Milhares de entregadores de aplicativo entraram em greve na quarta-feira exigindo melhores condições de trabalho em mais de 10 capitais brasileiras, além de cidades da Argentina e do México. Foi uma importante demonstração de força da luta dos entregadores, que vem se intensificando na América Latina desde o início da pandemia do coronavírus.
Os trabalhadores se organizaram por fora dos sindicatos e contaram com amplo apoio da população, espalhando o movimento na internet pelas hashtags #BrequeDosApps e #YoNoReparto (eu não entrego). A ação internacional foi convocada logo depois de uma greve feita pelos entregadores da empresa Loggi no Rio de Janeiro e São Paulo, em 9 e 10 de junho.
Carlos Alberto, entregador de Jundiaí, no estado de São Paulo, é um dos entregadores que participaram da articulação da greve. “Os motoboys de outros países, a gente foi descobrindo através das páginas. Hoje em dia, nas redes sociais, a gente consegue comunicação fácil. Fomos pegando o nome deles, pegando o Whatsapp, adicionando no grupo da greve. E se unindo com eles para eles pararem também".
A greve no 1º de julho foi mais forte em São Paulo, a maior cidade do Brasil. Os protestos começaram de manhã, com os trabalhadores bloqueando o acesso a shoppings, redes de restaurantes e galpões da empresa Loggi. Mais tarde, cerca de 5 mil entregadores se reuniram numa das principais avenidas da cidade.
"A gente está nesse coronavírus, batendo de frente com a COVID-19. Vários companheiros ficaram hospitalizados e para o iFood liberar esse dinheiro é um transtorno. Eu já conversei com companheiros que correram atrás disso, entendeu? É muita burocracia. A gente quer melhorias. Queremos um lugar da cidade que a gente possa chegar e ter uma tomada para pôr o aparelho celular, com banheiro, com água potável para a gente tomar, com mesa para comer uma refeição. Não queremos coisa demais. Nós queremos o nosso direito, queremos seguro contra acidente, contra roubo de moto. Hoje eles falam que dão seguro, mas eles não dão."
Além do risco de se expor ao vírus, os trabalhadores denunciam longas jornadas de trabalho – muitas vezes superiores a 14 horas diárias – por pagamentos cada vez mais baixos, sem assistência médica nem direitos trabalhistas. Durante a paralisação, um grupo de entregadores resumiu a superexploração num grito: “não é justo!”. As reivindicações dos trabalhadores incluem: maior remuneração, mais segurança no trabalho e fim das punições.
Para tentar quebrar a organização dos trabalhadores, o iFood – a maior startup de entrega de comida na América Latina – tentou comprar fura-greves. No dia da paralisação, o aplicativo estava oferecendo R$30 extras por entrega para aqueles que trabalhassem. Medidas semelhantes foram adotadas pelas outras empresas do setor – Rappi, Loggi e Uber Eats. Parte dos fura-greves foi impedida pela ação dos grevistas e teve que voltar para casa. Outros foram convencidos a aderir à maioria de seus companheiros.
Enquanto as avenidas eram tomadas pelos buzinaços dos entregadores, o vice-presidente de Estratégias e Finanças do iFood, Diego Barreto, dava uma entrevista para a CNN Brasil alegando que “a maior parte das reivindicações já são cumpridas” pela empresa e dizendo que os entregadores ganham mais do que o salário mínimo estabelecido no Brasil. O que o executivo não diz é que, para conseguir esse "salário mínimo", as jornadas cumpridas pela imensa maioria dos entregadores está muito acima da jornada estabelecida legalmente.
Barreto ainda tentou retirar a responsabilidade da empresa sobre as condições dos trabalhadores, justificando-as com base no conceito de “economia compartilhada”, como se a exploração fosse uma escolha de “empreendedorismo” dos trabalhadores. Mas, por trás das falsas promessas de uma economia “compartilhada”, essas corporações promovem, na verdade, uma concentração da riqueza nas mãos de seus acionistas bilionários, enquanto milhões de trabalhadores são explorados e descartados sistematicamente.
Qualquer aumento na renda dos trabalhadores ameaça diretamente os interesses gananciosos desses poderosos acionistas. O iFood, sediado em São Paulo e com operações por toda América Latina, é controlado por bilionários como Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil. A Rappi, sediada na Colômbia, no ano passado recebeu um investimento de US$1 bilhão do conglomerado japonês SoftBank.
Esses capitalistas estão prontos para mobilizar todo seu arsenal para proteger suas fortunas. Além das punições já praticadas, como a política de pontuações e bloqueios (equivalentes, respectivamente, a “advertências” e “demissões” para os trabalhadores registrados), as empresas também contam com o Estado e se apoiam nas organizações da pseudoesquerda e nos sindicatos para desviar a luta dos trabalhadores.
A página do Facebook “Treta no Trampo” – de um grupo de ativistas que promoveu a greve – compartilhou, alguns dias antes da greve, um vídeo de três entregadores declarando que o movimento “não tem vínculo político com ninguém” e defendendo a independência em relação ao sindicato. Um dos entregadores ainda avisa para que as organizações políticas não interfiram na greve, dizendo: “se levantar bandeira [de partidos ou sindicatos], vai abaixar”.
Essa e outras declarações parecidas expressam a reação dos trabalhadores às ações dos sindicatos e governos ditos de "esquerda", encabeçados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que favoreceram os interessas das grandes empresas ao mesmo tempo em que suas condições de vida pioram.
A despeito das declarações desses trabalhadores, o Sindicato dos Motoboys de São Paulo (Sindimoto), filiado à reacionária União Geral dos Trabalhadores (UGT), esteve nas manifestações com caminhão de som e suas bandeiras, e foi responsável por concentrar parte significativa dos grevistas ao redor de si.
Um dos presentes era o presidente da UGT, Ricardo Patah, que também é presidente do Sindicato dos Comerciários, o mesmo que assinou um acordo com a prefeitura para a reabertura criminosa do comércio em São Paulo, a cidade com maior número de casos de COVID-19 e onde a pandemia está longe de ser controlada.
A intervenção reacionária de figuras como Ricardo Patah na luta dos trabalhadores evidencia a dimensão política da greve, que foi muito além de interesses particulares dos entregadores. O repúdio dos trabalhadores aos sindicatos e partidos da pseudoesquerda não basta para superar os esforços dessas forças políticas em desviar e conter sua luta. O que é necessário é uma luta consciente pela mobilização política independente da classe trabalhadora como um todo.
O potencial de uma luta como tal foi destacado pela ameaça de greve dos metroviários de São Paulo, anunciada para o mesmo dia da paralisação dos entregadores, com uma votação massiva a favor da greve, mas foi "adiada" por proposta do sindicato. Os motoristas de transporte escolar da cidade, por outro lado, realizaram um protesto no mesmo dia apoiando os entregadores e exigindo um auxílio do governo, já que estão sem renda desde o início da pandemia.
Além dessas categorias ligadas ao transporte, profissionais de saúde, operadores de call center, operários da indústria automobilística e vários outros setores da classe trabalhadora estão se levantando ao redor do mundo em oposição à resposta da classe dominante à pandemia e contra o rebaixamento prolongado de suas condições de vida.
A luta dos entregadores emerge das profundas contradições do sistema capitalista, que utiliza cada avanço tecnológico para aumentar a exploração da classe trabalhadora, apoiando-se ao mesmo tempo no desemprego crescente para rebaixar suas condições e salários.
Uma vez que as demandas dos trabalhadores não foram atendidas pelas corporações, eles estão convocando uma nova greve para 12 de julho. É urgente que os entregadores tomem a luta nas suas próprias mãos, construindo novas organizações democráticas, comitês de base independentes dos sindicatos.
Quando o World Socialist Web Site perguntou o que tinha a dizer a seus companheiros de classe internacionais, Carlos Alberto declarou: “É para vocês irem para cima, porque com essas ferramentas da internet que têm aí, eles vão unindo forças. Não espera por sindicato, não, porque sindicato abandonou todo mundo, está tudo abandonado às traças. Não tem deputado, não tem sindicato, não tem governador, não tem presidente, não tem ninguém a favor de nós. É nós mesmos que temos que ir para cima e fazer acontecer".