataques a imigrantes, Fain está tentando desarmar a classe trabalhadora diante de um imenso ataque pró-corporativo – e impedir sua unidade global.

Ao acobertar Fain, Left Voice fala igualmente de forma contraditória. Mesmo quando pretendem criticar o artigo de Fain, eles o chamam de “uma das figuras mais significativas da nova burocracia trabalhista progressista”.

Ao tentar conciliar a possibilidade ser “progressista” e estar preparado para trabalhar com fascistas, o Left Voice é obrigado a mentir sobre seu histórico. Fain liderou “trabalhadores das ‘Três Grandes’ em uma greve” que “conquistou ganhos significativos para os trabalhadores”, afirmam. Na verdade, desde a impotente standup strike” [uma greve que paralisou apenas algumas fábricas da Ford, GM e Stellantis nos EUA] em 2023, que afetou apenas uma fração da indústria automotiva e foi coordenada com a Casa Branca de Biden, milhares de trabalhadores da indústria automotiva perderam seus empregos, enquanto o UAW não levantou um dedo para efende-los.

Falsificação do marxismo

O Left Voice também é obrigado a distorcer o que o revolucionário russo Leon Trotsky escreveu sobre os sindicatos. Ele cita o seguinte trecho do manuscrito inacabado de Trotsky de 1940, “Os Sindicatos na Época da Decadência Imperialista”, onde ele escreveu que sob o capitalismo monopolista,

os sindicatos nos ramos mais importantes da indústria se veem privados da possibilidade de lucrar com a competição entre as diferentes empresas. Eles têm que enfrentar um adversário capitalista centralizado, intimamente ligado ao poder estatal. Daí flui a necessidade dos sindicatos – na medida em que permanecem em posições reformistas, ou seja, em posições de adaptação à propriedade privada – de se adaptar ao Estado capitalista e de lutar pela sua cooperação.

O Left Voice concluiu:

Em outras palavras, as burocracias sindicais desempenham um papel duplo – podem mobilizar os trabalhadores para lutar por seus interesses econômicos imediatos, mas restringirão essas lutas dentro do sistema do capitalismo, amordaçando o potencial da base auto-organizada de provocar uma luta de classes militante que poderia ameaçar a estabilidade capitalista. Eles “fazem o melhor que podem em palavras e ações para demonstrar ao Estado ‘democrático’ quão confiáveis e indispensáveis eles são em tempos de paz e especialmente em tempos de guerra.”

Estamos vendo isso se desenrolar com Fain diante de nossos olhos.

Isso é uma completa inversão do significado do que Trotsky escreveu, tentando converter o grande revolucionário marxista, fundador da Quarta Internacional e implacável opositor da burocracia stalinista na União Soviética e de todas as burocracias sindicais, em um oportunista sem princípios preparado para colaborar com qualquer um.

Significativamente, eles cortaram a frase de conclusão do parágrafo acima, onde Trotsky escreve: “Ao transformar os sindicatos em órgãos do Estado, o fascismo não inventa nada de novo; ele simplesmente leva à sua conclusão final as tendências inerentes ao imperialismo”.

Isso é ainda mais significativo porque Fain e companhia não estão “demonstrando sua confiabilidade” a um Estado democrático-burguês, mas a uma ditadura incipiente.

O fato é que a burocracia sindical de hoje não “mobiliza os trabalhadores para lutar pelos seus interesses imediatos”. Elês tem trabalhado nas últimas décadas para impor os ditames da gerência, bloquear greves e realizar demissões em massa e cortes de salários. As condições nas fábricas automotivas hoje se parecem cada vez mais com aquelas que existiam antes da fundação do UAW [em 1935].

Embora isso ainda não fosse o caso na época de Trotsky, foi antecipado por ele quando observou: “O caráter de uma organização de trabalhadores, como um sindicato, é determinado pela sua relação com a distribuição da renda nacional ... se a [burocracia] defender a renda da burguesia contra os ataques dos trabalhadores; se conduzirem uma luta contra greves, contra o aumento de salários, contra a ajuda aos desempregados; então teríamos uma organização de pelegos, e não um sindicato.”

Mas mesmo há 85 anos, Trotsky enfatizou a incapacidade básica da burocracia de combinar a defesa dos interesses imediatos da classe trabalhadora com o apoio ao imperialismo. É por isso que, no Programa de Transição, Trotsky explicou que era responsabilidade dos socialistas “criar em todas as instâncias possíveis organizações militantes independentes que correspondessem mais estreitamente às tarefas da luta de massas contra a sociedade burguesa, não hesitando mesmo diante de uma ruptura direta com o aparato conservador dos sindicatos”.

Esse programa levaria à criação de comitês de fábrica, que iniciariam um período de “dualidade de poder”. Trotsky continuou: “Por sua própria essência, esta dualidade de poder é transitória, porque encerra em si própria dois regimes inconciliáveis: o regime capitalista e o regime proletário. A importância principal dos comitês de fábrica consiste, precisamente, no fato de abrir senão um período diretamente revolucionário, ao menos um período pré-revolucionário entre o regime burguês e o regime proletário.”

Essa concepção, tirada da experiência real da Revolução Russa, é o oposto do “papel duplo” ilimitado que o Left Voice atribui à burocracia. Na verdade, Trotsky advertiu: “Os burocratas sindicais, como regra geral, resistirão à criação de comitês de fábrica, assim como resistem a cada passo ousado ao longo do caminho de mobilizar as massas.”

A transformação dos sindicatos

O Left Voice ignora tanto o contexto histórico do artigo de Trotsky quanto os 85 anos de história desde então. Mesmo na época em que o artigo de Trotsky foi escrito, o novo Congresso de Organizações Industriais (CIO), que havia organizado uma série de greves marcantes apenas alguns anos antes, já havia alcançado uma crise devido à sua orientação para o Partido Democrata e o governo Roosevelt. (Trotsky: “Indicativo e notável em grau máximo, no entanto, é o fato de que a nova organização sindical ‘esquerdista’ foi fundada e logo caiu no abraço de aço do Estado imperialista.”)

Com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, o CIO acomodou-se ao imperialismo americano e ajudou a impor a infame “promessa de não greve”. No pós-guerra, as principais figuras do CIO, como Walter Reuther, lideraram a campanha para eliminar das fileiras do movimento trabalhista os militantes socialistas que haviam criado os sindicatos industriais.

Em 1955, o CIO se fundiu com a conservadora Federação Americana do Trabalho (AFL) com base explícita na defesa dos interesses nacionais e internacionais do imperialismo americano e na subordinação política da classe trabalhadora ao Partido Democrata capitalista.

As consequências plenas dessas políticas não puderam ser imediatamente percebidas durante o boom do pós-guerra, quando o capitalismo americano estava preparado para fazer certas concessões em troca da paz trabalhista. Além disso, nas décadas de 1960 e 1970, os sindicatos eram liderados por figuras que tinham conexões com as lutas de gerações anteriores, o que lhes dava cobertura para suas adaptações oportunistas.

Mas o fim do boom na década de 1970 também trouxe o fim da política de conciliação, e a classe dominante passou cinco décadas recuperando todas as concessões das quais foi forçada a abrir mão. Ao mesmo tempo, a globalização, de forma objetiva, minou a capacidade dos sindicatos de apelar por concessões do Estado nacional.

Um ponto de virada ocorreu em 1981, quando a AFL-CIO traiu a Organização Profissional de Controladores de Tráfego Aéreo (PATCO) ao se recusar a defendê-los depois que o governo Reagan os demitiu por entrarem em greve. A partir desse momento, a burocracia aprofundou suas relações com a gerência e o Estado e cortou qualquer conexão que ainda tivesse com a luta de classes.

O ponto central das afirmações do Left Voice sobre o “papel duplo” da burocracia é que seus interesses sociais estão ligados de alguma forma a melhorias nos padrões de vida dos trabalhadores. Na verdade, o inverso tem acontecido desde a década de 1980. Mesmo com a queda do número de trabalhadores filiados aos sindicatos devido aos cortes maciços de empregos que os burocratas ajudaram a impor por meio de contratos traidores, os ativos líquidos dos sindicatos e, com isso, os salários dos dirigentes sindicais, dispararam para mais de US$35 bilhões.

Para a burocracia, toda a greve não só ameaça suas relações lucrativas com a gerência por meio de intermináveis programas “conjuntos” e subornos diretos, mas, por meio do pagamento da greve e de outras despesas, representa uma dedução das reservas de dinheiro das quais eles retiram seus salários.

Essa transformação, preparada ao longo de décadas de anticomunismo e nacionalismo, é a razão pela qual, como escreveu o WSWS no ano passado, quando o presidente geral do Teamsters, Sean O’Brien, começou a cortejar Trump, “a burocracia sindical é uma base natural de apoio ao fascismo”.

A distorção de Trotsky por parte do Left Voice não é apenas um erro teórico. Ela é determinada pelos interesses das camadas da classe média alta que eles representam, o que também inclui uma facção substancial dentro da burocracia sindical. O Left Voice não é fascista, mas eles têm pavor de um movimento independente vindo de baixo contra o fascismo, porque isso ameaça os laços da burocracia com a gerência e o Estado, que eles defendem e justificam com frases como “o papel duplo da burocracia”. Esse levante vindo de baixo também cortaria a vantagem financeira dos pseudoesquerdistas que conquistaram posições de destaque na burocracia sindical.

Comitês de base

Em oposição a isso, o Partido Socialista pela Igualdade e o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) convocam os trabalhadores a construir comitês de base, não para reformar a burocracia, mas para destruí-la e transferir o poder do aparato para os trabalhadores no chão da fábrica. Isso é completamente diferente do apelo do Left Voice por organizações de “base” que incluam tanto trabalhadores quanto burocratas – que poderiam servir apenas como um mecanismo para o aparato espionar e vitimizar os trabalhadores militantes.

O programa de comitês de base, sob novas condições, está em total continuidade com a perspectiva defendida por Trotsky. O poder de tais comitês é que eles se baseiam, não em apelos ao Estado capitalista de que são “confiáveis e indispensáveis”, mas no estabelecimento da independência da classe trabalhadora em relação aos partidos políticos capitalistas e à burocracia sindical e sua unidade além das fronteiras nacionais.

Enquanto o Left Voice promove o mito de que a burocracia pode ser revitalizada e reformada, os comitês de base lutam para limpar a burocracia e usar os fundos de greve e outros ativos sindicais para o propósito da luta de classes, não para encher os bolsos de dirigentes. Eles visam acabar com todos os comitês formados pelo sindicato e a gerência nas fábricas, hospitais e outros locais de trabalho, e substituí-los por comitês de base, órgãos democráticos do poder dos trabalhadores, que contrapõem a vontade dos trabalhadores à ditadura da gerência.

Na declaração que anunciou a formação da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB) em 2021, o CIQI declarou: “Novos caminhos para a luta em massa devem ser criados.” Citando o apelo de Trotsky para construir organizações independentes “que correspondam mais de perto às tarefas da luta de massas contra a sociedade burguesa”, a declaração explicou que os comitês de base acolheriam trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados, jovens trabalhadores e desempregados, e uniriam suas lutas em escala mundial. Desde então, os comitês têm desempenhado papéis essenciais na mobilização da oposição às traições sindicais e ataques aos direitos dos trabalhadores por governos capitalistas.

Para lutar contra as tentativas de Trump de estabelecer uma ditadura, o SEP convoca o desenvolvimento de comitês de base em bairros e locais de trabalho. “Onde quer que funcionem”, explicou o SEP em uma declaração, “os comitês se esforçarão para derrubar todos os esforços dos dois grandes partidos empresariais e das burocracias sindicais para dividir os trabalhadores de acordo com o status de imigração ou origem nacional”.

A declaração conclui: “A AOI-CB defenderá um programa baseado na luta de classes, que ao longo da história americana se provou necessário para unir trabalhadores de todas as origens a esmagar o atraso política e a repressão estatal. Com base nisso, ela se esforçará para transformar a defesa dos imigrantes em uma luta ofensiva da classe trabalhadora internacional contra Trump e sua fonte – o sistema capitalista.”

É isso o que grupos como o Left Voice dedicam todos os seus esforços para impedir.