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Coalizão argentina pseudoesquerdista FIT-U se junta a seção do governo peronista em “frente única”

Publicado originalmente em 26 de maio de 2023

No dia 18 de Maio, a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores – Unidade (FIT-U) argentina co-organizou uma “Passeata Federal” no centro de Buenos Aires com várias organizações que pertencem diretamente ao governo do presidente Alberto Fernandez. Ostensivamente organizada para protestar contra a austeridade social, vários meios de comunicação e funcionários da FIT-U apresentaram esse evento como uma “frente unida” com os peronistas.

A passeata incluiu grandes contingentes dos movimentos “piquetero” liderados pelo Partido Obreiro (PO) e pelo Movimento Socialista dos Trabalhadores (MST), bem como representantes do Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) – todos eles principais parceiros da FIT-U.

Os “piqueteros” surgiram espontaneamente em meio à crise econômica dos anos 1990, sob a forma de passeatas e bloqueios de estradas por milhares de trabalhadores lançados no desemprego ou em condições de trabalho precárias e em grande parte informais, onde exigiram emprego, formação, assistência social e outros direitos sociais. Os organizadores peronistas e de pseudoesquerda formaram organizações para colocar seus protestos sob controle.

Líder do Polo Obrero Eduardo Belliboni (esquerda) abraçando Juan Grabois em manifestação, 31 de março de 2022 [Photo: Twitter]

A Passeata Federal foi liderada pelas organizações peronistas “piquetero”, incluindo, sobretudo, a coligação Unidad Piquetera e a União de Trabalhadores da Economia Popular (UTEP), fundada e co-liderada por Juan Grabois, que é também autoridade do Vaticano e candidato presidencial da coligação peronista “Frente de Todos”. A UTEP é atualmente liderada por Esteban “Gringo” Castro, um amigo próximo e organizador “favorito” do presidente Fernández.

Embora essas forças já tivessem organizado manifestações conjuntas contra o FMI, a Passeata Federal e a conferência de imprensa que a anunciou uma semana antes possuíram o caráter de comícios políticos conjuntos.

A passeata ajuda a preparar um bloco eleitoral entre a principal coligação de pseudoesquerda na Argentina, que recebeu 1,2 milhão de votos a nível nacional em 2021, e uma seção do principal partido burguês no país.

Porém, mesmo que, neste momento, os peronistas decidam contra essa coligação, a FIT-U já prestou um importante serviço aos cálculos eleitorais de uma seção da “Frente de Todos”.

A Passeata Federal foi amplamente noticiada pela mídia corporativa. Vários milhares de participantes andaram até à emblemática Plaza de Mayo e depois até o ministério do Desenvolvimento Social, onde fizeram piquetes durante algumas horas, bloqueando ruas, até que as autoridades aceitassem se reunir com eles. Essa é uma encenação que já realizaram várias vezes.

O principal slogan dos protestos foi “Expulsem Tolosa Paz e o FMI”, referindo-se à odiada ministra do Desenvolvimento Social, Victoria Tolosa Paz, e ao acordo com o programa de austeridade entre o governo de Fernández e o FMI.

Os representantes da FIT-U também aproveitaram o evento para desviar a crescente oposição à burocracia sindical de forma mais geral. Por exemplo, o PTS apelou aos chamados “sindicatos recuperados”, liderados por autoridades de pseudoesquerda, para que se unissem aos peronistas, enquanto faziam apelos às confederações sindicais peronistas CGT e CTA para que organizassem uma “greve geral”.

Durante a passeata, Eduardo Belliboni, o líder do movimento “piquetero” do PO, chamado Polo Obrero, declarou: “Centenas de milhares de pessoas participarão em todo o país nesta ação, que não apaga as nossas discordâncias com a UTEP, porque eles contribuem para um governo de austeridade, e nós lutamos contra isso. Mas vamos estar unidos pelas nossas reivindicações, que é sempre o que realmente importa”.

Gabriel Solano, líder do PO e potencial candidato à presidência, disse: “Estamos exigindo daqui que os sindicatos rompam com o governo, que cumpram a sua responsabilidade. Não está certo que a CGT faça comícios eleitorais para apoiar [o ministro da Economia] Massa, quando ele deveria estar defendendo os trabalhadores”.

A afirmação de que os seus aliados peronistas apenas “contribuem” com o governo e a exigência de que rompam com ele apenas servem para esconder o caráter dessas forças, que pertencem abertamente ao governo capitalista no poder, enquanto ele implementa um ataque histórico contra o nível de vida a mando do capital financeiro global.

O líder do Movimiento Evita, Emilio Pérsico, é o secretário para Economia Social no ministério do Desenvolvimento Social. Pérsico declarou: “Apoiaremos este governo até o seu último dia”, e as suas críticas retóricas não são indício de que isso vá mudar. Várias autoridades dos “piqueteros” também pertencem a conselhos consultivos do governo.

Para além disso, essas organizações gerem massivos fundos do ministério do Desenvolvimento Social, enquanto a UTEP e outros sindicatos gerem fundos multimilionários chamados “obras sociais” para contratar redes de saúde privadas (em muitos casos propriedade das suas próprias famílias e sócios) para os seus membros. Camufladas como organizações de protesto, elas são na realidade ramos da burocracia estatal, independentemente do partido que está no poder.

A passeata confirmou rapidamente os alertas feitos durante anos pelo World Socialist Web Site sobre essa traição. Apenas três semanas antes da passeata, o WSWS escreveu: “O histórico da pseudoesquerda argentina mostra que os apelos à ‘unidade’ não passam de esforços descarados para formar uma coligação como o Syriza” – a “Coligação da Esquerda Radical” que foi eleita na Grécia em 2015 prometendo se opor aos ditames de austeridade do FMI, mas que acabou por impor medidas ainda mais draconianas do que aquelas dos seus antecessores.

Isso não possui nenhuma relação com uma “frente unida”, tal como é entendida pelos marxistas: um conjunto de medidas imediatas, práticas e concretas dos partidos e organizações da classe trabalhadora para defender os trabalhadores e as suas organizações do ataque repressivo do seu inimigo de classe.

A pseudoesquerda afirma que os participantes na passeata e todos os sindicatos são “organizações de trabalhadores” com base na alegação de que gozam de uma adesão em massa dos trabalhadores. Com base nesse padrão, o Vaticano, onde seu amigo Grabois é uma autoridade, assim como os partidos peronistas e a burocracia sindical peronista são todos “organizações de trabalhadores”.

Juntamente com todas as outras organizações trabalhistas e reformistas de base nacional, a burocracia peronista respondeu à globalização da produção e do capital financeiro abandonando todos os esforços sérios em defesa do padrão de vida e dos direitos dos trabalhadores, a fim de extrair concessões e atrair capital. Assim como os aparatos sindicais em outros lugares, os sindicatos peronistas são controlados por uma burocracia nacionalista e pequeno-burguesa que é profundamente hostil à classe trabalhadora e integrada no Estado capitalista.

A Passeata Federal provocou críticas limitadas do Política Operária, uma fração substancial expulsa do PO em 2019, liderada por Jorge Altamira. O grupo fez passeatas separadamente em 17 de maio, exigindo que o ministério do Desenvolvimento Social recebesse sua lista de demandas econômicas e as ouvisse. O grupo manteve a sua própria fração “piquetero”, denominada “Tendencia” Polo Obrero.

Tal como a Passeata Federal oficial, a “Tendencia” bloqueou a Avenida 9 de Julho até conseguir uma reunião com o governo.

O Política Operária condenou os seus antigos camaradas por se tornarem “tropas para as manobras da UTEP e da Grabois... um adereço do Estado”, acrescentando que “estamos assistindo uma completa violação dos princípios básicos da independência de classe”.

No entanto, tanto o Polo Obrero “Oficial” como a “Tendencia” cumprem o papel de adereços da burocracia sindical e do governo peronista, fazendo com que as seções mais empobrecidas e setores informais da classe trabalhadora acreditem que tudo o que podem esperar é manter conversações com as autoridades capitalistas de direita enquanto protestam para pressionar elas e os seus apoiadores sindicais.

De fato, esse foi sempre o objetivo do Polo Obrero. Na declaração de 1999 que pedia a sua formação, o Partido Obrero avisou que as lutas contra os ataques sociais estavam ocorrendo cada vez mais e “fundamentalmente fora dos sindicatos”, incluindo os movimentos “piqueteros” e os “auto-organizados”. Em resposta, o PO propôs “outra estratégia e outra direção” que afirmaria estar lutando para “expulsar a burocracia e renovar os sindicatos como órgãos da luta de classes”.

Hoje, tal como a UTEP e outras organizações “piquetero”, o Polo Obrero não funciona de forma diferente de uma burocracia sindical e é financiado através de mensalidades que chegam a centenas de milhões de pesos por ano.

O oportunismo da constelação de tendências de pseudoesquerda na Argentina foi de fato resumido pelo Política Operária em um artigo que tentava conciliar o seu atual chamado por uma coligação eleitoral de toda a esquerda com as suas críticas à FIT-U. O seu antigo legislador e principal membro, Marcelo Ramal, escreveu em 16 de maio:

“Todas as frentes, se pensarmos seriamente, são formações oportunistas porque agrupam diferentes posições e estratégias. Em certas circunstâncias, com tudo, podem permitir que o ‘movimento real’ avance. É muito melhor uma frente entre organizações com programas perfeitamente distinguidos entre si do que a dissolução em um partido comum”.

Essa formulação abre a porta para “frentes” com qualquer força política, desde que seja caracterizada como parte do “movimento real”.

As origens do MST, do PTS e do Esquerda Socialista na FIT-U remontam à implosão do Movimento ao Socialismo após a morte do seu líder, Nahuel Moreno, em 1987, que havia rompido com o Comitê Internacional da Quarta Internacional para se juntar ao Secretariado Unificado pablista em 1963.

Junto com o degenerado Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) nos Estados Unidos, que anteriormente havia liderado a luta do CIQI contra o pablismo, Moreno usou a Revolução Cubana de 1959 liderada por Fidel Castro e Che Guevara para abandonar abertamente o trotskismo. Juntamente com os pablistas, Moreno sustentava que um movimento de guerrilha pequeno-burguês havia realizado uma revolução socialista e o estabelecimento de um Estado operário em Cuba, provando que o desenvolvimento de um partido marxista na classe operária já não era necessário.

O PO foi fundado em 1964 por Jorge Altamira como um grupo de classe média radicalizado pela Revolução Cubana que havia pertencido ao guevarista Movimento de Esquerda Revolucionária (Praxis), fundado por Silvio Frondizi. O PO tinha como objetivo “reagrupar” todas as tendências que se diziam trotskistas e, desde então, tem trabalhado para dar uma cobertura “revolucionária” a pablistas, morenistas, lambertistas e, mais recentemente, a stalinistas russos.

O meio da pseudoesquerda na Argentina e internacionalmente fala por camadas da classe média que encontram na sua acomodação política às burocracias existentes que defendem o capitalismo uma ferramenta para desarmar politicamente a classe trabalhadora e avançar as suas carreiras na política, nos sindicatos, na academia e outros círculos.

Essas forças não apenas se adaptaram a seções da classe dominante argentina, que em última análise fazem as vontades do imperialismo americano – por exemplo, o partido Frente Patria Grande de Grabois juntou-se a um voto unânime dos peronistas no congresso a favor de receber as tropas dos EUA na Argentina. A FIT-U se alinhou diretamente com o imperialismo americano, com vários dos seus principais parceiros apoiando e enviando fundos e voluntários para a guerra da OTAN contra a Rússia na Ucrânia.

À medida que a pseudoesquerda acelera os seus preparativos para outra traição histórica da classe trabalhadora, a construção de seções do CIQI na Argentina e em toda a América Latina como a genuína liderança trotskista da classe trabalhadora internacional é urgente.

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