Português
Perspectivas

A classe trabalhadora, o socialismo e a luta contra a pandemia

Publicado originalmente em 1˚ de abril de 2020

No Programa de Transição, o documento de fundação da Quarta Internacional, Leon Trotsky descreveu as ocupações de fábrica que ocorreram nos Estados Unidos em 1936-37, em meio à Grande Depressão, como a expressão do “esforço instintivo dos operários estadunidenses a se elevarem à altura das tarefas impostas pela história”.

Essa compreensão do grande estrategista do socialismo internacional do século XX fornece uma estrutura historicamente fundamentada para entender o significado da erupção de greves e protestos selvagens de trabalhadores da Instacart, Amazon e Whole Foods. Também houve relatos de protestos de trabalhadores da General Electric em Massachusetts e Kentucky, trabalhadores da Perdue na Geórgia e enfermeiros em San Francisco. Todas essas ações aconteceram em resposta à subordinação criminosa da segurança dos trabalhadores aos lucros corporativos.

A característica de toda grande crise é que ela revela as contradições que se acumularam e foram suprimidas por décadas. Tudo o que é retrógrado, anacrônico, corrupto e, no sentido mais profundamente objetivo, absurdo e até irracional na organização econômica, na estrutura social, na liderança política e na ideologia dominante da sociedade existente, é brutal e amplamente exposto.

Aquilo que foi glorificado é subitamente desprezado. Os heróis cujas realizações foram elogiadas tornam-se objetos de desprezo universal. A visão daqueles que representam ou defendem o establishment dominante evoca entre as massas um sentimento de indignação, raiva e nojo.

A pandemia é uma crise como tal. Em questão de poucas semanas, ela desacreditou aos olhos de milhões de pessoas a ordem social, política e econômica existente. Os Estados Unidos, de longe o país mais rico do mundo, com os maiores bancos e corporações, e o lar do maior número de bilionários, provaram ser incapazes de organizar qualquer coisa parecida com uma resposta efetiva à doença.

Não havia nenhum plano para desacelerar e deter a propagação do vírus da COVID-19. O perigo de uma pandemia letal tem sido objeto de inúmeros estudos médicos e relatórios governamentais nas últimas duas décadas. Esses alertas foram subestimados e ignorados. Para um sistema econômico e político cujo objetivo principal era o enriquecimento de uma oligarquia parasitária, o desvio de recursos financeiros para áreas de pesquisa e produção que não geravam grandes lucros era visto como um desperdício de tempo e dinheiro.

O resultado dessa política social reacionária agora é visto no cada vez maior panorama de morte, à medida que a pandemia se espalha por Nova York, Boston, Detroit, Chicago, Nova Orleans e Los Angeles. Nenhum estado ou cidade grande pode esperar ser poupada. As áreas rurais, que não escapam à pandemia, carecem, em muitos casos, das instalações mais rudimentares para lidar com uma infecção em massa.

Os Estados Unidos, que gastam centenas de bilhões nos sistemas de armas mais avançados para suas múltiplas guerras em várias partes, não podem fornecer a seus hospitais respiradores artificiais ou máscaras e outros equipamentos de proteção a seus profissionais de saúde. Os testes necessários para rastrear e combater o vírus não estão disponíveis. Milhares de pessoas que se queixam de sintomas associados à COVID-19 são incapazes de saber com certeza se estão ou não infectadas.

Médicos, enfermeiros e todos aqueles que prestam apoio essencial aos pacientes trabalham de 15 a 18 horas por dia e correm o risco constante de contrair a doença. Os leitos hospitalares necessários para os doentes que necessitam desesperadamente de tratamento não existem. Os necrotérios estão superlotados. Mesmo aos mortos é negada a dignidade a que têm direito.

A crise expôs os interesses inconciliavelmente opostos que estão enraizados na sociedade estadunidense. Não há mentira maior do que “Nós (ou seja, capitalistas e trabalhadores) estamos nisso juntos”. Não, “Nós” certamente não estamos! A elite financeira e empresarial dominante e a classe trabalhadora enfrentam essa crise de maneiras totalmente diferentes, e suas preocupações e prioridades são mundos à parte.

Desde o início, a principal preocupação da elite financeira e corporativa e seus lacaios políticos nos partidos Democrata e Republicano tem sido proteger sua riqueza, e o sistema de lucro capitalista sobre a qual se sustenta, das consequências econômicas da pandemia. Não foi a taxa de infecção e o aumento do número de mortes que levaram o governo Trump e o Congresso a agir, mas a queda repentina e maciça dos valores das ações em Wall Street.

Como em 2008, mas agora em uma escala ainda maior, a classe dominante exigiu a injeção imediata de trilhões de dólares nos mercados financeiros e nos cofres das empresas. As palavras que sempre são usadas para negar aumentos salariais para os trabalhadores e justificar cortes maciços nos gastos com serviços sociais essenciais – “Não há dinheiro” – não eram ouvidas nos corredores do Congresso, que aprovou uma quantidade ilimitada de dinheiro para todos os bancos e empresas, sem restrições ou supervisão significativa sobre o uso dos fundos. O mais importante de tudo é que o resgate de seis trilhões de dólares – a segunda operação de resgate em um pouco mais de uma década – foi implementado sem comprometer nada da propriedade e riqueza capitalista. Quanto à esmagadora maioria da população, a quantidade de dinheiro dedicada às suas necessidades representava uma fração insignificante do pacote de resgate do Congresso.

A classe dominante deu um suspiro de alívio. Uma vez votado o resgate, o cassino de Wall Street voltou a funcionar e, em poucos dias, os valores das ações subiram 20%. Mas os trilhões entregues pelo Congresso dividido entre democratas e republicanos – uma demonstração de unidade da qual o senador Bernie Sanders participou – intensificaram a crise econômica subjacente gerada por décadas de parasitismo capitalista associado ao processo de financeirização – isto é, a separação cada vez maior da criação de dinheiro do processo real de produção. Por mais que os economistas burgueses veementemente neguem a teoria do valor-trabalho marxista, nenhuma economia capitalista pode sobreviver sem explorar a força de trabalho da classe trabalhadora. Como Marx observou sucintamente: “Toda criança sabe que uma nação que deixasse de trabalhar, não direi por um ano, mas mesmo por algumas semanas, pereceria”.

E assim, a exigência para se voltar rápido ao trabalho estava logo sendo levada adiante. O novo lema passou a ser: “A cura para a pandemia não pode ser pior do que a doença”. Ignorando os avisos explícitos de especialistas sobre a pandemia, Trump declarou que os trabalhadores devem voltar ao trabalho dentro de duas semanas. O fato de que essa decisão imprudente, se implementada, custaria centenas de milhares de vidas, era uma questão de indiferença para Trump.

Mas é justamente essa questão que fez explodir abertamente o conflito profundo e irreconciliável entre os interesses e objetivos da classe capitalista e aqueles da classe trabalhadora.

A exigência capitalista – endossada por parcelas substanciais da mídia – para voltar ao trabalho de maneira prematura e perigosa se opõe totalmente à insistência da classe trabalhadora de que a pandemia seja detida através da interrupção da produção de bens não essenciais e seguindo rigorosamente os procedimentos de segurança para proteger os trabalhadores cujo trabalho é essencial, tanto segundo seus interesses quanto do público que servem. Embora o governo Trump tenha agora – diante de um aumento exponencial na taxa de infecções e um crescente número de mortes – recuado de seu apelo para uma volta ao trabalho precoce, os interesses corporativos ainda estão privando os trabalhadores que prestam serviços essenciais à população de condições seguras das quais suas próprias vidas dependem.

As greves e protestos dos trabalhadores da Instacart, Amazon e Whole Foods e de outros setores da classe trabalhadora revelam não apenas a polarização de classes na sociedade. Eles são uma expressão inicial dos crescentes esforços da classe trabalhadora para avançar uma solução progressista para esta crise, uma solução que é produto das necessidades objetivas da humanidade como um todo.

Não há dúvida de que as ações dos trabalhadores da Instacart, Amazon e Whole Foods são apoiadas pela grande massa da classe trabalhadora. Para mobilizar e organizar esse apoio, nós chamamos os trabalhadores a formar comitês de base para coordenar suas lutas e construir a maior unidade possível entre todas as seções da classe trabalhadora.

As ações industriais exigem uma nova orientação política. É necessário romper com o sistema capitalista bipartidário republicano-democrata, totalmente dependente da classe capitalista. É vital que esse movimento, que insiste na prioridade absoluta da vida sobre os lucros, adquira uma direção politicamente consciente, ou seja, socialista. A luta contra a pandemia está inseparavelmente ligada à luta da classe trabalhadora contra o capitalismo.

Com esse objetivo, o Partido Socialista pela Igualdade está avançando as seguintes demandas:

• Revogar o resgate corporativo de Wall Street e redirecionar imediatamente os recursos financeiros e industriais para combater a pandemia e fornecer a todos os profissionais de saúde, trabalhadores dos serviços e das indústrias todo o equipamento necessário para atender às pessoas atingidas pelo vírus e à sociedade como um todo em um ambiente seguro.

• Eliminar os lucros dos serviços médicos. Nacionalizar toda a indústria de assistência médica e farmacêutica sem compensação para grandes acionistas e executivos e coloca-la sob o controle democrático de trabalhadores, cientistas e pesquisadores.

• Nacionalizar a Amazon e outras indústrias de serviços vitais.

• Nenhuma redução ou perda salarial para os trabalhadores demitidos ou com jornada de trabalho reduzida durante toda a pandemia.

• Iniciar a colaboração global de cientistas e pesquisadores em uma luta mundial contra a pandemia. Pelo fim dos gastos com guerra e pelo investimento de trilhões no combate a doenças, ao aquecimento global e outras ameaças existenciais à vida neste planeta.

Ao avançar este programa, afirmamos abertamente que sua realização está ligada à transferência do poder político para a classe trabalhadora, apoiada por todas as forças progressistas da sociedade.

Esta declaração está focada no desenvolvimento dos eventos nos Estados Unidos. Mas a pandemia é uma crise global e as mesmas questões sociais e políticas estão colocadas em todo o mundo. Todos os países – e muitos com recursos que são apenas uma fração dos disponíveis nos Estados Unidos – estão enfrentando a tragédia dessa pandemia. É por isso que a luta contra a pandemia requer a unidade da classe trabalhadora em escala mundial. Não há lugar para o chauvinismo nacional e a política de grandes potências nessa luta.

Há um século, em meio à Primeira Guerra Mundial, a socialista revolucionária Rosa Luxemburgo disse que as alternativas que confrontavam a humanidade eram socialismo ou barbárie.

Hoje, as alternativas são o sistema capitalista de lucro e a morte, de um lado, ou o socialismo e a vida, do outro.

Chamamos a todos aqueles que reconhecem a necessidade dessa luta pelo poder operário e pelo socialismo para que se juntem ao Partido Socialista pela Igualdade.

Loading