Em uma dramática intensificação da crise política no Brasil, no dia 8 de fevereiro, a Polícia Federal (PF) realizou uma série de operações de busca e apreensão visando o ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro e uma série de generais da reserva e outros militares de alta patente que serviram em seu ministério ou em posições de comando durante sua presidência.
As buscas marcaram a quarta operação da PF em quatro meses, todas decorrentes das investigações sobre os planos de Bolsonaro para anular os resultados das eleições gerais de 2022, que ele perdeu para o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), e permanecer no poder como ditador.
Os investigadores seguiram evidências obtidas por meio do acordo de delação premiada fechado pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, coronel Mauro Cid, que foi preso em 3 de maio de 2023. Pela segunda vez em duas semanas, a polícia fez buscas em endereços ligados a Bolsonaro, desta vez incluindo a sede do Partido Liberal (PL). Lá, os agentes encontraram uma cópia de uma minuta de decreto a ser emitido após a derrota eleitoral de Bolsonaro em outubro de 2022, anunciando um estado de sítio e prometendo novas eleições. Como resultado da última operação, Bolsonaro teve seu passaporte confiscado pela PF e está impedido de deixar o país.
Também foram realizadas buscas contra toda a camarilha militar que cerca Bolsonaro. Entre os alvos estão o ex-comandante do Exército, general Paulo Sérgio Oliveira, que atuava como ministro da Defesa na época em que o golpe estava sendo planejado; o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha; o general Augusto Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); e o general Walter Braga Netto, então ministro-chefe da Casa Civil e companheiro de chapa de Bolsonaro. Também foram alvos Anderson Torres, então ministro da Justiça, implicado profundamente no ataque fascista a Brasília em 8 de janeiro de 2023; e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, que foi preso por posse ilegal de arma de fogo.
Uma figura-chave na trama golpista, revelou-se, foi o então chefe do Comando de Operações Terrestres (Coter) do Exército, o general Stevan Theóphilo Gaspar de Oliveira. De acordo com mensagens encontradas em posse de Cid, Teóphilo havia oferecido as tropas sob seu comando para a execução do golpe, com a única exigência de que o decreto impondo o estado de sítio fosse assinado pelo próprio Bolsonaro.
Embora todos os generais alvejados estejam atualmente aposentados, a operação também resultou na prisão de vários oficiais de alta patente da ativa. O mais proeminente entre eles, o coronel Bernardo Romão Corrêa Neto, foi preso no domingo depois que o Exército ordenou seu retorno do Colégio Interamericano de Defesa em Washington, capital dos EUA, onde estava lotado desde dezembro de 2022, dias antes da posse de Lula. Os investigadores acreditam que Corrêa Neto, que foi levado sob custódia ao chegar ao aeroporto de Brasília, tenha sido encarregado de selecionar comandantes leais das forças especiais (conhecidas como 'Kids Pretos') para estarem à frente das prisões de alvos específicos durante o golpe.
Em meio à quantidade extraordinária de evidências reveladas pelas investigações está a gravação de uma reunião ministerial de 5 de julho de 2022, na qual Bolsonaro repetiu suas acusações falsas de fraude eleitoral e alertou a seus ministros que “o plano B tem que pôr em prática agora”, porque seria mais difícil anular as eleições depois que os resultados fossem anunciados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Durante a reunião, o então chefe da inteligência, general Heleno, apresentou um plano para o uso de espiões para apoiar uma “virada de mesa” antes das eleições. Ele foi interrompido por Bolsonaro, que pediu que a discussão continuasse em particular. Também foram reveladas mensagens em que o general Braga Netto pedia que os oficiais de baixa patente pressionassem o comandante do Exército, general Freire Gomes, a apoiar o golpe e “oferecessem sua cabeça” se ele continuasse a vacilar.
A investigação oferece uma perspectiva sobre vários elementos descobertos anteriormente, principalmente o testemunho oferecido por Cid de que um golpe foi discutido ativamente entre o comando militar, com o comandante da Marinha, almirante Garnier, e seis dos 16 membros do Alto Comando do Exército comprometendo-se com ele.
Ela também fornece o contexto das evidências divulgadas anteriormente sobre uma vasta operação secreta de espionagem “paralela” dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que se reportava ao general Heleno. Esse esquema, alvo de duas grandes operações da PF menos de duas semanas antes, usava ilegalmente um software de espionagem de fabricação israelense, chamado First Mile, para rastrear as localizações de pelo menos 1.500 pessoas, incluindo lideranças do Congresso, ministros do STF e promotores. O objetivo era reunir elementos comprometedores para serem usados para chantageá-los ou prendê-los quando o golpe fosse deflagrado.
Apesar da riqueza de evidências, o establishment político – da administração do PT até os líderes do Congresso e a imprensa burguesa – mostra-se em dúvida em relação à prisão de Bolsonaro, temendo provocar choques que abalem a já comprometida ordem burguesa no Brasil.
Esse fato foi destacado pelos crescentes apelos na imprensa para que o ministro do STF Alexandre de Moraes, que conduz as investigações, entregue a tarefa à Procuradoria Geral da República (PGR) e ao plenário do Supremo Tribunal Federal. Tais preocupações foram expressas no editorial de 10 de fevereiro de um dos principais jornais do país, a Folha de S. Paulo, intitulado “Que se faça Justiça, não vingança”, que destacou as amplas evidências de que o próprio Moraes era um dos principais alvos do plano de golpe e questionou sua imparcialidade.
Essa hesitação está enraizada em uma contradição fundamental. Bolsonaro e sua camarilha fascistoide não estão sofrendo oposição de uma seção da burguesia comprometida com formas democráticas de governo. A frágil “frente ampla democrática”, de nome enganoso, liderada pelo Partido dos Trabalhadores, está tão comprometida quanto Bolsonaro em defender o domínio irrestrito do capital financeiro, que é fundamentalmente incompatível com a democracia, e está trabalhando para o estabelecimento de um estado policial no Brasil.
Embora tal “frente ampla” burguesa liderada pelo PT em uma aliança temporária e precária com o judiciário e setores das Forças Armadas tenha sido obrigada a agir contra Bolsonaro para sua própria sobrevivência política, ela depende das mesmas forças reacionárias que apenas um ano atrás foram buscadas pelo ex-presidente em sua conspiração autoritária.
Setores cruciais da burguesia brasileira se opuseram ao golpe de Bolsonaro porque o consideraram precipitado e com grande probabilidade de fracasso. Eles observaram as dúvidas sobre as perspectivas de sucesso de um golpe expressas pelo imperialismo americano, que comunicou a Bolsonaro que não apoiaria sua tomada do poder. Com a ajuda da administração do PT, eles estão tentando superar esses obstáculos, expandindo amplamente os poderes da polícia, inundando os militares com novos armamentos e contratos de exportação e procurando fazer com que a população acredite que as Forças Armadas estão essencialmente comprometidas com o governo constitucional.
A ameaça persistente de um desenvolvimento do Estado brasileiro em direção ao fascismo é sublinhada pelo papel central assumido pelo general Theóphilo durante o primeiro ano do terceiro governo Lula. Agora exposto como uma figura-chave no plano de golpe de Bolsonaro, ele esteve à frente do estabelecimento de relações extraconstitucionais entre o Exército Brasileiro e o imperialismo dos EUA após o golpe fracassado. Isso incluiu ações que repetidamente contrariaram a linha oficial do Ministério das Relações Exteriores de Lula.
No início do mandato de Lula, o general Theóphilo esteve no centro de uma crise diplomática causada pelas negociações diretas entre o Exército Brasileiro e o governo ucraniano para a venda de 450 veículos blindados a serem usados contra a Rússia, desafiando a posição ostensivamente neutra de Lula em relação à guerra. Pouco tempo depois, como chefe do Comando de Operações Terrestres, ele supervisionou o “Primeiro Seminário Internacional sobre a Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro” que, pelas costas da administração do PT, convidou representantes dos Estados Unidos e dos principais membros da OTAN, mas excluiu os aliados brasileiros do BRICS, Rússia e China.
Os contatos contínuos entre as autoridades americanas e Teóphilo, um representante da extrema-direita, mesmo enquanto o presidente americano Joe Biden abraçava Lula na Casa Branca e os diplomatas americanos saudavam sua vitória, expõem a falência política da ideia promovida pelo PT e seus aliados na pseudoesquerda de que o imperialismo americano representa um obstáculo para uma nova ditadura no Brasil.
Essas mesmas forças têm insistido, há mais de um ano, que a investigação sobre a conspiração fascista no interior do Estado brasileiro deve ser conduzida em sigilo e totalmente controlada por Moraes e pela Polícia Federal. Isso permitiu que, apesar da revelação de evidências significativas, a PF e o STF ocultassem do público a maior parte das informações coletadas.
Apesar das alegações das autoridades, o sigilo dos processos não tem nada a ver com a efetiva descoberta e persecução dos culpados. Ele foi concebido como meio para a sustentação de uma narrativa fraudulenta que atribui toda a culpa pelos planos golpistas a Bolsonaro e sua “gangue” pessoal, ao mesmo tempo em que sustenta que seu retumbante fracasso se deve ao suposto compromisso dos militares com a democracia.
O governo do PT, defensor da austeridade capitalista, teme que persecução de Bolsonaro e dos militares golpistas escape dos limites de um processo criminal e desencadeie um movimento político de massa da classe trabalhadora que questione a legitimidade da ordem capitalista como um todo.