Publicado originalmente em inglês em 26 de fevereiro de 2025
A eleição federal da Alemanha, realizada no último domingo, reflete a profunda crise política e social presente em todos os principais países capitalistas. A situação na Alemanha irá levar a conflitos de classe explosivos com consequências globais.
O resultado da eleição é uma expressão da enorme revolta contra o governo de coalizão, composto pelo Partido Social Democrata (SPD), pelo Partido Verde e pelo Partido Democrático Livre (FDP). A política de guerra e austeridade do governo significou o dobro de gastos com defesa, o corte de programas sociais, educação e saúde, e a destruição dos padrões de vida de amplos setores da sociedade com o aumento dos preços e dos aluguéis.
Nunca antes na história da República Federal da Alemanha um governo em exercício perdeu tantos votos. No total, os partidos da coalizão perderam 19,5% dos votos. O FDP não conseguiu nem mesmo entrar no parlamento federal (Bundestag). O SPD, com 16%, alcançou seu pior resultado desde 1887, quando o partido era reprimido e perseguido com as leis antissocialistas de Bismarck.
A União Democrata Cristã/União Social Cristã (CDU/CSU) indicará provavelmente o futuro chanceler federal, Friedrich Merz. Porém, a coalizão teve seu segundo pior resultado da história, com 28,5% dos votos. Uma nova edição da “grande coalizão” da CDU/CSU e do SPD, que está atualmente em preparação, seria a menor coalizão da história alemã. Ela possuiria o apoio de apenas 45% dos eleitores e uma maioria parlamentar apenas porque 14% do eleitorado votou em partidos que não conseguiram atingir a barreira de 5% para representação parlamentar.
Uma “grande coalizão” intensificará a política de demissões em massa, cortes sociais e guerra que levou ao fim prematuro da coalizão SPD/Partido Verde/FDP. Ela irá depender cada vez mais do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que quase dobrou seu resultado para 20,8% dos votos. Pela primeira vez, oitenta anos após o colapso do Terceiro Reich, isso faz de um partido fascista a segunda força mais forte no Bundestag.
A questão crucial agora é como a luta contra o fascismo e a guerra deve ser travada.
Durante a campanha eleitoral, o SPD, o Partido Verde e a CDU fizeram tudo para redirecionar a indignação com suas políticas de guerra e austeridade contra os membros mais vulneráveis da sociedade. Eles organizaram uma vil campanha de difamação contra os refugiados. O candidato a chanceler da CDU, Friedrich Merz, fez até mesmo um pacto com a AfD e apresentou uma moção no parlamento contra os migrantes junto com os fascistas.
O resultado foi a normalização e o fortalecimento da AfD. Ao mesmo tempo, a AfD pôde se apresentar como opositora do establishment porque os sindicatos suprimiram sistematicamente qualquer luta contra os cortes de empregos e sociais, e apoiaram a política de guerra do governo. No início da campanha eleitoral, por exemplo, o sindicato IG Metall concordou sem resistir com a destruição de 35 mil empregos na Volkswagen e uma redução de até 20% dos salários.
Sob essas condições, a revolta contra a catástrofe social se transformou em desespero e formou um terreno fértil para a AfD. Isso foi particularmente verdadeiro no leste da Alemanha, onde o SPD, o CDU e o partido A Esquerda (Die Linke) produziram uma catástrofe social desde a restauração do capitalismo. Lá, a AfD se tornou de longe a força mais importante com 36,2% dos votos. Entre os trabalhadores, o partido recebeu 38% dos votos em todo o país, mais do que o dobro de qualquer outro partido.
No entanto, a agitação contra os refugiados e a demagogia social não podem esconder para sempre que a AfD representa os interesses das seções mais gananciosas do capital financeiro. Partidos fascistas também estão sendo levados ao poder em numerosos outros países para esmagar os direitos democráticos e sociais da classe trabalhadora, e todos os obstáculos à crescente riqueza dos ricos – de Viktor Orbán na Hungria a Giorgia Meloni na Itália, passando por Geert Wilders na Holanda a Javier Milei na Argentina e Donald Trump nos Estados Unidos.
Durante a campanha eleitoral, a AfD recebeu um apoio massivo de Elon Musk, o homem mais rico do mundo, que está organizando uma campanha de demolição social sem precedentes em nome do presidente dos EUA, Donald Trump.
É apenas uma questão de tempo até que a AfD seja levada ao governo na Alemanha também. Do ponto de vista da classe dominante, a trivialização dos nazistas e o ódio pelos migrantes da AfD não são obstáculos. Os únicos obstáculos atualmente são as divergências em torno da política externa para a União Europeia e a Ucrânia.
Porém, enquanto a AfD está sendo normalizada e abraçada pelos partidos tradicionais, a resistência aos fascistas está crescendo. Isso foi particularmente evidente nas semanas finais da campanha eleitoral. Após Merz ter derrubado o chamado cordão sanitário contra a AfD no início de fevereiro ao votar com os fascistas no parlamento, centenas de milhares de pessoas, predominantemente jovens, saíram às ruas e protestaram contra a AfD e a virada à direita do establishment político.
Politicamente, isso beneficiou um partido que contribuiu significativamente para os cortes sociais e a deportação de refugiados e está entre os mais surpreendidos com o aumento de membros e eleitores jovens que está enfrentando: o partido A Esquerda.
Embora o A Esquerda apresentasse apenas 3% nas pesquisas em janeiro, alcançou 8,8% nas eleições e entrou no Bundestag como uma fração parlamentar. Entre os jovens eleitores, tornou-se o partido mais forte com 25%, e também ficou em primeiro lugar no estado de Berlim, com 19,9%.
Existe uma enorme discrepância entre as esperanças que os jovens associam ao partido A Esquerda e o que ele realmente é. Os jovens querem se opor aos fascistas, rejeitam a agitação contra os refugiados e desejam salários razoáveis e aluguéis a preços acessíveis. Como o partido foi o único partido no Bundestag a focar sua campanha eleitoral em questões sociais – impostos sobre os ricos, aumento do salário mínimo e controle dos aluguéis – ele foi bem recebido.
Mas o partido A Esquerda não possui um programa para combater a virada à direita dos que estão no poder. Ele está espalhando a ilusão de que os principais partidos da classe dominante podem ser convencidos a mudar sua trajetória por meio de uma combinação de oposição parlamentar e pressão nas ruas.
O líder do partido A Esquerda, Jan van Aken, declarou na noite da eleição que seu partido estava “disposto a dialogar” para trabalhar junto com o novo governo em projetos legislativos, por exemplo. “Você não precisa necessariamente co-governar, você também pode mudar muita coisa e ganhar muito a partir da oposição extra-parlamentar,” explicou, referindo-se à sua experiência com o Greenpeace.
O partido A Esquerda afirma que é possível reformar o capitalismo, mas não aboli-lo. Mas essa é uma ilusão perigosa. A virada à direita das elites dominantes não é simplesmente o produto de políticas equivocadas que podem ser corrigidas com um pouco de pressão. A classe dominante em todos os lugares recorre à ditadura e à guerra porque está diante de uma profunda crise de seu sistema social.
Assim como no século XX, o capitalismo está novamente levando ao fascismo e à guerra. Isso pode ser visto mais claramente nos EUA.
A política do próximo governo será completamente dominada pela crise internacional do capitalismo. A classe dominante alemã está reagindo à fragmentação da OTAN e às medidas de guerra comercial de Trump se armando massivamente e se preparando para travar guerras por conta própria como a “potência líder” da Europa. Isso já ficou claro na noite da eleição.
Merz se manifestou a favor de fornecer mais armas à Ucrânia. Ele também disse que toda a fronteira da OTAN com a Rússia deve ser levada em consideração. No dia 24, Merz falou ao telefone com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o convidou para a Alemanha, apesar de um mandado de prisão internacional contra ele. Ao fazer isso, ele indicou que, como chanceler, irá continuar apoiando o genocídio contra os palestinos.
Segundo relatos da mídia, a CDU/CSU e o SPD estão negociando para aprovar um novo fundo especial para fornecer 200 bilhões de euros às forças armadas alemãs antes que o atual Bundestag seja dissolvido. O líder do Partido Verde, Habeck, explicou que uma “capacidade de defesa independente europeia” deve ser promovida muito mais rapidamente agora. “Agora realmente precisamos nos organizar na área da segurança, defesa militar, mas também contraespionagem, cibersegurança e também no setor econômico, e precisaremos de enormes quantias de dinheiro,” disse ele.
Essas “enormes quantias” deverão ser extraídas dos trabalhadores. Cortes massivos de empregos e salários no setor público, cortes nas aposentadorias, educação e saúde já estão planejados há muito tempo. Além disso, está acontecendo um massacre de empregos na indústria, por meio do qual as grandes corporações estão se preparando para a guerra comercial. Isso não é compatível com a democracia, mas requer o estabelecimento de uma ditadura.
O partido A Esquerda não fez nada para se opor a isso. Pelo contrário, onde quer que tenha assumido a responsabilidade de governar, ele não levou adiante reformas sociais, mas sim os piores ataques aos direitos dos trabalhadores. Em Berlim, cortou salários, educação e saúde como nenhum outro governo estadual. O seu único ministro-presidente até agora, Bodo Ramelow, deportou mais refugiados no estado da Turíngia do que em qualquer outro estado federal per capita.
A verdadeira posição do partido A Esquerda é particularmente clara na questão da guerra. O partido adotou amplamente a linha do governo federal. Em sua última conferência partidária, abandonou oficialmente suas frases pacifistas anteriores, saudou o envio de armas à Ucrânia e invocou o “direito de autodefesa” de Israel.
É impossível resolver um único problema ou prevenir uma catástrofe mundial sem derrubar o capitalismo. Mas o partido A Esquerda rejeita isso. Toda a sua política é orientada a paralisar a crescente mobilização contra a guerra, o fascismo e a desigualdade social por meio de apelos infrutíferos aos que estão no poder e subordinando os trabalhadores ao governo. Essa é a receita mais certa para fortalecer ainda mais os fascistas.
Pelo mesmo motivo, o partido trabalha em estreita colaboração com os aparatos burocráticos dos sindicatos, que sabotam qualquer medida séria no setor industrial e organizam cortes de empregos e sociais como “parceiros sociais” de corporações e governos.
O papel do partido A Esquerda na Alemanha se repete em diferentes formas internacionalmente. Os trabalhadores gregos tiveram a mesma experiência com o Syriza, o seu partido irmão, e os trabalhadores espanhóis tiveram a experiência com o Podemos. Diante da alternativa de seguir a vontade de seus eleitores ou os ditames dos bancos internacionais, eles optam pelos últimos – com consequências sociais catastróficas.
Nos EUA, os Socialistas Democráticos da América (DSA) fazem tudo que podem para sustentar o Partido Democrata, cujas próprias políticas de guerra e austeridade criaram as condições para o retorno de Trump. A revista Jacobin, que é afiliada aos DSA, respondeu às eleições na Alemanha com um artigo elogiando o partido A Esquerda, sob o título: “Após as eleições, a esquerda voltou a ter esperança novamente”.
O que preocupa os DSA não é apenas a situação na Alemanha, mas também nos Estados Unidos. Eles visam revitalizar figuras como Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez e bloquear a mobilização independente da classe trabalhadora.
A luta contra o fascismo, na Alemanha e em todo o mundo, exige o desenvolvimento da luta da classe trabalhadora. A luta contra demissões e cortes salariais deve ser conectada a uma mobilização política contra a guerra e o fascismo. Somente assim os trabalhadores podem defender direitos democráticos e se opor à oligarquia capitalista.
Isso requer superar a influência paralisante do aparato sindical e das organizações da pseudoesquerda, incluindo o partido A Esquerda na Alemanha. É necessário construir um movimento independente dos trabalhadores e da juventude contra a causa fundamental da barbárie: o capitalismo. Eles devem se opor ao crescimento do nacionalismo e da guerra com a unidade internacional dos trabalhadores.
O Partido Socialista pela Igualdade (Sozialistische Gleichheitspartei, SGP), a seção alemã do Comitê Internacional da Quarta Internacional, está lutando por esse programa. Em nosso manifesto eleitoral para as eleição federal, nós escrevemos:
A classe trabalhadora internacional é uma força social formidável, composta por 3,5 bilhões de pessoas – 55% a mais do que em 1991. Ela cria toda a riqueza social ao mesmo tempo em que suporta todo o peso da guerra e da crise. Uma catástrofe pode ser evitada somente se a classe trabalhadora intervir de forma independente na vida política e transformar a sociedade sobre bases revolucionárias – expropriando os grandes bancos e corporações e colocando-os sob controle democrático.
A luta por esse programa socialista é hoje de importância decisiva. Fazemos um apelo a todos os leitores na Alemanha para que se registrem como apoiadores ativos do SGP, e para que trabalhadores e jovens em todo o mundo se juntem aos nossos partidos irmãos e construam o Comitê Internacional da Quarta Internacional.