Português
Perspectivas

O confronto entre Reino Unido e Rússia no Mar Negro: Um alerta ameaçador

Publicado originalmente em 25 de junho de 2021

Na quarta-feira, um navio de guerra britânico entrou em águas reivindicadas pela Rússia perto da Crimeia, uma península no Mar Negro. Um barco de patrulha de fronteira russo disparou vários tiros de advertência e um caça russo bombardeou o caminho do destróier britânico HMS Defender, informou Moscou. Desde então, o Kremlin divulgou filmagens do incidente. O governo britânico nega que o lado russo tenha disparado tiros e lançado uma bomba e insiste que não se deve levar o incidente a sério.

Caça F-35 decola do porta-aviões britânico HMS Queen Elizabeth no Mar Mediterrâneo, em 20 de junho de 2021. (AP Photo/Petros Karadjias)

Entretanto, o Kremlin convocou a embaixadora britânica Deborah Bronnert para o ministério das Relações Exteriores e emitiu uma nota de protesto para o adido militar britânico. O vice-ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Ryabkov, advertiu que, caso tal evento ocorra novamente, “podemos bombardear... o alvo”.

O confronto de quarta-feira no Mar Negro destaca o enorme perigo da guerra e é um alerta muito sério. Incidentes similares levaram à eclosão de guerras no passado.

A crise no Mar Negro é o resultado de um cerco imperialista de décadas conduzido pelos EUA sobre a Rússia após a dissolução stalinista da União Soviética, em 1991. As intervenções imperialistas e a escalada militar nas fronteiras da Rússia aumentaram drasticamente em 2014, quando os EUA e a UE apoiaram um golpe de extrema-direita em Kiev que derrubou o governo pró-russo de Viktor Yanukovich. O golpe desencadeou uma guerra civil em curso no Donbass, no leste da Ucrânia, e a anexação da Crimeia à Rússia.

Em fevereiro, o governo ucraniano anunciou planos para “recuperar a Crimeia” e o Donbass, provocando uma grande crise militar na região. Em maio, a OTAN encenou o enorme exercício “Defender 2021” na região dos Bálcãs e do Mar Negro, que envolveu a Ucrânia e a Geórgia, dois países que não são membros da OTAN.

Nessas condições, as ações do navio britânico HMS Defender foram claramente uma provocação. O navio está no Mar Negro para o exercício naval “Sea Breeze”, previsto para acontecer de 28 de junho a 10 de julho. Organizado pelas marinhas americana e ucraniana, ele envolverá 32 países, 5.000 soldados, 32 navios, 40 aeronaves e 18 operações especiais. O Kremlin pediu aos EUA que cancelassem o exercício, alertando sobre um inesperado confronto militar.

A bordo do HMS Defender, na quarta-feira, estavam oficiais superiores dos governos ucraniano e britânico, incluindo o vice-ministro da Defesa da Ucrânia e o ministro Britânico de Aquisições de Defesa. Eles assinaram um importante acordo naval bilateral naquele dia, que prevê uma ajuda militar substancial do Reino Unido para a marinha ucraniana e a criação de novas bases navais no Mar Negro.

Destacando a gravidade da crise, o deputado britânico conservador Tobias Ellwood disse na rádio Britânica: “Devemos reconhecer que este é um jogo perigoso. Caças SU-24 russos fazendo voos rasantes em navios, há um enorme potencial para a ocorrência de um acidente, interpretações errôneas podem levar a um confronto dinâmico, e pode demorar um pouco até que alguém pegue aquele telefone vermelho e acalme as coisas”. O vice-ministro russo das Relações Exteriores Alexander Grushko declarou: “Essa situação é explosiva, mesmo que todas as partes permaneçam prudentes. Incidentes involuntários, que podem resultar em um conflito real, não estão descartados.”

Desde o início da pandemia de COVID-19, as tensões geopolíticas têm crescido significativamente. Alegando que “não há dinheiro” para as necessidades mais básicas dos trabalhadores e recusando-se a tomar quaisquer medidas sérias para deter a pandemia, os governos capitalistas aumentaram os gastos militares globais em 2020 para um espantoso montante de US$ 2 trilhões.

O imperialismo americano, em particular, tem respondido à pandemia procurando desviar as crescentes tensões de classe para o exterior. O governo Biden propôs um orçamento militar recorde de US$ 753 bilhões para este ano, incluindo US$ 24,7 bilhões para a modernização das ogivas nucleares. O Reino Unido está aumentando seu estoque de ogivas nucleares em 40%.

Embora haja indícios de que o governo Biden está tentando aliviar as tensões com Moscou a fim de se concentrar nos preparativos para a guerra contra a China, há conflitos agudos sobre a política externa dentro da classe dominante dos EUA. Há também tensões crescentes entre as potências imperialistas e dentro da OTAN. Uma proposta para uma cúpula da UE com a Rússia, feita pela alemã Angela Merkel e pelo francês Emmanuel Macron, provocou grandes conflitos dentro da UE.

Quaisquer que sejam as intenções de indivíduos, alianças mutáveis e manobras táticas, o perigo da guerra está objetivamente enraizado na crise do sistema capitalista mundial. Em uma palestra explicando as origens da Segunda Guerra Mundial, David North, presidente do conselho editorial do WSWS e presidente do Partido Socialista pela Igualdade (EUA), enfatizou:

Não é necessariamente o caso de que as classes dominantes queiram a guerra. Mas elas não são necessariamente capazes de detê-la. Como Trotsky escreveu na véspera da Segunda Guerra Mundial, os regimes capitalistas caminham de olhos fechados para o desastre. A lógica insana do imperialismo e do sistema capitalista de Estado-nação, do impulso para assegurar o acesso a mercados, matérias-primas e mão-de-obra barata, da busca incessante do lucro e das riquezas pessoais, conduz inexoravelmente na direção da guerra.

O incidente de quarta-feira ocorreu um dia após os 80 anos da invasão nazista da União Soviética, em 22 de junho de 1941. A guerra imperialista de aniquilação realizada pelos nazistas tirou a vida de pelo menos 27 milhões de cidadãos soviéticos, entre os quais se estima 2 milhões de judeus soviéticos e mais de 3 milhões de prisioneiros de guerra soviéticos. No entanto, além de alguns comentários pontuais de políticos alemães, as potências imperialistas se silenciaram completamente sobre o aniversário do início da guerra mais sangrenta da história da humanidade.

As políticas do regime do presidente russo Vladimir Putin, oscilando entre a busca de acordos com as potências da OTAN e as ameaças militares, são completamente reacionárias. No aniversário da invasão nazista, Putin escreveu um artigo no Die Zeit primeiro denunciando a agressão da OTAN na Ucrânia em 2014, e depois apelando ao apoio das potências imperialistas europeias. Isso aconteceu depois da cordial cúpula de Putin com Biden, que restaurou as relações diplomáticas que Moscou havia quebrado depois que Biden chamou Putin de “assassino” em março.

A decisão do Kremlin de então lançar uma bomba perto de um navio de guerra britânico abre o caminho para uma catástrofe. É evidente que, se Moscou de fato “bombardear... o alvo”, como Ryabkov ameaçou fazer, em um futuro incidente no Mar Negro, isso poderia rapidamente se transformar em um confronto militar em larga escala entre as potências nucleares da OTAN e a Rússia.

A política de Moscou, combinando declarações tranquilizadoras com acrobacias imprudentes, reflete o caráter de classe do regime de Putin. Ele é o herdeiro da burocracia stalinista que, em 1991, restaurou o capitalismo e destruiu a União Soviética, o que o imperialismo alemão não conseguiu realizar na Segunda Guerra Mundial. Extremamente hostil à classe trabalhadora, ele depende tanto de relações estreitas com o capital financeiro imperialista no exterior quanto da incessante promoção do nacionalismo no próprio país; ele usará tal incidente para apelar aos sentimentos nacionalistas e desviar a oposição social dentro da própria Rússia.

A única força social capaz de lutar contra a guerra imperialista é a classe trabalhadora internacional. Ela é impulsionada para lutas revolucionárias pelas mesmas contradições objetivas que impulsionam o imperialismo em direção à guerra. Em todo o mundo, os trabalhadores têm sido radicalizados por décadas de austeridade, guerra e a experiência da pandemia, e estão começando a reagir. A tarefa crítica agora é lutar pelo estabelecimento de uma liderança política trotskista para essas lutas na classe trabalhadora através da construção do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

Loading