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Perspectivas

A derrota eleitoral do Syriza: um balanço de uma traição política

Publicado originalmente em 9 de Julho de 2019

A derrota eleitoral no domingo do governo do Syriza (“Coalizão Radical de Esquerda”) traz ao fim uma experiência estratégica para a classe trabalhadora grega e internacional.

Há quatro anos, quando o primeiro-ministro Alexis Tsipras chegou ao poder prometendo acabar com o Memorando de austeridade da União Europeia (UE), toda a pseudo-esquerda de classe-média declarou que a vitória do Syriza era um enorme triunfo para a classe trabalhadora e uma alternativa “radical” ao capitalismo.

Essas forças sustentaram o Syriza como um modelo para todos os partidos e líderes políticos “dos 99%” – desde o Podemos na Espanha, passando pelo líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, até o candidato autointitulado “socialista” dos EUA, Bernie Sanders.

Ao invés disso, o Syriza impôs uma série de medidas de austeridade mais agressivas do que qualquer governo na história moderna, com exceção do Partido Comunista stalinista em sua dissolução da URSS, ao mesmo tempo que transformava o país em um quase estado policial e levava adiante a mais draconiana política contra os refugiados de toda a Europa.

Quatro anos depois, um eleitorado frustrado e empobrecido expulsou Tsipras do poder. Com uma abstenção em massa, a odiada Nova Democracia (ND) de direita retornou ao poder.

Um silêncio ensurdecedor impera no Cuarto Poder da Espanha, no Socialist Worker britânico e na revista Jacobin estadunidense sobre as razões dessa derrota. Porém, esse foi o previsível desfecho da enorme traição do Syriza de suas promessas eleitorais. Desde que chegou ao poder em janeiro de 2015, ele obedientemente assinou todos os memorandos de austeridade, resgates de bancos e cortes sociais exigidos pela UE.

Esses quatro anos confirmaram a análise do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) sobre o abismo de classes que separa os trabalhadores dos partidos “populistas de esquerda” da classe média abastada. Essas organizações não têm nada a ver com o socialismo. Se os professores universitários, agentes da mídia e burocratas sindicais que lideram o Syriza pudessem falar francamente sobre o que pensam do desfecho reacionário de seu mandato, eles diriam: “Missão cumprida”.

Em 2012, quando Tsipras viajou a Washington para ser ouvido diante da CIA em meio à crescente oposição da classe trabalhadora contra a austeridade da UE imposta pela ND, o WSWS alertou: “Nas lutas de classe que virão, o Syriza enfrentará os trabalhadores como um inimigo. Seu objetivo, seja dentro ou fora do governo, é de conter a oposição popular às políticas de austeridade e manter a dominação política do capital financeiro sobre a classe trabalhadora.”

Quando o Syriza foi eleito em janeiro de 2015, depois de um ano de greves e protestos contra a austeridade, o WSWS escreveu que o Syriza representava “um enorme perigo. Apesar de sua fachada de esquerda, o Syriza é um partido burguês que se sustenta em camadas abastadas da classe média... Apesar de seu líder, Alexis Tsipras, prometer aos eleitores diminuir (muito pouco) a terrível austeridade na Grécia, ele nunca se cansa de prometer aos representantes dos bancos e governos de outros países que eles não têm ‘nada a temer’ de um governo do Syriza.”

Por outro lado, o professor do King’s College de Londres e ex-membro do Syriza, Stathis Kouvelakis, escreveu na revista Jacobin na época: “O triunfo eleitoral do Syriza trouxe esperança para a esquerda radical e o movimento de trabalhadores europeus, oferecendo a ele uma imensa oportunidade”. Ele admitiu que a “orientação estratégica [do Syriza] em relação à UE também não é muito clara”, e que seu governo de coalizão com os Gregos Independentes de extrema direita era “um mal”. Ainda assim, ele previu que haveria uma luta: “O momento de verdade está próximo”.

Isso foi uma fraude tão grande quanto a promessa eleitoral de Tsipras de acabar com a austeridade da UE. Longe de tentar lutar, o Syriza ficou surpreso e perturbado com as manifestações em massa dos trabalhadores que explodiram após a sua eleição. Ele não possuía intenção de mobilizar a revolta da classe trabalhadora contra décadas de austeridade da UE desde a restauração stalinista do capitalismo na União Soviética em 1991, e especialmente desde a quebra de Wall Street em 2008.

O Syriza não apelou à oposição mais ampla na classe trabalhadora europeia e internacional. Ao invés disso, o então ministro das finanças, Yanis Varoufakis, viajou para as principais capitais da Europa para negociar uma política de austeridade um pouco modificada. Varoufakis disse posteriormente ao Observer que, nessas negociações, durante as quais ele elogiou publicamente a chanceler alemã, Angela Merkel, como a “política mais astuta” da Europa, ele propôs políticas econômicas do “padrão Thatcher ou Reagan”.

Foi por isso que – uma vez que Berlim, Londres e Paris indicaram que não diminuiriam as exigências de austeridade – o Syriza capitulou rapidamente e, descartando suas promessas de eleição, assinou um novo memorando de austeridade da UE em 20 de fevereiro de 2015. O Syriza possuía todos os poderes de governo para fazer um apelo internacional ao descontentamento na classe trabalhadora. Porém, ele não quis fazer esse apelo. Para impor os tipos de ataques que Thatcher e Reagan realizaram contra os trabalhadores britânicos e estadunidenses nos anos 1980, ele não poderia tolerar uma onda de greves e lutas da classe trabalhadora.

Em toda a primavera de 2015, o Syriza buscou justificar as dezenas de bilhões de euros em ataques sociais que estava preparando. Conforme a UE ameaçava cortar o crédito aos bancos gregos e forçar a Grécia a reestabelecer uma moeda nacional para impedir um colapso de seu sistema financeiro, Tsipras marcou um referendo sobre a política de austeridade da UE para julho de 2015. Esse referendo, relatou posteriormente o admirador do Syriza e pablista de longa data, Tariq Ali, era para Tsipras “um risco calculado. Ele pensou que o ‘Sim’ ganharia, e planejava renunciar e deixar os capangas da UE governarem”.

No entanto, a primeira tentativa de Tsipras devolver o poder para a direita fracassou. O voto no “não” ganhou por uma maioria de 61%, com os trabalhadores votando esmagadoramente contra a austeridade. Tsipras e o Syriza então ignoraram o resultado de seu próprio referendo, decidindo impor um pacote de austeridade de 13 bilhões de euros ditado por Berlim e Bruxelas.

Essa decisão teve origem nos interesses de classe do Syriza e na riqueza considerável de seus líderes. O WSWS constatou na época: “O deputado do Syriza, Dimitris Tsoukalas (que declarou possuir mais de €1 milhão em 2013), o ministro das finanças, Tsakalotos (cujo portfólio de investimentos vale mais de €500 mil), o ministro da economia, Giorgios Stathakis (€426 mil investidos no JP Morgan), o ex-líder do Syriza, Alekos Alavanos (€350 mil na poupança, um portfólio de investimentos e 11 propriedades), e o ex-ministro das finanças, Yanis Varoufakis (cuja esposa, Danae Stratou, é milionária), não são capazes de imaginar ou tolerar uma ruptura com a UE porque – como o resto da elite dominante grega – eles perderiam muito dinheiro se a Grécia deixasse a zona do euro e seus ativos fossem convertidos em uma moeda nacional pesadamente desvalorizada.”

O que isso significou para os trabalhadores na Grécia? Foi o maior colapso econômico na Europa desde a restauração stalinista do capitalismo na própria União Soviética. A produção econômica caiu 25%, rendimentos caíram mais de 30% e aposentadorias 50%, enquanto a taxa de pobreza subiu para 35%. A taxa de desemprego ainda está em 18% e, entre os jovens, é superior a 40%, mesmo depois do aumento do emprego na economia informal que o Syriza promoveu fortemente. Um em cada três trabalhadores gregos recebe um salário de meio período de trabalho de €317 por mês, ou metade do salário mínimo oficial.

A austeridade da UE supervisionada pelo Syriza destruiu milhões de vidas, jogando a classe trabalhadora décadas para trás. O fim do sistema de saúde universal significou um grande aumento de mortes por doenças evitáveis, ou porque os cânceres agora são descobertos apenas em estágios avançados da doença devido à suspensão dos exames. Nos locais de trabalho, os trabalhadores frequentemente são obrigados a pagar de volta uma parte dos seus salários para os empregadores como um pré-requisito para encontrar emprego, ou deixam de receber seus salários por longos períodos de tempo. Centenas de milhares de gregos foram obrigados a deixar seu país para encontrar emprego.

Aqueles que dizem que isso foi o resultado inevitável de uma luta desigual entre a Grécia e toda a UE estão apenas enganando a si próprios ou aos outros. Nos últimos anos, houve o maior aumento de greves e protestos sociais, em toda a Europa e outros continentes, em décadas, incluindo a primeira greve nacional de professores na Polônia desde a restauração stalinista do capitalismo em 1989, os protestos dos “coletes amarelos” na França e greves contra os congelamentos de salários da UE na Alemanha, Portugal e Bélgica.

O governo do Syriza se recusou a apelar e mobilizar essa oposição na classe trabalhadora internacional porque era liderado por um bando de gângsteres pequeno-burgueses determinados a salvar a riqueza dos bancos e se enriquecerem.

Desde 2015, o governo do Syriza preocupou-se em aperfeiçoar técnicas de repressão policial contra os trabalhadores. Tsipras, à medida que montava campos de concentração na Grécia para refugiados fugindo das guerras imperialistas na Síria e no Iraque, também fortaleceu a polícia de choque e cultivou uma relação com o açougueiro da revolução egípcia de 2011, o ditador militar, General Abdel Fattah el-Sisi. Existem poucas dúvidas de que, quando Tsipras deixar o governo, planos já foram feitos para que ele aumente sua riqueza pessoal.

Quatro anos do governo do Syriza ofereceram lições políticas devastadoras, que foram pagas com um alto preço pela classe trabalhadora internacional. A tarefa urgente é tirar as conclusões políticas dessas lições.

Essa experiência demonstrou, de maneira que nunca será esquecida, a impossibilidade de combater uma ordem capitalista falida votando em partidos “populistas de esquerda” para implementar reformas sob o capitalismo. A traição realizada pelo Syriza, que possui uma base social enraizada na pequena-burguesia abastada, se repetirá se partidos similares chegarem ao poder em outros lugares. O caminho a seguir é a perspectiva do marxismo clássico, isto é, do trotskismo: a mobilização revolucionária de todo o poder industrial e econômico da classe trabalhadora internacional para tomar o controle da vida econômica e o poder de estado.

A luta por essa perspectiva requer uma nova liderança revolucionária na classe trabalhadora. Essa liderança é o CIQI, que demonstrou através de sua oposição ao Syriza que fundamentalmente sua perspectiva de classes e sua orientação para a classe trabalhadora são corretas. A tarefa central agora é a construir o CIQI na Grécia e em todos os países.

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