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Perspectivas

Como parar a guerra na Ucrânia: Evento online promove estratégia socialista contra a guerra para a classe trabalhadora internacional

Publicado originalmente em 26 de fevereiro de 2023

O evento online “Como parar com a guerra na Ucrânia: Discussão online sobre a necessidade de uma estratégia socialista e internacionalista contra a guerra”, realizado 25 de fevereiro, em foi uma importante contribuição na luta para construir um movimento internacional contra a guerra liderado pela classe trabalhadora.

A discussão co-patrocinado pelo World Socialist Web Site e pela Juventude e Estudantes Internacionais pela Igualdade Social forneceu uma perspectiva que não é encontrada em nenhum outro lugar. O que surgiu ao longo do evento foi a profunda ligação entre a análise histórica das causas da guerra e o programa socialista e internacionalista de luta contra a guerra.

Como parar a guerra na Ucrânia

Tanto na sua forma como no seu conteúdo, a discussão teve um caráter internacional. Os participantes do evento falaram de três países diferentes e se dirigiram a um público de centenas de trabalhadores e jovens do Reino Unido, EUA, França, Alemanha, Sri Lanka, Índia, Rússia, Ucrânia, Romênia, Austrália, Brasil, Canadá, Turquia e dezenas de outros países.

Na abertura da discussão, o secretário nacional do Partido Socialista pela Igualdade (EUA), Joseph Kishore, que moderou o evento com Andrea Peters ressaltou que está ocorrendo uma rápida escalada do conflito conforme a guerra entra no seu segundo ano. Resumindo o atual estado do conflito, Andre Damon apontou que se trata da maior guerra na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Damon afirmou que os Estados Unidos e os seus aliados imperialistas europeus “apostaram inteiramente na sua credibilidade na derrota militar da Rússia”, em uma guerra que matou 200 mil pessoas e ameaça evoluir para uma conflagração nuclear.

Christoph Vandreier, presidente do Sozialistische Gleichheitspartei, a seção alemã do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), apontou que a Alemanha triplicou o seu orçamento militar e ressuscitou uma política externa imperialista agressiva para disputar pela hegemonia global.

A origem histórica da atual guerra

A discussão se centrou rapidamente nas raízes históricas e políticas subjacentes à guerra.

Falando sobre essa questão, o presidente do Conselho Editorial Internacional do WSWS, David North, afirmou:

A cobertura na mídia é dominada por uma completa ausência de qualquer perspectiva histórica. Desde o primeiro dia da guerra, a narrativa foi fixada nos meios de comunicação. O slogan é a guerra “não provocada” de Putin, que se tornou tão genérico para explicar essa guerra como as “armas de destruição em massa” se tornaram para a guerra no Iraque.

North explicou que todas as guerras surgem de condições históricas, sociais, políticas e econômicas complexas. Refutando a obsessão da imprensa com a questão de quem disparou o primeiro tiro, observou que nenhuma guerra foi jamais explicada baseada nisso. A Primeira Guerra Mundial teve seu início 108 anos atrás, e os debates sobre os reais fatores que a produziram continuam até os dias de hoje.

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Mais importante do que a motivação de Putin, disse North, é a questão dos interesses que guiam as potências imperialistas. “É notável que, em toda a discussão desta guerra, pelo menos tal como é apresentada nos meios de comunicação e tal como tem sido aceita pelo covarde meio acadêmico – historicamente esquecido – ninguém quer falar de nenhuma das guerras que foram travadas pelos Estados Unidos nos últimos 30 anos desde a dissolução da URSS”.

A ampla campanha dos Estados Unidos para controlar a massa terrestre da Eurásia é tratada como se fosse irrelevante para a guerra dos EUA-OTAN contra a Rússia. Em contraste, North disse: “O movimento trotskista é um movimento histórico. Ele possui uma memória histórica, e baseia a sua política em uma compreensão das contradições da época”.

Nick Beams, dirigente de longa data do Partido Socialista pela Igualdade na Austrália e especialista em economia política marxista, centrou os seus comentários nos fatores econômicos que impulsionam o imperialismo americano. Beams disse que as duas guerras mundiais do século XX foram travadas para determinar “quem iria alcançar a supremacia global”. Os Estados Unidos emergiram como o poder capitalista dominante após a Segunda Guerra Mundial e procuraram regular as relações globais, inclusive através do sistema de Bretton Woods, que se baseava no lastro do dólar ao ouro de Washington. Contudo, as contradições do capitalismo ressurgiram de tal forma que o Presidente Nixon foi obrigado a pôr fim ao acordo de Bretton Woods apenas 27 anos após o seu início.

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Beams ressaltou que a massiva ofensiva contra a classe trabalhadora lançada nos anos 1970 e o crescimento desenfreado da especulação financeira a partir dos anos 1980 apenas aprofundaram a crise. Ele concluiu dizendo: “Um dos fatores que levou os Estados Unidos a essa postura militar cada vez mais agressiva... é o agravamento e enfraquecimento da sua posição econômica”.

“O imperialismo americano procura resolver a sua crise, como tem procurado fazer no passado, desenvolvendo novos recursos, novas áreas de conquista, novos meios de exploração, particularmente a conquista da massa terrestre europeia e também contra o que vê como a crescente ameaça na China... Essa é a fase de abertura de um novo conflito global, em que os Estados Unidos... devem procurar esmagar todos os possíveis e potenciais rivais”.

As consequências da dissolução stalinista da União Soviética

Um dos principais focos da discussão sobre os antecedentes históricos do conflito foi o significado da dissolução da União Soviética pela burocracia stalinista em 1991.

Apontando para uma linha do tempo da URSS sobre o fim da União Soviética, Clara Weiss ressaltou que o movimento trotskista reconheceu naquela altura que a dissolução da URSS marcava “uma nova etapa na crise do imperialismo e do sistema capitalista como um todo”.

Weiss se referiu a dois acontecimentos fundamentais após 1991 com relevância para a guerra atual: “O primeiro foi que a restauração do capitalismo nesses países levou ao domínio de regimes oligárquicos criminosos que estão hoje no poder na Rússia e na Ucrânia... O segundo é que abriu as comportas para uma verdadeira explosão do militarismo dos EUA em todo o mundo”. Um dos últimos atos de traição dos stalinistas antes da dissolução da URSS foi a sua aprovação do bombardeio do Iraque pelos EUA no início de 1991, que marcou o início de 30 anos de guerra ininterrupta.

A restauração capitalista criou as condições para o renascimento das tradições fascistas da burguesia ucraniana, um processo que foi auxiliado e facilitado pelas potências imperialistas. Weiss reviu o histórico de Stepan Bandera, um fascista ucraniano que liderou a Organização dos Nacionalistas Ucranianos durante a Segunda Guerra Mundial conforme colaborava com os nazistas e participava no massacre de centenas de milhares de judeus e polacos. Weiss apontou que o comandante-chefe do exército ucraniano é um admirador declarado de Bandera.

Na sua discussão sobre as consequências da restauração capitalista na União Soviética, North apontou o desastroso erro de cálculo da burocracia e dos seus apoiadores no seio dos grupos de intelectuais, que pensavam que a Rússia poderia ser integrada pacificamente na economia mundial. Recordando uma visita à URSS imediatamente antes da sua dissolução, North disse: “O que se encontrou entre uma intelectualidade completamente desorientada, ingênua e pouco séria... foi uma concepção quase tola de que a restauração do capitalismo traria democracia, prosperidade universal, dinheiro cresceria em árvores em toda a antiga União Soviética, e paz e irmandade universais”.

Voltando à política do regime de Putin, North disse: “A primeira coisa que se deve compreender do ponto de vista socialista é que Putin não está envolvido na defesa do povo russo, da classe trabalhadora russa. Ele representa uma fração significativa da oligarquia russa que chegou ao poder com base na pilhagem dos bens da URSS, no desfecho de 1991... Ele quer ser autorizado a explorar e pilhar, em nome dessa camada, os enormes recursos da Rússia sem impedimentos do imperialismo”.

“Esta guerra pode avançar para duas direções. Ela pode levar à catástrofe ou à revolução socialista”

A revisão dos antecedentes históricos da guerra levou diretamente a uma discussão do programa político sobre o qual se deve opor. Em particular, os participantes do evento falaram de uma tendência internacional de elementos da classe média desorientados que afirmam ser possível se opor à guerra com base em uma coalizão com as organizações de extrema-direita e mesmo fascistas.

Vandreier chamou a atenção para uma manifestação pela “paz” realizada no mesmo dia em Berlim pela dirigente do partido Die Linke (A Esquerda), Sahra Wagenknecht. “Um dos principais organizadores e oradores de hoje foi o ex-general de extrema-direita, Erich Vad”, observou Vandreier. “Ele é um fã declarado do advogado nazista, Carl Schmitt... É um defensor do rearmamento. Eles querem direcionar este rearmamento mais abertamente contra os Estados Unidos... Wagenknecht deixou muito claro antes dessa manifestação que os políticos do partido fascista AfD (Alternativa para a Alemanha) são bem-vindos”.

“Com essas pessoas”, declarou Vandreier, “não está sendo construído um movimento contra a guerra, está sendo construído um movimento de guerra”.

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North apontou para uma coalizão semelhante em desenvolvimento nos Estados Unidos com o comício “Rage against the war machine” (Fúria contra a máquina de guerra).

“Talvez fosse melhor chamarem o evento de Fúria contra o pensamento, Fúria contra a política socialista”, comentou North. “O conceito de uma coalizão esquerda-direita contra a guerra exclui qualquer possibilidade de basear a luta contra a guerra em uma compreensão da origem da guerra, e exclui a possibilidade de organizar uma luta contra a guerra com base em uma luta contra o capitalismo”.

North prosseguiu:

A luta contra a guerra exige antes de mais nada que se identifiquem as suas causas. Não se pode curar uma doença política a menos que se compreenda a sua origem. Não se pode fazer oposição a uma guerra se as suas causas não forem compreendidas.

Qual é a força social que, objetivamente, em cada país, possui um interesse, um interesse objetivo, quer o compreenda plenamente ou não? É a classe trabalhadora, a classe trabalhadora internacional. A força social que está sendo impulsionada pela inflação catastrófica, o impacto da pandemia que ceifou milhões e milhões de vidas, essa é a força social que precisa ser mobilizada.

Concluindo a discussão, North voltou a se referir às lições da história: “A grande visão de Lenin em 1914... em condições em que toda a Segunda Internacional havia capitulado para os seus respectivos governos quando a guerra começou” foi que ele “disse que esta é uma guerra imperialista, e que é necessário construir a política da classe trabalhadora com base em uma compreensão das contradições que produziram a guerra... Ele insistiu que era preciso compreender que as próprias contradições que levaram à erupção de 1914... gerariam uma revolução em todo o mundo, e foi isso o que aconteceu. Ocorreu primeiro na Rússia, e se estendeu rapidamente por todo o mundo”.

North argumentou que as mesmas condições estão hoje presentes, devido aos “fortes ventos de uma escalada da crise social”. A tarefa decisiva é armar politicamente este movimento emergente, porque “da clareza política vem grandes ações”.

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Ele concluiu com as tarefas fundamentais que decorrem desse entendimento:

Nós vamos educar os trabalhadores, e aqueles de vocês que procuram uma forma de lutar, que compreendem o que está em jogo na história, e estão dispostos a aceitar que não existem respostas fáceis, soluções fáceis, para grandes questões históricas, devem fazer parte das seções do Comitê Internacional.

Esta guerra pode ir em duas direções. Ela pode levar a uma catástrofe total ou pode levar a uma revolução socialista. O resultado é garantido? Não, ele será determinado em luta.

A discussão como um todo proporcionou a clareza política sobre a qual a “grandes ações” devem se basear. A reunião terminou com um apelo a todos para se juntarem ao Comitê Internacional da Quarta Internacional e à Juventude Internacional e Estudantes pela Igualdade Social, e para assumirem a luta pela construção de um movimento socialista internacional da classe trabalhadora contra a guerra imperialista e o sistema capitalista.

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