Publicado originalmente em 28 de maio de 2021
Na última semana, a mídia dos EUA, a administração Biden e as agências de inteligência dos EUA lançaram uma agressiva campanha de propaganda com o objetivo de ressuscitar a narrativa de que a COVID-19 teve origem em um laboratório chinês.
Essa mentira desafia as amplas evidências científicas e as descobertas de uma investigação da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgadas no final de março. Ela será lembrada como uma das maiores falsidades da história humana – uma mentira colossal que supera até mesmo as mentiras sob juramento da administração Bush sobre as 'armas de destruição em massa' do Iraque.
Não há fundamento factual ou científico para a afirmação de que o vírus teve origem em um laboratório chinês. Até hoje, a única evidência apresentada pela Casa Branca, pelas agências de inteligência dos EUA e pela mídia para sustentar essa alegação é de funcionários do Instituto de Virologia de Wuhan doentes no final de 2019, com sintomas que um relatório do Departamento de Estado americano reconheceu serem 'consistentes com ... doenças sazonais comuns'.
Os doentes no instituto de Wuhan haviam sido citados anteriormente pela administração Trump para afirmar que a China era responsável pela disseminação intencional da pandemia – utilizando um 'vírus transformado em arma' para causar mortes em larga escala em populações em todo o mundo. Essa afirmação está sendo agora empregada pelos principais veículos de comunicação e legitimada pela administração Biden.
Na quinta-feira, o Diretor de Inteligência Nacional dos EUA escreveu que a 'comunidade de inteligência' americana 'se uniu em torno de dois cenários prováveis: ela surgiu naturalmente do contato humano com animais infectados, ou foi um acidente de laboratório'. Conforme o Departamento de Estado sob Trump afirmou em janeiro, se a COVID-19 não 'surgiu naturalmente', a doença foi criada através de engenharia biológica.
Conforme esclarecido pela investigação da OMS sobre a origem da COVID-19, inúmeros vírus semelhantes à COVID-19 foram identificados em morcegos, incluindo o RaTG13, 96,2% semelhante ao Sars-Cov-2, o vírus que causa a COVID-19. O Sars-Cov-1 foi um coronavírus derivado de morcegos que causou o surto de Sars em 2003-2004.
Seria necessário que algo na doença ou suas origens fosse inconsistente com outros vírus naturalmente existentes para que a alegação de que a COVID-19 foi projetada biologicamente tivesse qualquer credibilidade. Porém, não há nada que indique isso. Conforme o relatório da OMS sobre as origens da doença declarou, a 'bioengenharia intencional' da COVID-19 foi 'descartada ... após análises do genoma'.
A promoção da teoria da origem laboratorial é motivada por condições políticas e interesses sociais, motivados por dois objetivos inter-relacionados.
Primeiro, ela visa desviar a atenção das ações dos EUA e de outros governos na implementação de políticas que levaram a mortes em larga escala. Conforme o público começa a se recuperar do choque da pandemia, haverá demandas por explicações para a morte de tantas pessoas, e também pela punição dos responsáveis.
Desde o início, os governos de todas as grandes potências capitalistas subordinaram a resposta à pandemia aos lucros das corporações, à ganância dos oligarcas capitalistas e aos objetivos geopolíticos do imperialismo. As medidas que todos os cientistas e epidemiologistas concordam serem necessárias – inclusive o fechamento da produção não-essencial em conjunto com assistência financeira a todos os afetados – foram rejeitadas porque ameaçavam minar os mercados financeiros e os interesses dos ricos.
Como conseqüência direta disso, mais de três milhões de pessoas morreram em todo o mundo, de acordo com números oficiais, incluindo mais de 600 mil somente nos Estados Unidos.
O testemunho desta semana por Dominic Cummings, ex-assessor do governo britânico de Boris Johnson, deixou claro que o governo levou adiante uma estratégia de 'imunidade de rebanho', com assessores defendendo a organização de 'festas contagiosas' para espalhar a doença por todo a população. O governo calculou que essa política levaria à morte de cerca de 800 mil pessoas.
No Brasil, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre a pandemia demonstrou que o governo de Jair Bolsonaro adotou propositalmente uma política de permitir que o vírus se espalhasse sem restrições, prevendo que o número de mortes poderia chegar a 1,4 milhão (atualmente é de 450 mil).
Nos Estados Unidos, após as restrições parciais iniciais em março de 2020, implementadas após o aumento das revoltas sociais, a administração Trump liderou uma campanha para que os trabalhadores retornassem ao trabalho sob o slogan: 'a cura não pode ser pior do que a doença'. Embora essa política homicida tenha sido articulada mais claramente por Trump, ela recebeu o apoio da mídia e foi implementada por estados governados tanto por republicanos quanto por democratas.
Os líderes dos governos capitalistas têm sangue em suas mãos e estão procurando um bode expiatório: a China.
Em segundo lugar, a mentira do laboratório de Wuhan procura incitar o ódio nacionalista para apoiar o objetivo estratégico central da administração Biden: a preparação para o conflito econômico e potencialmente militar com a China.
Desde que tomou posse, o governo Biden declarou que os Estados Unidos estão em um 'ponto de inflexão' e que deve lutar para 'ganhar o século XXI' contra a China. A mídia americana tem procurado, sem sucesso, interessar o público na reivindicação, sustentada pelas agências de inteligência, de que a China está realizando um genocídio contra a sua população de uigures, uma minoria muçulmana. Porém, até agora, a campanha não teve seu efeito pretendido.
Desse modo, é necessário inventar uma mentira muito mais agressiva e perigosa, de que a China é responsável por uma pandemia tão mortal que quase todo americano conhece uma vítima da doença.
O precedente mais direto para a promoção da mentira do laboratório de Wuhan é a alegação fabricada pela administração Bush de que o Iraque estava escondendo 'armas de destruição em massa', o que serviu como pretexto para a invasão do Iraque. O método foi exatamente o mesmo. Descobertas ambíguas das agências de inteligência dos Estados Unidos, divulgadas através de 'fontes anônimas' pela mídia, em conjunto com declarações sob juramento abertamente mentirosas por funcionários da administração – formaram o pretexto para uma guerra que matou mais de um milhão de pessoas.
A estrutura e os métodos da teoria da conspiração do 'laboratório de Wuhan' são muito similares a outras teorias da conspiração promovidas para fins políticos, com as quais os propagandistas de Washington e de outras capitais mundiais estão familiarizados. Em dezembro de 2017, o New York Times publicou um artigo, 'Impressões digitais da desinformação russa: Da aids às fake news', afirmando que as agências de inteligência soviéticas e da Alemanha Oriental fabricaram uma teoria da conspiração sobre a origem do HIV.
'Chamada Operação Infektion pelos serviços de inteligência estrangeira da Alemanha Oriental', escreveu o Times, 'a campanha de desinformação dos anos 1980 lançou uma teoria conspiratória em que o vírus que causa a aids era o produto de experimentos com armas biológicas conduzidos pelos Estados Unidos'.
Em 1985, um documento interno da KGB observou que a agência de inteligência soviética estava tentando difundir a idéia 'de que essa doença é o resultado de experimentos secretos dos serviços secretos dos EUA e do Pentágono com novos tipos de armas biológicas que fugiram do controle'. A KGB colocou um artigo em um jornal indiano intitulado “A aids pode invadir a Índia: Doença misteriosa causada por experimentos dos EUA', declarando que a doença teve origem em um laboratório militar dos EUA em Fort Detrick, Maryland.
Como resultado dessa campanha de desinformação, um estudo de 2005 da RAND Corporation e da Universidade Estadual do Oregon revelou que quase 50% dos afro-americanos acreditavam que a aids era causada pelo homem. A adesão a essa teoria da conspiração em todo o mundo tornou mais difícil dar uma resposta científica à epidemia da aids – inclusive na própria União Soviética.
O Times cita o historiador Thomas Boghardt para explicar a técnica de desinformação: 'Se sujeira suficiente for lançada, uma parte vai grudar'.
O Times, o Washington Post e outros dos maiores jornais, em conjunto com a administração Biden, estão utilizando essa técnica para espalhar a mentira do laboratório de Wuhan. Enquanto o artigo do Times tinha como objetivo promover a narrativa de “fake news” da 'interferência russa', o fato é que a classe dominante americana é agora a maior disseminadora de 'fake news'.
A legitimação da mentira do laboratório de Wuhan terá conseqüências políticas incalculáveis dentro dos Estados Unidos. Se a afirmação do 'vírus transformado em arma' promovida pela extrema-direita agora é legítima, o que dizer das outras mentiras e conspirações promovidas pela administração Trump: a alegação de Trump de que Obama não era um cidadão americano, a teoria da conspiração do envolvimento de agentes de alto escalão do Partido Democrata em uma rede de prostituição infantil, e, acima de tudo, a alegação de que a eleição de 2020 foi roubada, que embasou a insurreição fascista de 6 de janeiro.
Significativamente, a mídia está hoje elevando o 'sofisticado' fascista Tom Cotton, senador do estado do Arkansas, tratando-o como uma voz importante no 'debate' sobre a origem do coronavírus. O principal responsável pela checagem de fatos do Washington Post, Glenn Kessler, declarou que os 'livros de história recompensarão' Cotton por promover a teoria do laboratório de Wuhan.
Cotton publicou um notório editorial de opinião em julho de 2020, chamando Trump para 'enviar as tropas' para reprimir os protestos em massa contra a violência policial. Ele é um dos principais defensores da mentira de que Donald Trump ganhou as eleições presidenciais de 2020, e ele foi contrário à certificação dos votos eleitorais em 6 de janeiro, em coordenação com a multidão que invadiu o Capitólio.
Internamente, essa mentira terá o efeito de deslegitimar a oposição popular e preparar as bases para a censura em larga escala, com todos aqueles que criticam a política do governo sendo rotulados de agentes chineses. Um artigo do World Socialist Web Site expondo a promoção pelo Washington Post da teoria da conspiração do laboratório de Wuhan já foi censurado no Facebook por dois meses, levando à suspensão das contas que tentaram compartilhar o texto. O Facebook, por sua vez, anunciou que não irá mais restringir as postagens que promovem a teoria da conspiração de que o vírus foi fabricado em um laboratório chinês.
Uma vez que essa mentira se torne parte da política dos EUA, ela terá efeitos venenosos e incontroláveis. Ele desencadeará perseguições, ameaças e violenta intimidação contra os cientistas e todos aqueles que pedem por uma resposta científica à pandemia, que continua se espalhando. Os incidentes de violência contra asiáticos estão aumentando.
O governo chinês, por sua vez, não pode deixar de interpretar a promoção dessa mentira como uma preparação para a guerra, respondendo de forma a tornar uma escalada mais provável, criando um ciclo mortal de militarização. Um conflito militar entre os Estados Unidos e a China – as maiores economias e forças armadas do mundo – teria conseqüências catastróficas para toda a humanidade.
O World Socialist Web Site chama todos os trabalhadores, cientistas e intelectuais para que façam oposição à mentira colossal que está sendo propagada pelo governo e pela mídia dos EUA. Os cientistas têm o dever de educar o público e se opor à perversão xenofóbica da ciência. Os jornalistas devem investigar seriamente e expor os esforços para promover e disseminar essa mentira.
Os trabalhadores devem contrariar a mentira dos oligarcas capitalistas com a demanda por uma verdadeira responsabilização. Aqueles que levaram adiante a política de 'imunidade de rebanho', em conjunto com os executivos das empresas que lucraram com ela, devem ser responsabilizados.
Fazemos o chamado aos trabalhadores para que rejeitem a campanha das classes dirigentes, buscando culpar a China pelos crimes do capitalismo americano. Para que os trabalhadores ponham fim à pandemia que matou tantas pessoas, eles devem rejeitar os esforços dos capitalistas para incitar o ódio nacionalista, a ignorância e a violência através da luta para unir a classe trabalhadora mundial com base em uma perspectiva socialista.