Publicado originalmente em 26 de outubro de 2020
Com o primeiro turno das eleições municipais brasileiras a menos de um mês, os morenistas do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), ligados à corrente do NPA, Révolution Permanente, na França, e ao PTS, na Argentina, estão alinhados às campanhas pró-militares encabeçadas pela autodeclarada oposição ao presidente fascistoide Jair Bolsonaro, incluindo a maior organização da pseudoesquerda no Brasil, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Ao contrário do seu homólogo argentino, que ficou em quarto lugar nas eleições presidenciais de 2019 e tem dois representantes nacionais no Congresso atuando como uma facção de esquerda do governo peronista, o MRT não tem o poder de lançar candidatos no Brasil.
Determinado a não deixar que isso atrapalhe sua busca por posições no Estado burguês, o MRT lançou candidaturas através do PSOL, em condições em que tanto o PSOL como o Partido dos Trabalhadores (PT) estão usando as eleições municipais para promover a assassina Polícia Militar brasileira – que mata mais de 5.000 brasileiros por ano – como uma das principais bases políticas de oposição a Bolsonaro.
O PT e o PSOL não estão preocupados com a negligência criminosa de Bolsonaro à pandemia da COVID-19, que já provocou quase 160.000 mortes oficiais e 5,4 milhões de casos, ou com o aumento sem precedentes da desigualdade social, com 10 milhões de brasileiros tendo perdido seus empregos enquanto o número de bilionários aumentou em 16%. Sua oposição a Bolsonaro se sustenta sobre o medo da classe dominante de que ele provoque uma oposição social incontrolável e a insatisfação de capitalistas nacionais e internacionais com seu alinhamento à diplomacia unilateral de Donald Trump.
A atitude dessa oposição foi resumida nas palavras infames do ex-presidente do PT Luiz Inácio Lula da Silva, segundo o qual "o mais grave" da situação política do país não é a política assassina de imunidade de rebanho de Bolsonaro, ou o crescimento substancial da pobreza e da desigualdade social, mas que Bolsonaro "aproveita o sofrimento coletivo para, sorrateiramente, cometer um crime de lesa-pátria" e "submete nossos soldados e nossos diplomatas a situações vexatórias".
Para fazer avançar suas políticas chauvinistas de direita, o PT e o PSOL estão concorrendo com nada menos que 152 candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador de origem militar e policial. Nacionalmente, o número de militares das Forças Armadas e das polícias militares concorrendo para prefeito ou vice-prefeito dobrou em relação às últimas eleições municipais em 2016. O PT também se aliou abertamente, em 145 cidades, com os partidos que elegeram Bolsonaro ou seus filhos em 2018. No local de surgimento do PT, a cidade industrial de São Bernardo do Campo, ele compartilha sua candidatura com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que ainda em julho convidou Bolsonaro a entrar para o partido. O próprio PSOL firmou alianças locais com o Partido Social Cristão (PSC), de extrema-direita, ao qual pertence um dos filhos de Bolsonaro.
A lógica por trás da proliferação de candidatos militares foi explicitamente declarada pelo general Roberto Peternelli, um representante paulista do partido que elegeu Bolsonaro, o Partido Social Liberal (PSL), no Congresso Nacional. Em entrevista ao jornal conservador Estado de S. Paulo em 29 de setembro, Peternelli saudou o fato de que mais membros dos militares concorriam por todos os partidos, "do PSOL ao PSL". Ele insistiu que concorrerem como candidatos dos chamados partidos de esquerda "não enfraquece os princípios militares". Em outras palavras, o Alto Comando militar está seguro de que, ao concorrer pelos partidos de "esquerda", os candidatos militares não estão se opondo àqueles que apoiam o governo Bolsonaro.
Tanto o PT quanto o PSOL estão tentando dar um verniz de "esquerda" a essa tomada da política pelos militares, usando para isso todo o arsenal da política identitária pequeno-burguesa e do nacionalismo. Eles estão tentando convencer os trabalhadores de que seus principais candidatos militares – a major da Polícia Militar Denice Santiago para prefeita de Salvador e o coronel da Polícia Militar Íbis Souza para vice-prefeito do Rio de Janeiro – não são apenas soldados de "esquerda", mas representantes de um eleitorado mais amplo de "militares de esquerda".
A major Santiago aproveitou a oportunidade em uma entrevista com o maior jornal diário brasileiro, a Folha de S. Paulo, para estabelecer um vínculo direto entre ela e Carlos Lamarca, o icônico dissidente do Exército que pegou em armas contra a ditadura de 1964-1985 e é promovido nos círculos pequenos burgueses como um Che Guevara brasileiro. Ela citou seu exemplo para declarar ao jornal que "tivemos muitos oficiais de esquerda".
O coronel Souza – que é nada menos que um ex-comandante geral da Polícia Militar do Rio, que mata 1.800 pessoas por ano, em uma população de pouco mais de 16 milhões – também recorreu à retórica esquerdista. Em uma entrevista à DW, ele declarou que "um dos maiores líderes de esquerda no Brasil foi um oficial do Exército, Luís Carlos Prestes", líder do Partido Comunista por décadas, desde os anos 1930 até os anos 1970. Na mesma entrevista, o coronel Souza atribuiu a Lenin ideias vazias sobre a "complexidade do mundo" para justificar a linha política sem princípios do PSOL, e acrescentou, com charlatanismo pseudo-acadêmico: "Eu tento mostrar ao povo que o Estado é um campo em disputa".
A história e o destino de Carlos Lamarca e Luís Carlos Prestes testemunham o perigo que as operações traiçoeiras sendo articuladas pelo PT e PSOL representam para a classe trabalhadora. Na véspera do golpe militar apoiado pelos EUA em 1964, o líder do Partido Comunista, Prestes, encabeçava a linha política stalinista de subordinar os trabalhadores aos setores de "esquerda" dos militares e ao presidente reformista burguês, João Goulart. Defendia que não deveria haver ruptura com o Estado burguês, mas que este deveria ser "disputado".
Com o golpe evoluindo e os militares mantendo-se fiéis ao Estado capitalista, a única resistência vinda do Partido Comunista foi por membros que romperam com a linha do partido e desesperadamente aderiram à luta guerrilheira. Lamarca, que não era membro do partido, tomou tragicamente este caminho, e seu pequeno grupo guerrilheiro foi rapidamente esmagado pela ditadura. Por sua vez, Prestes foi mandado para a União Soviética, não enfrentando nenhuma das consequências das traições stalinistas.
Ao apoiar o PSOL, o MRT está fornecendo uma cobertura de esquerda para essa mesma linha traiçoeira.
Em 2018, o MRT usou sua ala internacional feminista Pão e Rosas para apoiar um movimento da classe média alta que ficou conhecido como "Ele Não" (referindo-se a Bolsonaro), defendendo o voto no candidato presidencial do PT, Fernando Haddad. O Pão e Rosas soltou uma resolução intitulada "Contra Bolsonaro, pela vida das mulheres" na qual colocou-se "lado a lado de todas as trabalhadoras e trabalhadores, mulheres, negros, jovens e LGBTs que odeiam Bolsonaro e querem derrotá-lo nas urnas votando em Haddad".
Com a campanha municipal expondo a farsa da alegação de que o PT e o PSOL representam alguma "oposição" a Bolsonaro, o MRT retirou sua candidatura à câmara municipal do Rio, fingindo indignação com a nomeação do Coronel Souza. No entanto, mantém suas candidaturas em cidades como São Paulo, onde o PSOL está concorrendo com seu candidato presidencial de 2018, Guilherme Boulos, para prefeito. Boulos é um acadêmico anti-marxista profissional, que construiu sua carreira política como líder de um movimento de moradia, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), um dos vários "movimentos sociais" que os charlatães da pseudoesquerda afirmam ser um substituto para a classe trabalhadora.
Como parte da política de classe média alta do PSOL, a candidatura paulista do MRT é inteiramente voltada às questões "identitárias", a começar por seu caráter "coletivo" semi-anarquista. O MRT anuncia três candidatos, ao invés de um, para a mesma posição – uma farsa política e legal, já que apenas um representante terá assento como vereador – defendendo que este caráter "coletivo" – equilibrado entre diferentes "identidades" de gênero e raça – é uma garantia de "representatividade".
Seu principal evento de campanha até agora foi uma "bicicletada" pela legalização da maconha, alegando que tal política, já implementada em vários países capitalistas, conteria a violência de classe do Estado capitalista contra os trabalhadores, que eles retratam em termos raciais, enquanto desdobramento de um aparato policial racista. Eles também apresentaram em 1º de setembro um programa para "negros" centrado na demanda por "igualdade salarial" para negros e brancos.
Em condições nas quais trabalhadores de todas as raças, nacionalidades e etnias estão enfrentando o desemprego em massa, a pobreza e a miséria de longo prazo, esta demanda está sendo utilizada no Brasil, como em outros países, como um meio de acertar contas entre os 10% mais ricos da população. O MRT promove a mesma política identitária utilizada pelo PT e PSOL para argumentar que suas candidatas à prefeitura em Salvador e no Rio de Janeiro "transformarão" estas cidades ao se elegerem como suas primeiras prefeitas mulheres e negras.
Quando o MRT dirige qualquer crítica ao PT, ele o caracteriza como um partido de "conciliação de classes", em oposição ao que chama de partidos "diretamente burgueses". Esta definição intencionalmente confusa é utilizada para fomentar a ilusão de que os trabalhadores podem pressionar o PT a mudar de rumo. Assim, em um editorial de 1º de julho, Esquerda Diário afirmou que "a esquerda deve se unir na luta de classes, não com golpistas e patrões". Depois de fazer críticas superficiais ao que chama de "aposta" do PT em aliar-se aos elementos mais reacionários, afirma que "os que se colocam como esquerda socialista deveriam apostar tudo [ênfase acrescentada]" em fazer "uma enorme exigência à [sic] que as burocracias sindicais rompam com sua paralisia".
Essa tentativa de fornecer uma cobertura de esquerda para as forças burguesas e os sindicatos colaborando diretamente com o odiado Bolsonaro faz parte de uma longa tradição do morenismo, uma forma extrema do liquidacionismo pablista. Isso inclui a colaboração da tendência morenista com o governo peronista na Argentina nos anos 1970, mesmo enquanto este criava milícias fascistas nos sindicatos e preparava o caminho para o golpe militar de 1976.
As eleições municipais no Brasil forneceram mais provas de que o pseudoesquerdista MRT e seus parceiros morenistas na Argentina, França e em outros países não são, em nenhum sentido, organizações marxistas que falam pelos interesses da classe trabalhadora ou lutam por uma política genuinamente socialista revolucionária.