Publicada originalmente em 9 de fevereiro de 2024
Mais do que qualquer outro evento, a viagem de cinco dias a Israel do presidente fascista argentino Javier Milei demonstrou de forma concentrada o que sua ascensão meteórica diz sobre o estado da política capitalista argentina e mundial.
Milei entrou na arena política apenas dois anos antes de sua vitória esmagadora nas eleições presidenciais em novembro sobre o partido peronista no poder, a principal força política da Argentina desde a Segunda Guerra Mundial.
Depois de fracassar como jogador de futebol e músico e ser demitido como professor de economia, ele foi repentinamente catapultado para a fama há uma década por ricos apoiadores locais, tornando-se consultor de bancos, corporações, instituições e políticos, além de ser um frequente comentarista de televisão.
Seus discursos furiosos contra os gastos sociais e sua aparência desleixada se tornaram uma característica regular nas telas argentinas. Durante os últimos três anos, quando a inflação e a austeridade dos peronistas mergulharam milhões na pobreza, sua popularidade decolou. Porém, sua eleição foi apenas o começo.
Com seus planos de “terapia de choque” para arruinar completamente a classe trabalhadora argentina, protagonista do Cordobazo de 1969 e de outras revoltas históricas, junto com seus esforços para reabilitar a ditadura fascista-militar do general Rafael Videla e sua adoção aos EUA, a Israel e à Ucrânia como aliados importantes, Milei tornou-se em questão de semanas uma das figuras mais proeminentes da reação capitalista global.
Ele foi recebido na Casa Branca, no Departamento de Estado e por Bill Clinton; o presidente ucraniano Volodymir Zelenski viajou para sua posse em meio à guerra entre os EUA e a OTAN com a Rússia; ele foi saudado como uma estrela depois de um discurso fascista no clube dos bilionários em Davos; foi recebido com tapete vermelho esta semana em Israel; e se reunirá neste fim de semana com a primeira-ministra fascista da Itália, Giorgia Meloni, e com o Papa Francisco, um argentino (apesar de Milei chamá-lo de “esquerdista nojento”).
Na terça-feira, a delegação argentina foi recebida em Tel Aviv pelo ministro das Relações Exteriores de Israel, Yisrael Katz. A delegação incluía sua irmã e secretária-geral Karina Milei e a ministra das Relações Exteriores Diana Mondino.
Pouco depois de chegar, Milei anunciou ao presidente israelense Isaac Herzog sua decisão provocativa de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel e de transferir a embaixada argentina a cidade. Isso significa endossar oficialmente a anexação, ilegal de acordo com as Convenções de Genebra, dos territórios ocupados que compreendem a maior parte de Jerusalém. Mondino também está elaborando planos para declarar o Hamas como “organização terrorista”, o que segue a designação do Hezbollah como “terrorista” pelo ex-presidente Mauricio Macri em 2019.
Na quarta-feira, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu deu as boas-vindas a Milei diante de jornalistas, chamando-o de “grande amigo” e agradecendo-o por sua decisão de transferir a embaixada. Ele acrescentou: “Sabemos que o maior desafio para a paz em nossa região, mas também em sua região, é o Irã, e apreciamos a cooperação que estamos fazendo no campo da segurança e da diplomacia e seu apoio incondicional a Israel de muitas maneiras”.
Embora Milei tenha fingido preocupação com os reféns mantidos pelo Hamas, incluindo 12 cidadãos argentinos, sua visita coincidiu com a decisão de Netanyahu de rejeitar a oferta do Hamas de libertar todos os reféns em troca do fim do ataque genocida de Israel a Gaza. Em vez disso, o primeiro-ministro israelense pediu a “vitória final” e a destruição de “todo o Hamas”, mesmo com os reféns sendo vítimas de bombas e projéteis israelenses.
Imediatamente após Milei, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, também se reuniu com Netanyahu e prometeu seu apoio incondicional, apoiando efetivamente sua decisão de prosseguir com a limpeza étnica dos palestinos.
Milei foi recebido no Museu do Holocausto Yad Vashem, caracterizado por críticos israelenses como uma “máquina de lavar”, onde figuras de extrema direita limpam suas ligações com o antissemitismo por meio de seu apoio a Israel. No local, ele declarou: “Não podemos permanecer em silêncio diante do nazismo moderno, hoje disfarçado como o grupo terrorista Hamas”.
Em seguida, na quinta-feira, Milei viajou com o presidente Herzog para o kibutz (comunidade agrícola) de Nir Oz, a apenas um quilômetro da cerca nos arredores de Khan Younis, no sul de Gaza. Enquanto as bombas israelenses soavam ao fundo, Milei disse que o ataque liderado pelo Hamas em 7 de outubro a esse kibutz foi um “crime contra a humanidade que deve ser reparado... e não pode ficar impune”.
Khan Yunis e a cidade vizinha de Rafah, a metros de distância, estavam sendo devastadas, pois abrigam quase todos os 1,9 milhão de refugiados internos, que estão sendo sistematicamente mortos pela fome. Com Milei ainda em Israel, Netanyahu anunciou a invasão terrestre de Rafah, o que inevitavelmente irá resultar em um enorme banho de sangue entre os civis.
Essa indiferença ao sofrimento e à sede por sangue foi a mensagem deliberada, e é totalmente consistente com as imagens mais compartilhadas da viagem de Milei vestindo um kipá, apoiando a testa no Muro das Lamentações em Jerusalém enquanto rezava e chorava.
Quando não está conversando com seu cachorro morto por meio de sua irmã, uma médium, o presidente estuda a Torá com seu “guia espiritual”, o rabino Axel Wahnish, para se converter ao judaísmo. Segundo seu amigo Julian Goldstein, Wahnish disse a Milei, em uma leitura mística cabalística, que ele estava destinado a liderar um movimento para libertar os argentinos.
Os laços de Milei com o neonazismo
Isso não impediu Milei de integrar neonazistas em seu governo, como o procurador da Fazenda Rodolfo Barra, que foi preso por atacar uma sinagoga, ou de vilificar trabalhadores empobrecidos e opositores chamando-os de “sub-humanos”, um termo popularizado pelos nazistas (Unterrmensch) ou usar símbolos contra o “marxismo cultural” que são ligados aos neonazistas.
Independentemente de seu delírio “espiritual” ser autêntico ou não, Milei foi promovido pelas elites mais poderosas porque dá voz a uma renúncia total à razão, à moralidade e à humanidade, algo de que o imperialismo precisa para normalizar a violência genocida e todas as formas de barbárie no mundo todo.
Mais especificamente, a classe dominante argentina está encharcando as mãos no sangue dos habitantes de Gaza como forma de renovar, da forma mais ativa possível, sua relação histórica contrarrevolucionária com a burguesia israelense. Isso se relaciona particularmente ao massacre de 30 mil trabalhadores, jovens e intelectuais de esquerda durante a ditadura militar argentina de 1976-1983.
No final da década de 1970, quando o governo de Jimmy Carter foi pressionado a cortar a ajuda militar às ditaduras fascistas na América Latina devido à oposição massiva no país, Israel se tornou o principal fornecedor de armas e treinamento. Em grande parte, ele redirecionou parte dos bilhões recebidos como o principal beneficiário da assistência de segurança dos EUA.
O jornalista Hernán Dobry documentou em Operação Israel: o rearmamento argentino na ditadura que o fornecimento de equipamentos militares por Israel entre 1978 e 1983 chegou a US$ 700 milhões (o equivalente a US$ 2,2 bilhões atualmente). As vendas de armas e os laços militares chamaram a atenção do público em agosto de 1978, quando três generais israelenses visitaram o general Pinochet no Chile e o general Videla na Argentina.
Para o primeiro-ministro fascista de Israel, Menachem Begin (1977-1983), o antissemitismo generalizado do regime de Videla e o massacre de judeus não eram impedimentos. Begin já havia liderado o Irgun, uma milícia sionista que massacrou palestinos e realizou atentado no famoso Hotel King David em Jerusalém em 1946.
Segundo várias estimativas, até 3 mil judeus foram mortos pela ditadura e cerca de 400 fugiram para Israel. Os sobreviventes disseram que os prisioneiros de origem judaica foram torturados de forma mais brutal e que os centros de detenção possuíam fotos de Hitler na parede.
Naquela época, assim como hoje, entre 220-250 mil judeus viviam na Argentina. Embora os judeus representassem aproximadamente 1% da população argentina, eles constituíam 12% das vítimas mortas pela junta militar.
Os pesquisadores Mario Znajder e Luis Roniger descobriram que, além do amplo apoio ao nazismo, a elite militar argentina foi particularmente influenciada pelo livro A Guerra Total, escrito pelo general Erich Ludendorff, depois que o livro foi traduzido e publicado em Buenos Aires em 1964. Ludendorff, um antissemita nazista, argumentou que a política deveria estar subordinada à guerra, que deveria ser travada tanto contra o inimigo externo quanto contra o inimigo interno, ou seja, a classe trabalhadora. Muitos dos generais argentinos também eram obcecados pela “questão judaica”, acreditando em um mítico “Plano Andinia” para criar um segundo Estado judeu no Cone Sul.
O fato de Milei venerar publicamente esse regime patológico, impregnado de antissemitismo e adoração a Hitler, não é obstáculo para forjar uma aliança estreita com o governo israelense.
Hoje, um retorno às formas fascistas de contrarrevolução é visto como necessário para impor as políticas de exploração capitalista desenfreada que Milei está tentando implementar na Argentina.
Durante uma reunião com empresários na quarta-feira, ele respondeu ao fracasso do Congresso argentino em aprovar os 646 artigos de seu “projeto de lei geral” de forma disciplinada, descrevendo seus oponentes como “criminosos”, “traidores” e “lixo imundo”.
Falando como um comandante forçado a recuar temporariamente, ele explicou que teve de retirar o projeto de lei depois que o Congresso eliminou algumas de suas privatizações e ataques aos direitos sociais e democráticos. “Prefiro não ter nenhuma lei a ter uma lei ruim”, disse ele, insistindo em seu “duro ajuste ortodoxo”.
Essa decisão veio depois de uma esmagadora e desproporcional repressão policial contra manifestantes que protestavam contra seu projeto de lei em frente ao congresso.
Na mídia argentina, são frequentes as advertências de uma “catástrofe social” e os relatos da queda de popularidade de Milei. Em dezembro, os salários médios do setor privado (após impostos e descontos) haviam caído para 62% da linha de pobreza, enquanto a inflação anual atingiu 238% em janeiro. Uma greve nacional já levou mais de 1 milhão de pessoas às ruas contra Milei no mês passado.
O abraço de Milei a Netanyahu – e Zelenski – demonstra de forma concentrada a realidade de que a iminente terceira guerra mundial, por meio da qual o imperialismo está tentando dividir e recolonizar o mundo, é ao mesmo tempo uma guerra contrarrevolucionária contra a classe trabalhadora internacionalmente.