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Comandantes militares brasileiros discutiram plano de golpe após derrota eleitoral de Bolsonaro

Publicado originalmente em 28 de setembro de 2023

Os ex-comandantes dos três braços das Forças Armadas brasileiras e o ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro discutiram no início de novembro passado uma minuta de decreto que estabeleceria uma intervenção militar e convocaria novas eleições. A reunião aconteceu logo após a vitória eleitoral em 31 de outubro do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva, sobre Bolsonaro.

Ex-presidente Jair Bolsonaro e comandantes das Forças Armadas, almirante Almir Garnier Santos, general Paulo Sérgio Nogueira, e brigadeiro Carlos Baptista Júnior [Photo: Marcos Corrês/PR]

Divulgada na quinta-feira da semana passada, a revelação da reunião foi feita pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Jair Bolsonaro, como parte de sua delação premiada à Polícia Federal. Cid foi preso em maio por fraudar o cartão de vacinação contra a COVID-19 de Bolsonaro.

Segundo Cid, a minuta de decreto foi entregue a Bolsonaro por seu então assessor internacional, Filipe Martins, um fascistoide ligado a movimentos supremacistas brancos americanos. Uma cópia da minuta também foi encontrada na casa do ex-ministro da justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, após ser preso por omissão na tentativa de golpe de 8 de Janeiro. Na época, Torres era secretario de Segurança Pública do Distrito Federal.

A minuta encontrada com Torres previa a criação de “Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral”, com a possível prisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que na época presidia o TSE, e a apuração de supostas irregularidades no processo eleitoral através de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral”.

Dos 17 representantes, dessa comissão, oito seriam nomeados pelo Ministério da Defesa, que no final do ano passado participou ativamente do questionamento do sistema eletrônico de votação brasileiro junto com Bolsonaro.

Dos três comandantes militares presentes na reunião, Cid disse que apenas o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, manifestou-se a favor do plano golpista e que “sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento do então presidente.” De acordo com o Valor Econômico, Cid teria dito que o então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, ameaçou Bolsonaro, dizendo: “Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado prendê-lo.”

A cena do General Freire Gomes levantando-se e gritando para o presidente, “Pare em nome da lei!”, parece tirada de um filme de Hollywood. Ela se encaixa perfeitamente na narrativa da cúpula das Forças Armadas e do próprio governo Lula, que têm avançado a alegação de que eventuais “maçãs podres” entre os militares devem ser punidas, mas que as Forças Armadas na verdade impediram que um golpe acontecesse no Brasil.

A reunião entre Bolsonaro e os comandantes para discutir um golpe de Estado, bem como a disposição do comandante da Marinha de ir em frente a qualquer custo, foi confirmada por diferentes fontes, incluindo autoridades dos EUA, conforme informado pelo Financial Times. A narrativa obscura sobre o Exército salvar a democracia brasileira, por outro lado, é contradita por todas as evidências, principalmente pelas ações públicas dos próprios ex-comandantes militares após a eleição do ano passado.

Onze dias após a reunião com Bolsonaro, em 11 de novembro, os três comandantes militares emitiram uma nota conjunta intitulada “Às instituições e ao povo brasileiro”. A declaração defendia o movimento fascista para derrubar as eleições como “manifestações populares” e afirmava que as Forças Armadas, “sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história”, têm “compromisso irrestrito e inabalável com o povo brasileiro”.

Dois dias antes da publicação dessa nota, em 9 de novembro, o Ministério da Defesa, chefiado pelo general do Exército Paulo Sérgio de Oliveira, publicou seu relatório sobre a “lisura” das eleições. Sua principal conclusão foi que os “técnicos militares” identificaram procedimentos eleitorais que representavam um “risco relevante à segurança do processo”, acrescentando que “Não é possível assegurar que os programas que foram executados nas urnas eletrônicas estão livres de inserções maliciosas que alterem o seu funcionamento”.

Na própria véspera da posse de Lula, o general Freire Gomes resistiu a uma ordem para retirar o acampamento de apoiadores de Bolsonaro em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, onde estava mobilizada a multidão que invadiria as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.

Diante dessas últimas revelações, o ministro da Defesa do governo Lula, José Múcio, foi obrigado a reconhecer, “Do jeito que as coisas estão, quando você fala nas Forças Armadas, parece que todo mundo é suspeito.” Porém, na mesma declaração, ele redobrou os esforços do governo para promover os militares como garantidores da democracia, dizendo: “Só de uma coisa tenho certeza cristalina: o golpe não interessou em momento nenhum às Forçar Armadas, são atitudes isoladas de componentes das forças”. Concluindo, Múcio ainda disse: “Devemos ao Exército, Marinha e Aeronáutica a manutenção da nossa democracia”.

O envolvimento de mais militares, tanto da ativo quanto da reserva, na trama golpista que levou ao 8 de Janeiro pode também ser revelado nas inúmeras investigações da Procuradoria-Geral da República.

No dia 15 de setembro, o STF condenou os três primeiros réus pelo ataque fascista de 8 de janeiro às sedes dos Três Poderes em Brasília. Eles foram condenados a penas de 12 a 17 anos por terem cometido os crimes de associação criminosa, golpe de Estado, abolição do Estado democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Esses crimes foram considerados “multitudinários,” em que não é necessário a individualização da conduta do réu.

Em seu voto, o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, declarou: “A ideia era que, a partir dessa destruição [da sede dos Três Poderes], houvesse a necessidade de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e, com isso ... obter uma intervenção militar, conseguir o golpe de Estado e derrubar o governo democraticamente eleito”.

Além desses réus condenados, existem outras quase 1.400 pessoas já denunciadas pela Procuradoria-Geral da República como os executores do golpe que serão julgados nos próximos meses pelo plenário virtual do STF. A investigação da Procuradoria-Geral da República também inclui, além dos “executores”, os financiadores dos atos golpistas, os participantes por instigação, os autores intelectuais e executores, e as autoridades do Estado responsáveis por omissão. Bolsonaro é investigado como um dos mentores intelectuais.

Que Bolsonaro passou seu mandato presidencial conspirando e construindo seu movimento fascista que levou ao golpe de 8 de janeiro é inegável. Agora, é difícil prever se e quando Bolsonaro pode ser preso. Isso arriscaria expor todo o sistema capitalista podre brasileiro que deu origem a Bolsonaro e sua ameaça de golpe, inclusive o governo Lula que agora está encobrindo o papel das Forças Armadas no 8 de Janeiro.

O que é possível dizer com certeza é que sua eventual prisão não acabará com a ameaça de uma nova tentativa de golpe apoiado pelos militares no Brasil. A origem dessa ameaça repousa na enorme crise que o sistema capitalista mundial está sofrendo, com consequências explosivas sobre um dos mais desiguais países do mundo como o Brasil.

Além disso, toda o poder que parte da elite dominante brasileira está confiando numa figura reacionária como o ministro Alexandre de Moraes contra Bolsonaro só irá fazer com que o regime burguês brasileiro vire ainda mais à direita. Os precedentes jurídicos que estão sendo abertos, como a condenação antidemocrática em julho de Bolsonaro a 8 anos de inelegibilidade, serão usados com toda a força contra os protestos sociais e as lutas dos trabalhadores e da juventude que estão por vir.

A classe trabalhadora não pode confiar nos métodos da burguesia mesmo contra uma figura fascistoide como Bolsonaro, que pode vir a se colocar como vítima de uma perseguição política para fortalecer tanto seus apoiadores reacionários. Sua resposta deve se basear no desenvolvimento de uma luta independente e internacional contra a origem da ameaça de ditadura no Brasil e no mundo, o sistema capitalista.

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