Publicado originalmente em 10 de fevereiro de 2023
Um movimento de greves em massa irrompeu na Europa, atraindo milhões de trabalhadores de todas as partes do continente. O que está se desenvolvendo não é uma série de lutas sindicais nacionais que possam ser resolvidas por negociações isoladas com um ou outro governo capitalista. Ao invés disso, é uma luta política internacional, pois os trabalhadores levantam demandas similares em todos os países e são recebidos com repressão policial e ameaças legais de governos que estão desacreditados e são amplamente desprezados.
Enquanto afirmam que não podem fazer concessões às crescentes demandas das massas, os governos europeus de todos os tons – conservadores, socialdemocratas e verdes – estão promovendo irresponsavelmente a escalada da guerra da OTAN com a Rússia na Ucrânia. Eles estão gastando centenas de bilhões de euros e libras em suas forças armadas e armando o regime ucraniano até os dentes com tanques, caças, mísseis e outras armas. Eles estão colocando em movimento o início de uma Terceira Guerra Mundial, com um custo que será carregado pelas classes trabalhadoras de todos os países.
O caráter criminoso desses governos é fortemente revelado por sua resposta ao desastre do terremoto na fronteira entre a Turquia e a Síria. Em meio a essa catástrofe social que deixou milhões de desabrigados e dezenas de milhares de mortos, as potências européias, em conjunto com Washington, mantiveram as devastadoras sanções contra a Síria, um país já destruído pela guerra da OTAN de 12 anos para a mudança de regime.
O que está surgindo em toda a Europa é uma situação objetivamente revolucionária. As alternativas estão tão gravemente colocadas como no início da Primeira Guerra Mundial há mais de um século. A classe capitalista mergulha a Europa e o mundo em uma guerra global entre países com armas nucleares, ou a classe trabalhadora toma o poder das mãos das belicistas elites dominantes.
Durante a Primeira Guerra Mundial, quase três anos se passaram até que a classe trabalhadora fizesse a sua primeira grande contraofensiva política contra a guerra: a Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia derrubou o czar e, na Revolução de Outubro de 1917, a classe trabalhadora chegou ao poder, liderada pelo Partido Bolchevique sob Vladimir Lenin e Leon Trotsky. Hoje, porém, mesmo enquanto a burguesia ainda procura arrastar a humanidade para a Terceira Guerra Mundial, a classe trabalhadora está lançando uma onda de poderosas lutas.
Os sentimentos que levam milhões à luta possuem um caráter incipientemente anticapitalista, antimilitarista e socialista. Após décadas de resgates pelo governo entregando trilhões de euros e libras aos superricos, os trabalhadores rejeitam com raiva políticas de austeridade que retiram aposentadorias e serviços sociais fundamentais, ou contratos que cortam os salários reais em meio a uma onda inflacionária global. Eles não aceitam o empobrecimento com o objetivo de desviar a enorme riqueza social para uma guerra total com a Rússia.
Na França, três milhões de trabalhadores entraram em greve contra o plano de Macron de cortar dezenas de bilhões de euros das aposentadorias, elevando a idade mínima para se aposentar. Essa oposição cresceu após Macron anunciar um aumento de 40% nos gastos militares e o envio de tanques para a Ucrânia para a guerra com a Rússia, e lançou dezenas de milhares de tropas de choque da polícia para atacar os grevistas. As pesquisas mostram que 70% se opõem aos cortes de Macron na aposentadoria e que 60% apoiam uma explosão social para parar a economia e interromper os cortes – na prática, uma greve geral contra Macron.
No Reino Unido, ferroviários, trabalhadores dos correios, de telecomunicações, enfermeiros, paramédicos, professores e funcionários públicos se juntaram a uma onda de greves que chegou ao seu sétimo mês e abrange milhões. As greves continuam apesar das constantes tentativas de cancelá-las pela burocracia sindical e diante dos planos do governo para criminalizar as greves em principais indústrias e serviços.
Na Turquia, onde ocorreram mais de 100 greves selvagens no ano passado contra o aumento do custo de vida e greves gerais dos trabalhadores da saúde, a revolta social entre as massas trabalhadoras está caminhando para uma explosão revolucionária. O fato de que o terremoto, que já causou mais de 20 mil mortes em dez cidades habitadas por 13 milhões de pessoas, foi previsto muito antes sem que nenhuma medida fosse tomada, e as vítimas foram em grande parte abandonadas à própria sorte, está alimentando a revolta das massas em todo o país.
Na Alemanha, as greves estão crescendo contra o impacto devastador da inflação sobre os salários reais, agravado pelo corte das exportações russas de energia para a Europa. Dois milhões e meio de professores, trabalhadores dos correios, trabalhadores de hospitais e de saneamento, trabalhadores dos transportes e outros funcionários públicos estão envolvidos em “greves de aviso” em meio a negociações contratuais que envolvem grandes cortes salariais. Existe enorme oposição popular ao plano do establishment político para remilitarizar completamente a Alemanha para a guerra com a Rússia.
O padrão se repete em toda a Europa, com o Daily Mail do Reino Unido denunciando o “caos”, porque “o movimento na indústria está dominando as economias da Europa”. Na Itália, trabalhadores de linhas aéreas e aeroportos, trabalhadores ferroviários, educadores e trabalhadores de transportes regionais estão realizando paralisações este mês. Na Espanha, controladores de tráfego aéreo, trabalhadores de linhas aéreas, trabalhadores do setor de saúde, funcionários da Amazon e professores entraram em greve. Em Portugal, as greves estão no seu auge dos últimos dez anos, incluindo as manifestações de trabalhadores ferroviários, médicos e educadores.
De particular importância são as ações dos trabalhadores da saúde, educação e transporte em cada vez mais países, que foram obrigados a carregar o peso da doença e da morte causada pela rejeição de qualquer política científica para conter o espalhamento da COVID-19 pelos governos europeus.
O pânico e o medo na classe dominante causados pelas crescentes demandas das massas são uma grande força motriz por trás de sua escalada de guerra com a Rússia. Tendo perdido completamente a cabeça, ela está fazendo uma aposta desesperada e imprudente de que a escalada da guerra irá permitir a ela ao menos suprimir temporariamente o crescimento da luta de classes.
Ao invés disso, a oposição à guerra está se tornando um fator decisivo nos protestos sociais e políticos e no confronto político aberto entre os capitalistas e os trabalhadores. Neste mês, cerca de 50 mil pessoas se manifestaram na capital dinamarquesa, Copenhague, contra os planos para cancelar um feriado público com o objetivo de ajudar a financiar o aumento nos gastos militares. Repetidamente, grevistas em toda a Europa apontam que não existe dinheiro para salários e serviços sociais como saúde pública e pensões, mas não existe limite para os aumentos no orçamento de guerra.
No primeiro ano da Primeira Guerra Mundial, o líder bolchevique, Vladimir Lenin, então um exilado político aparentemente isolado na Suíça, insistiu que a erupção da guerra mundial também criou as condições objetivas para a revolução socialista mundial. Ele foi irreconciliavelmente contrário aos socialdemocratas europeus que apoiaram a guerra mundial e negaram que a revolução fosse possível. Lenin indicou que uma situação revolucionária é caracterizada pelos
três principais sintomas seguintes: (1) Quando é impossível para as classes dominantes manter sua ordem sem nenhuma mudança...; (2) Quando o sofrimento e a necessidade das classes oprimidas cresceram mais do que o normal; (3) Quando, como conseqüência das causas acima, há um aumento considerável na atividade das massas... em ação histórica independente.
Um século depois, a análise de Lenin esclarece o caráter objetivamente revolucionário da crise ocorrendo na Europa. A burguesia européia não pode mais governar da maneira antiga, como fazia no período após a restauração do capitalismo no Leste Europeu pelas burocracias stalinistas e sua dissolução da União Soviética em 1991.
Desde 1991, ela travou guerras da OTAN no exterior – no Iraque, Iugoslávia, Afeganistão, Líbia, Síria, Mali e além – e levou a cabo implacável austeridade doméstica. Ela repudiou completamente o disfarce reformista que adotou no período após a derrota da Alemanha nazista pelos soviéticos na Segunda Guerra Mundial, e promove abertamente hoje partidos fascistas e formas de governo de Estado policial. Ela é uma aristocracia financeira grotescamente parasitária, cuja riqueza depende da incessante escalada militar no exterior e da especulação frenética na bolsa de valores, impulsionados por cortes sociais e distribuições de dinheiro público em resgates bancários domésticos.
A pandemia de COVID-19 foi um evento desencadeador na história mundial, levando os conflitos de classe que se desenvolveram ao longo de décadas a um pico de intensidade qualitativamente novo. A riqueza de papel da elite dominante foi enormemente inflada por uma nova rodada de resgates bancários, mas foi desacreditada por sua indiferença à morte e ao sofrimento em massa. Ela respondeu com um deslocamento brusco para a direita, impulsionando uma guerra suicida com a Rússia e intensificando a repressão militar-policial de protestos domésticos.
Para a classe trabalhadora, a pandemia significou uma intensificação drástica do sofrimento e da miséria. Dois milhões de pessoas morreram por COVID-19 na Europa, enquanto a súbita injeção de dinheiro proveniente de novos resgates bancários massivos desencadeou uma espiral inflacionária. A onda internacional de lutas que a classe trabalhadora lançou em toda a Europa contra os contratos de concessões e o “diálogo social” entre as burocracias sindicais nacionais e as classes dirigentes constitui a sua entrada em ação histórica independente.
A revolta social explosiva está alimentando o movimento de greve da classe trabalhadora em todo o continente, que é uma expressão avançada de uma erupção global emergente da luta de classes. A questão decisiva é desenvolver na classe trabalhadora a consciência de que as suas lutas contra os empregadores ou os governos nacionais são parte de uma ofensiva objetivamente unida e internacional da classe trabalhadora contra o capitalismo.
Os trabalhadores, que criam a riqueza da atual sociedade de massa globalmente integrada, possuem o direito de decidir como essa riqueza será utilizada e devem esmagar o domínio da aristocracia financeira sobre a economia de modo a atender às necessidades sociais essenciais e deter a guerra em constante expansão. O desenvolvimento de tal entendimento entre as camadas avançadas da classe trabalhadora irá estabelecer a base para unificar essas lutas em uma luta contra a guerra imperialista e pelo socialismo.
Parar a guerra e pôr fim à austeridade exige a construção de organizações de luta poderosas e internacionais nos locais de trabalho e nas escolas, independentes da burocracia sindical. Cada greve que começa confirma o fato de que a burocracia sindical trabalha para subordinar os trabalhadores aos seus acordos com os empregadores e com o Estado capitalista, e à sua defesa da política de guerra da classe capitalista em cada país. É somente com novas organizações de luta que a classe trabalhadora pode se unir internacionalmente contra as demandas por austeridade dos bancos e contra a guerra da OTAN com a Rússia.
O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), o movimento trotskista mundial, chama e luta pela construção da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB) como componente essencial da luta contra a austeridade e a guerra. O fato de que o momento é propício para essa iniciativa se torna cada vez mais claro à medida que a luta de classes evolui para a erupção de greves gerais em toda a Europa.
As enormes tarefas políticas enfrentadas pelo movimento da classe trabalhadora colocam na ordem do dia a construção do CIQI como sua liderança política internacional.
Mesmo a maior greve geral não irá impedir a entrada do capitalismo na Terceira Guerra Mundial e seus implacáveis ataques sociais e repressão à classe trabalhadora. A classe trabalhadora deve estar armada com um entendimento claro de que todas as forças do establishment político a enfrentam como inimigos resolutos. A crise não pode ser resolvida tentando eleger mais governos capitalistas de esquerda, mas apenas através luta para transferir o poder para as organizações construídas pela classe trabalhadora em sua luta, de modo a estabelecer o poder dos trabalhadores e o socialismo em toda a Europa e internacionalmente.
No governo ou na oposição, os antigos partidos reformistas, como os socialdemocratas na Alemanha e o Partido Trabalhista britânico, são ferozes partidários da austeridade e da guerra. Os descendentes políticos pseudoesquerdistas de partidários da falsa teoria do “socialismo em um país” de Stalin e os pequeno burgueses renegados do trotskismo também não representam uma alternativa.
O abastado meio das forças de classe média como o Die Linke na Alemanha, o Novo Partido Anticapitalista (NPA) e Jean-Luc Mélenchon na França, o Podemos na Espanha e o Syriza (a “Coalizão da Esquerda Radical”) está exposto pelo seu histórico. No poder na Grécia, o Syriza abandonou suas promessas de pôr fim à austeridade, e ao invéis disso cortou as aposentadorias e gastos sociais e construiu campos de concentração para refugiados. O Podemos, hoje no poder, está armando o Batalhão de Azov neonazista ucraniano, resgatando os bancos e enviando a tropa de choque da polícia para agredir caminhoneiros e metalúrgicos em greve.
Jeremy Corbyn e seus apoiadores pseudoesquerdistas, trazidos para a liderança do Partido Trabalhista britânico, recusaram-se a conduzir qualquer luta contra a ala direita do partido e entregaram a liderança de volta ao oponente declarado das greves e raivoso belicista, Keir Starmer. Forças como Mélenchon e o Die Linke ganharam milhões de votos nas eleições, mas evitaram estritamente qualquer apelo pela mobilização do sentimento em massa contra a guerra.
A alternativa a esse meio de direita pró-guerra é a defesa do marxismo pelo CIQI e a perspectiva da Revolução Permanente que sustentou a Revolução de Outubro. Ela fornece a base política e histórica para uma luta da classe trabalhadora para expropriar a aristocracia financeira, derrubar o capitalismo e construir os Estados Unidos Socialistas da Europa.
O CIQI na Europa e internacionalmente irá responder à escalada da guerra e da crise revolucionária intensificando a luta pela consciência revolucionária marxista na classe trabalhadora. Um abismo permanece entre a escala do movimento e seu potencial revolucionário objetivo e a influência residual das forças de classe hostis, que deve ser superado através de uma luta decidida. Vamos lutar para transformar o crescente movimento revolucionário da classe trabalhadora em um movimento consciente pelo socialismo. Isso significa construir o CIQI e suas seções como os novos partidos de massa da revolução socialista.