Publicado originalmente em 6 de maio de 2023
Na sexta-feira, o Director-Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciou o fim formal da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) pela COVID-19, declarada em 30 de janeiro de 2020.
Essa decisão não tem base científica, servindo apenas para fornecer uma justificativa a posteriori para que todos os governos capitalistas acabem de eliminar as medidas de saúde pública contra a COVID desde o surgimento da variante Ômicron em novembro de 2021.
O anúncio da OMS foi claramente influenciado pelos Estados Unidos, que, como potência imperialista dominante no mundo, controla amplamente a organização-mãe da OMS, as Nações Unidas. Ele aconteceu menos de uma semana antes de o governo Biden encerrar formalmente a emergência nacional de saúde pública da COVID-19 em 11 de maio, pondo fim a toda resposta oficial à pandemia nos EUA. O anúncio da OMS dá legitimidade a essa reacionária e não científica mudança política.
Ele também acompanha o abandono catastrófico da política de eliminação da COVID-19 na China, que produziu uma onda horrível de infecção e morte em massa, matando mais de 1 milhão de pessoas em apenas três meses. Todos os países do mundo já suspenderam todas as medidas de mitigação contra a COVID-19, e o coronavírus se espalha livremente, evoluindo para novas variantes em um ritmo acelerado.
O fim da ESPII pela OMS representa uma renúncia completa e total de todas as políticas modernas de saúde pública, que se concentraram na prevenção e no controle de surtos de patógenos mortais e na luta pela eliminação e erradicação de doenças transmissíveis.
A mesma organização, que no início da pandemia denunciou os “níveis alarmantes de inação” e a “decadência moral” dos governos que permitiram que a COVID-19 se espalhasse sem controle, agora é a defensora mais influente da política criminosa de “imunidade de rebanho” ou “COVID para sempre” adotada por todos os governos capitalistas.
Por qualquer padrão objetivo, a pandemia de COVID-19 continua a atender à definição da OMS de ESPII: “um evento extraordinário que é determinado como um risco de saúde pública para outros Estados por meio da disseminação internacional de doenças e que potencialmente exige uma resposta internacional coordenada”.
Para justificar o fim da ESPII, a OMS afirma que as infecções, hospitalizações e mortes oficiais por COVID-19 estão em queda. No entanto, sabe-se que os números oficiais são muito inferiores devido ao desmantelamento global dos sistemas de testes e relatórios de dados sobre a COVID-19. As próprias autoridades da OMS, incluindo Ghebreyesus, destacaram repetidamente essa contradição no ano passado, mas agora optam por ignorá-la.
A única maneira de estimar o estado real da pandemia é por meio do monitoramento dos níveis virais nos esgotos e do excesso de mortes acima dos níveis antes da pandemia. Ambos os números mostram que a COVID-19 continua a causar estragos em todo o mundo.
No momento, há mais de 12.000 mortes globais em excesso que podem ser atribuídas à pandemia todos os dias, de acordo com Our World in Data e a The Economist. Isso equivale a mais de 1 milhão de pessoas mortas a cada três meses, claramente um nível “extraordinário” de mortes evitáveis que exige “uma resposta internacional coordenada”.
Esse número diário de mortes aumentou consideravelmente desde março, quando a subvariante Ômicron XBB.1.16, apelidada de “Arcturus”, muito resistente às vacinas e muito infecciosa, tornou-se dominante na Índia e agora está se espalhando globalmente. Essa é apenas a última de uma série contínua de novas variantes, que “constituem um risco à saúde pública de outros Estados por meio da disseminação internacional da doença”.
Além disso, um estudo abrangente recente estimou, de forma conservadora, que mais de 65 milhões de pessoas estão sofrendo de COVID longa em todo o mundo. Cada nova onda de infecções apenas aprofunda essa crise de saúde pós-viral sem precedentes históricos, que por si só constitui “um evento extraordinário” que também “exige uma resposta internacional coordenada”.
Nas últimas semanas, vários cientistas alertaram sobre os perigos contínuos da evolução viral, que continuará a comprometer as vacinas e os tratamentos existentes. De fato, no mesmo dia em que a ESPII foi suspensa, o Washington Post publicou um artigo observando que especialistas informaram recentemente a Casa Branca que “há uma chance de aproximadamente 20% durante os próximos dois anos de um surto que rivalize com o da variante Ômicron”. Também foi dito que “um cientista muito gabaritado avaliou o risco em um nível mais alarmante, sugerindo que existe uma possibilidade de 40% de uma onda do tipo da Ômicron”.
Contradizendo o anúncio de sexta-feira, na semana passada o próprio Ghebreyesus reconheceu o imenso impacto global da COVID longa e os perigos da evolução viral, declarando: “Estima-se que 1 em cada 10 infecções resulte em uma condição pós-COVID-19 [COVID longa], o que sugere que centenas de milhões de pessoas precisarão de cuidados de longo prazo. E, como o surgimento da nova variante XBB.1.16 ilustra, o vírus ainda está mudando e é capaz de causar novas ondas de doenças e mortes.”
De acordo com a declaração emitida pela OMS, o Comitê de Emergência do Regulamento Sanitário Internacional aconselhou Ghebreyesus que “é hora de fazer a transição para o gerenciamento de longo prazo da pandemia de COVID-19”. A “transição para o gerenciamento de longo prazo” é simplesmente uma reformulação do slogan de propaganda lançado incessantemente por políticos capitalistas e especialistas da mídia de que a sociedade deve “aprender a viver com o vírus”. Trata-se, na verdade, de uma declaração de que a pandemia será perpétua, que continuará a infectar, matar e mutilar sem fim.
Cientistas de princípio e defensores da implementação de medidas contra a COVID reagiram ao anúncio da OMS com uma combinação de consternação e raiva pelo fato de a agência internacional de saúde ter sucumbido à pressão política.
A Dra. Elisa Perego, que sofre com a COVID longa e tem denunciado seus efeitos, tuitou: “Estamos sendo forçados a ‘viver com’ o vírus da SARS que matou cerca de 15 milhões de pessoas e afetou a saúde de centenas de milhões. Essa é uma política desastrosa e calamitosa que afetará a saúde global por gerações. Os arquitetos disso merecem entrar para a história.”
Esse é apenas o mais recente de uma série contínua de fracassos e crimes pelos quais as principais instituições de saúde pública do mundo são culpadas. Durante os dois primeiros anos da pandemia, até o final de dezembro de 2021, a OMS negou continuamente que a COVID-19 é um patógeno transmitido pelo ar que se espalha principalmente por meio de aerossóis produzidos ao falar, gritar ou até mesmo apenas respirar, que permanecem no ar e podem infectar qualquer pessoa que os inale.
A propagação por aerossol da COVID-19 era clara e foi explicada por cientistas de princípio logo no início da pandemia, que a OMS ignorou repetidamente. Como resultado, a maioria da população mundial continua ignorando essa ciência mais básica da pandemia e a importância do uso de máscaras e filtros de ar de alta qualidade.
Por meio de suas últimas ações, a OMS está infligindo um sofrimento incalculável às gerações futuras. As consequências de longo prazo em nível populacional das infecções contínuas e repetidas pela COVID-19 serão imensas. É preciso perguntar: o que acontecerá com as crianças de hoje e com as gerações futuras que podem prever infecções com múltiplas variantes da COVID-19, uma ou duas vezes por ano, pelos próximos 10 anos ou mais?
Na estimativa mais conservadora, mais de 80.000 pessoas morrerão de COVID-19 a cada ano somente nos EUA de acordo com esse regime. O mais provável é que esse número se aproxime de um quarto de milhão, com base em uma análise crítica de modelagem realizada pela Fractal Therapeutics em um cenário semelhante de fim da emergência de saúde pública. Extrapolado globalmente, mais de 5 milhões de pessoas poderiam morrer desnecessariamente de COVID-19 a cada ano em um futuro previsível.
O desenvolvimento da pandemia de COVID-19 revelou o caráter reacionário e obsoleto de todas as instituições capitalistas, inclusive a OMS. Criadas após o turbilhão imperialista da Segunda Guerra Mundial, que matou mais de 70 milhões de pessoas, a OMS e a ONU funcionam como braços do arcaico sistema de Estados nacionais e inicialmente tentaram estabilizar as contradições inerentes à produção capitalista.
A trajetória histórica da OMS é paralela à do capitalismo mundial como um todo, que ao longo do último meio século tem se caracterizado cada vez mais pela crescente desigualdade social, pela guerra imperialista interminável orquestrada pelos EUA, pelo ressurgimento do fascismo e das tendências antidemocráticas e pela escalada de ataques a todos os direitos sociais da classe trabalhadora, inclusive o direito à saúde e à longevidade.
A pandemia desencadeou uma aceleração de todos esses processos. Fundamentalmente, ela revelou que o capitalismo está em guerra com a sociedade. A luta pelo renascimento e pela expansão maciça da saúde pública em todo o mundo exige a construção de um movimento socialista na classe trabalhadora internacional, lutando para reorganizar a sociedade de acordo com os interesses da grande maioria, e não com os interesses estreitos de lucro de uma pequena oligarquia financeira.