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A Guerra Civil Espanhola e a Frente Popular

Abaixo segue a palestra realizada na escola de verão do Socialist Equality Party (SEP — Partido da Igualdade Socialista, dos EUA) em Ann Arbor, Michigan, em agosto de 2007.

Em 2006, o World Socialist Web Site (wsws.org) foi convidado para realizar uma palestra numa grande conferência em Madri, organizada em comemoração ao aniversário de 70 anos da Guerra Civil Espanhola. O próprio convite evidenciava como o WSWS havia se estabelecido como a voz legítima do trotskismo e como a referência a partir da qual seria possível obter uma perspectiva claramente trotskista sobre a Guerra Civil Espanhola. Também indicava o estado extremamente tenso das relações de classe na Espanha e a emergência de uma fome genuína por conhecimento histórico sobre esse período importante do Séc. XX.

Pouco depois da conferência, bispos espanhóis emitiram uma declaração condenando o governo do Partido Socialista por reabrir as “velhas feridas da Guerra Civil”. O governo, por sua vez, implementou a “Lei da Memória Histórica”, na tentativa de controlar e conter a pesquisa de informações sobre os crimes do regime Franco. Mas, ainda assim, enraiveceu a direita.

A conferência teve bom comparecimento e, além de seminários acadêmicos, sessões públicas ocorreram por toda noite, enchendo um grande teatro no centro de Madri.

A exposição de abertura da conferência foi ministrada pelo escritor e ex-ministro da cultura Jorge Semprun, que denunciou o que chamou de “a tese de Trotsky, de que a guerra civil teria sido ganha se a revolução não tivesse sido traída”. Segundo ele, Stalin e o Partido Comunista Espanhol estavam corretos, apesar de não aprovar seus métodos. Com algumas exceções, os historiadores que falaram na conferência concordavam acriticamente com as políticas do governo Republicano da Frente Popular e dispensavam a idéia de que a uma revolução estava em processo na Espanha durante a década de 1930.

O conferência que apresentei em nome do WSWS recebeu um ataque por um dos principais historiadores da Espanha, Angel Viñas. Viñas chegou ao ponto de afirmar que os Dias de Maio, levante da classe trabalhadora que ocorreu em maio de 1937, foram incitados por agentes provocadores fascistas. Como um membro da platéia disse na época, é impressionante que alguém tente descartar a responsabilidade da burocracia stalinista pela repressão em Barcelona, uma vez que ela está tão bem documentada. Viñas, desde então, tenta sustentar seu argumento com um livro onde recicla as velhas mentiras stalinistas.

Esse não é um fenômeno puramente espanhol. No início do ano, o historiador Eric Hobsbawn publicou uma defesa da Frente Popular espanhola no Guardian, onde lançou um ataque amargo contra qualquer um que tentasse apresentar uma visão objetiva sobre a Guerra Civil Espanhola. “A única escolha” escreveu ele, “era entre dois lados - e a opinião liberal-democrática escolheu majoritariamente o anti-fascismo”. Os únicos que não podem ver isto, e que também não podiam vê-lo na época, disse ele, são aqueles que olham para a Guerra Civil Espanhola de “um ângulo sectário, trotskista”. O que Hobsbawn defende e o que Viñas e Semprun defendem é a Frente Popular.

A Espanha é a expressão mais genuína da política da Frente Popular, iniciada por Stalin depois que Hitler tomou o poder na Alemanha, em 1933. Foi imposta a todos os partidos stalinistas no último congresso [sétimo] do Comintern, em 1935. Significava que todos os Partidos Comunistas renunciariam ao objetivo da revolução proletária e, no lugar, se engajariam na colaboração inter-classes com partidos liberais, republicanos ou social-democratas em uma luta supostamente comum contra o fascismo, e se comprometiam com a defesa de seus próprios estados-nação.

Como mostraram outros palestrantes, ainda que os stalinistas já tivessem seguido políticas errôneas, que levaram à traição e derrota sangrenta de revoluções no passado, com a Frente Popular se tornaram pela primeira vez uma força conscientemente anti-revolucionária, uma vez que era impossível manter uma aliança aberta com partidos capitalistas e, ao mesmo tempo, encorajar a revolução, mesmo de uma maneira puramente verbal. Anteriormente, podiam ser caracterizados como centristas burocráticos que vacilavam e hesitavam sempre que a revolução estava em pauta, mas, agora, eram uma tendência definitivamente contra-revolucionária.

A intervenção soviética na Espanha pode ser melhor compreendida como uma tentativa de estrangular uma revolução em desenvolvimento, liquidar fisicamente seus principais dirigentes, aterrorizar amplas camadas de trabalhadores e camponeses e impedir que seus anseios revolucionários espontâneos adquirissem uma forma política mais consciente.

O acordo eleitoral que se tornou a Frente Popular espanhola foi assinado em janeiro de 1936, mas sua origem é muito anterior — 1931, o ano em que começou a revolução espanhola. Na época em que o acordo da Frente Popular foi assinado, a Espanha passava, após muitos sobes e desces, por uma revolução que já durava 4 anos, dado que a monarquia foi derrubada em 1931. Pode parecer um longo período, mas o ritmo e desenvolvimento das revoluções não é o mesmo sempre e em todo lugar. A revolução francesa esteve em andamento por quase quatro anos antes de alcançar seu clímax, quando os jacobinos chegaram ao poder. No caso da Rússia, o ritmo de desenvolvimento foi muito mais rápido, em parte porque o Partido Bolchevique já existia na véspera da revolução como, também, em parte por causa da Primeira Guerra Mundial. Na Espanha não havia partido revolucionário e não havia a guerra. O ritmo de desenvolvimento foi correspondentemente lento.

Em 1931, uma república foi estabelecida, abolindo a monarquia, separando igreja e estado, dissolvendo ordens religiosas, secularizando a educação e garantindo autonomia às nacionalidades. Essas eram medidas democráticas comparáveis àquelas introduzidas por todas as revoluções burguesas anteriores. Mas, aquele não era o século XVIII — mesmo as mais modestas medidas democráticas ameaçavam a propriedade privada capitalista.

As reformas agrária e religiosa desafiavam não apenas a riqueza da igreja e dos latifundiários, mas a da elite financeira e empresarial com quem estavam conectados por irredutíveis laços de classe. O programa democrático da república afundava diante da oposição enraizada entre essas camadas privilegiadas.

Quase tão rápido quanto chegou ao poder, a república se mostrou incapaz de levar adiante suas medidas democráticas. Os trabalhadores e os camponeses que haviam trazido a república ao poder se viram cada vez mais separados do governo republicano. Dentro de semanas foi imposta a lei marcial para reprimir as manifestações de rua. O governo republicano liberal lutou por dois anos antes de ser substituído por um governo de direita que reverteu o programa de reformas e rechaçou os anseios da classe trabalhadora e camponeses da forma mais brutal.

Mas, desde o início, a república demonstrava ser incapaz de resolver em um sentido progressista quaisquer questões confrontadas pela sociedade espanhola. A burguesia liberal na Frente Popular não era mais que a sombra da burguesia. A maior parte da burguesia, da Igreja e dos militares já rumava ao fascismo, e foi por isso que a Frente Popular na Espanha foi dominada de tal forma pelo stalinismo. Os republicanos e os Socialistas eram fantasmas políticos que podiam agir apenas graças ao apoio político que recebiam dos stalinistas.

A única classe capaz de resolver a situação pela qual passava a sociedade espanhola era a classe trabalhadora, que não tinha qualquer interesse velado pela propriedade privada. Já em maio de 1931, Trotsky antecipava uma segunda revolução, que seria uma revolução do proletariado arrastando os camponeses pobres atrás de si.

Por essa razão, a guinada de Stalin para a Frente Popular deu uma sobrevida à burguesia liberal dos partidos republicanos e social-democratas da Espanha. A Frente Popular ofereceu a estes os meios de confinar o movimento revolucionário da classe trabalhadora e camponeses a um quadro parlamentar para, assim, suprimi-lo.

Embora os defensores da Frente Popular possam deplorar os métodos dos stalinistas e tentam dizer que os líderes da república os desconheciam, há uma clara conexão, em um sentido lógico e histórico, entre a Frente Popular e os crimes do stalinismo. Tanto os líderes da república espanhola quanto os stalinistas compartilhavam o interese em suprimir a revolução e defender a propriedade privada na Espanha.

Stalin estava determinado a manter a paz com as democracias ocidentais — Grã-Bretanha, França e América — que, acreditava ele, defenderiam a União Soviética contra o ataque da Alemanha nazista. Em prol dessa aliança, preparava-se para destruir a revolução espanhola e provar ser um aliado confiável para as potências imperialistas. Os políticos republicanos e socialistas, igualmente determinados a defender a propriedade privada e prevenir a revolução, encontraram em Stalin, como disse Trotsky, “um carrasco experiente com a autoridade de um revolucionário”.

A Frente Popular espanhola não pode ser entendida em um contexto meramente nacional. A Frente Popular na França forneceu o modelo para todas as outras Frentes Populares. O ascenso de Hitler ao poder causou pânico na burguesia francesa. Edouard Herriot, o líder do Partido Radical, foi à Moscou em 1933, onde foi muito bem recebido por Stalin.

A assinatura do pacto franco-soviético em 1934 pavimentou o caminho para a criação da Frente Popular francesa. Quando o ministro de relações exteriores francês, Laval, insistiu que Stalin reforçasse esse pacto de assistência mútua — ordenando que o Partido Comunista francês aprovasse as medidas que o governo francês havia tomado para a defesa nacional — Stalin disse: “Eu concordo”. Stalin e Laval emitiram um comunicado conjunto que declarava: “O Sr. Stalin compreende e aprova totalmente a política de defesa nacional implementada pela França com o objetivo de manter sua força armada no nível requerido para sua segurança.”

Muito já foi dito sobre o 4 de agosto de 1914 ¹. Este foi um evento análogo. Stalin se solidarizava policamente com o governo francês e insistia que o Partido Comunista Francês fizesse o mesmo.

Na Espanha, o ímpeto para a Frente Popular veio do republicano de esquerda Manuel Azaña. Com o exemplo da França, Azaña tinha motivos para acreditar que Moscou seria um aliado internacional confiável e forneceria recursos contra a classe trabalhadora espanhola.

Ora, para os republicanos e os socialistas, as atrações pela Frente Popular são evidentes, mas e para o POUM [Partido Operário da Unificação Marxista]? O POUM foi formado em 1935 pela fusão do partido de Andrés Nin, a “Esquerda Comunista”, e o “Bloco de Trabalhadores e Camponeses” de Joaquín Maurín. Como Trotsky escreveu na época: “Os ex-´Esquerda Comunista´ espanhóis se tornaram um mero cortejo da burguesia de `esquerda´. É difícil conceber uma queda mais vergonhosa”. O POUM foi o exemplo-chave de um partido esquerdista-centrista deste período.

Depois de trocar correspondências com Nin por vários meses, Trotsky chegou à conclusão de que “Nin, honesto e devotado à causa, não era um marxista, mas um centrista”. O POUM foi incapaz de retirar conclusões táticas e organizacionais corajosas das concepções gerais que adotou. Teve um papel vital em dar à Frente Popular uma imagem esquerdista.

Nin foi um revolucionário conhecido internacionalmente. Sua presença, por si só, já era uma garantia aos trabalhadores mais conscientes de que a Frente Popular era uma aliança revolucionária. Ele esteve na conferência de fundação da Internacional Vermelha de Associações Trabalhistas em 1921 e se tornou seu secretário assistente. Juntou-se ao Partido Comunista e foi eleito para o Soviet de Moscou. Sua oposição ao stalinismo era de longa data. Foi expulso do partido e demitido de seu trabalho pelo apoio à Trotsky em 1928. Incapaz de retornar à Espanha por razão de suas atividades políticas, ficou em Moscou e foi salvo da prisão somente por sua reputação internacional. Forçado a retornar para a Espanha em 1930, Nin foi encarcerado. Sua reputação não tinha mácula.

Trotsky e Nin trocaram correspondências por quase três anos após o retorno de Nin à Espanha. Seu diálogo ocorria nos termos mais amigáveis, mas, na realidade, era de uma polêmica constante. Já se afirmou que Trotsky era duro demais em seu juízo sobre Nin. Mas, a característica mais marcante das cartas que Trotsky escreveu a Nin é o modo extremamente paciente com o qual procurou explicar sua análise da situação espanhola e o que era necessário que Nin fizesse.

Por volta de junho de 1936, ou seja, seis meses após o POUM aderir à Frente Popular, Trotsky não descartou uma reconciliação com Nin caso este estivesse preparado para levantar o estandarte da Quarta Internacional na Espanha de forma não-ambígua. Mesmo duas semanas após o golpe de Franco, Trotsky disse a Victor Serge: “Se Nin retomasse a compostura hoje e percebesse como está desacreditado aos olhos dos trabalhadores, se chegasse às conclusões necessárias, então nós o ajudaríamos como um camarada”.

Ao longo da correspondência, Nin expressou sua concordância com o programa da Oposição, mas sempre se recusou a retirar dele as conclusões necessárias. A questão crucial, à qual Trotsky retornava sempre e sempre, era o internacionalismo e a necessidade do partido revolucionário trabalhar na mais próxima colaboração com seus co-pensadores internacionais e sob a disciplina de uma organização internacional. Em março de 1932, Trotsky escreveu uma carta à Oposição de Esquerda na Espanha, comemorando o fato de que haviam sido capazes de realizar sua primeira conferência. Ele dizia:

“Outra questão para a qual eu gostaria de chamar sua atenção diz respeito ao caráter internacional de nosso trabalho. Oportunistas como Maurín e seus seguidores em Madri constroem toda a sua política com base em suas particularidades nacionais. É verdade que não conhecer tais particularidades seria uma grande idiotice. Mas, sob elas, nós precisamos descobrir quais são as forças motivadoras dos desenvolvimentos internacionais e assimilar a dependência dessas particularidades nacionais com essas forças mundiais. A grande vantagem do marxismo, e portanto da Oposição de Esquerda, consiste precisamente nessa maneira internacional de resolver os problemas nacionais e as particularidades nacionais.”

“Para sua jovem organização, uma tarefa importante é acompanhar cuidadosamente o trabalho das outras seções da Oposição de Esquerda Internacional e fazer seu trabalho sempre em conformidade com os interesses do todo. Sem o critério internacional, sem ligações internacionais regulares, sem controle sobre uma seção nacional, a formação de uma organização proletária revolucionária verdadeira é impossível em nossa época.”

Em outra carta do mesmo período, Trotsky faz uma observação análoga bastante sintética. Como escreveu ele: “Não há dúvida que você concorda que, da mesma forma que o socialismo não pode ser construído em um só país, uma política marxista não pode ser almejada em um único país”.

Já em 1931 Trotsky estava ciente de que existia o perigo dos camaradas espanhóis se adaptarem a Maurín. Maurín, alertava Trotsky, tentava disfarçar o separatismo nacional de comunismo e adotar slogans esquerdistas para se aproximar dos anarco-sindicalistas da CNT. Em dezembro de 1932, Trotsky criticava Nin diretamente pelo isolamento nacional de seu grupo e sua adaptação a Maurín. A Oposição de Esquerda Internacional havia acabado de realizar uma conferência improvisada em Copenhague, onde Trotsky realizou uma palestra. Outras seções européias enviaram delegados, mas não os camaradas espanhóis.

“Eu tomo a liberdade,” escreveu Trotsky, “de expressar minha certeza de que os principais camaradas espanhóis, se tivessem se fechado menos em seu ambiente e mostrado maior interesse em sua organização internacional, teriam encontrado seu caminho para a conferência de Copenhague sem dificuldade.”

“Mas é precisamente o maior infortúnio da Oposição Espanhola”, continuou ele, “o fato de seus dirigentes repetidamente manterem sua organização afastada da vida interna e das lutas internas das outras seções. Assim, a desligam de uma experiência internacional insubstituível. Mas, na medida que a seção espanhola foi, até o momento presente, compelida a tratar de questões internacionais por conta de sua posição oficial, seus dirigentes, não influenciados pela experiência das outras seções ou pela opinião pública de sua própria organização, se permitiram ser guiados por conexões pessoais, simpatias e antipatias. Demasiadas vezes eles substituíram abertamente uma análise marxista da situação por psicologismo e sentimentalismo pequeno-burguês. Assim foi no caso da Federação Catalã (Maurín) onde a confiança de vários camaradas de Barcelona em ‘relações pessoais amigáveis’ tomou por um longo tempo o lugar de uma luta principista contra o nacionalismo pequeno-burguês, colocando um freio ao desenvolvimento da Oposição de Esquerda em seu período mais decisivo.”

Delineando as tarefas da Oposição de Esquerda na Espanha, Trotsky avisou: “Na Catalunha, onde o proletariado oferece uma base natural para o rápido crescimento da influência bolchevique-leninista, os camaradas dirigentes perderam tempo de uma forma imperdoável. Em vez de se apresentarem abertamente sob sua própria bandeira, ainda que apenas com pequenos núcleos, brincaram de esconde-esconde com seus princípios durante os meses determinantes da revolução. Primeiro, engajaram-se na diplomacia com o pequeno-burguês nacionalista e fraseologista provinciano Maurín para, depois, segui-lo por completo”.

Esse longo período de adaptação ao ambiente político nacional e a resistência de Nin às tentativas de Trotsky de desenvolver uma orientação internacional entre os oposicionistas de esquerda em 1935, resultaram na fusão com o Bloco de Trabalhadores e Camponeses de Maurín e, dentro de um ano, na sua adesão à Frente Popular.

A Frente Popular fazia promessas vagas sobre crédito barato para os camponeses e preços agrícolas mais altos, nenhuma das quais poderia ser cumprida mesmo que o governo estivesse preparado para resistir às pressões dos latifundiários e bancos; ela também rejeitava explicitamente a nacionalização da terra — a única maneira de resolver a questão agrária. Além disso, rejeitava a nacionalização dos bancos.

O sistema bancário deveria ser controlado — dizia o programa da Frente Popular — mas não pelos trabalhadores. O controle deveria ser governamental, ou seja, os representantes políticos do capital financeiro deveriam exercer controle sobre seus próprios bancos.

A política externa da Frente Popular deveria ser conduzida em acordo com os preceitos da Liga das Nações.

Sob todos os aspectos, era um programa que tinha como objetivo defender os interesses do capital e era idêntico ao programa da Frente Popular francesa.

Quando a Frente Popular francesa foi eleita em maio de 1936, sua orientação capitalista foi imediatamente manifestada pela maneira como o Partido Comunista pôs fim à greve geral, que tinha implicações revolucionárias. Trotsky saudou a greve como o começo de uma revolução na França. O jornal conservador francês Le Temps concordou com ele e alarmou que as greves em massa e as ocupações representavam “manobras práticas da revolução”.

O Partido Comunista francês pôs fim às greves, dizendo aos trabalhadores que haviam obtido uma vitória decisiva — quando, na verdade, haviam conquistado pequenas migalhas. O comportamento dos stalinistas na França era um aviso prévio sobre o papel que teriam na Espanha. Além disso, quando a classe trabalhadora espanhola se voltou à francesa para receber ajuda, não recebeu nada. Quando traíram o movimento revolucionário dos trabalhadores franceses em 1936, os stalinistas privaram os trabalhadores e camponeses espanhóis de um aliado em um país revolucionário vizinho.

A eleição do governo da Frente Popular na Espanha precedeu um levante revolucionário renovado. Nessa época, o POUM poderia assumir a direção do movimento revolucionário no país, caso não tivesse deixado uma excepcional situação revolucionária escorregar por entre as mãos, conduzindo-se por um caminho político criminoso ao juntar-se à Frente Popular.

Trotsky avisou que o governo usaria as forças do estado para reprimir os trabalhadores e camponeses. Escreveu: “As organizações trabalhadoras, porém, permanecem completamente imobilizadas nas teias da Frente Popular. As convulsões das massas revolucionárias (sem um programa, sem uma direção digna de confiança) ameaçam assim abrir os portões para a ditadura contra-revolucionária”.

Como explicou Trotsky: “A questão principal no momento é a Frente Popular. Os centristas de esquerda procuram apresentar essa questão como uma manobra tática ou mesmo técnica, de modo que possam vender suas mercadorias sob a sombra da Frente Popular. Na realidade, a Frente Popular é a principal questão da estratégia proletária desta época. Também oferece o melhor critério para a diferença entre bolchevismo e menchevismo, pois é frequentemente esquecido que o maior exemplo histórico de Frente Popular é a revolução de fevereiro de 1917. Em fevereiro-outubro, os mencheviques e os socialistas-revolucionários, que estão num paralelo muito próximo aos ´Comunistas´ [stalinistas] e aos social-democratas, estiveram em uma aliança estreita e numa coalização permanente com o partido burguês dos KDTs, com o qual formaram uma série de governos de coalizão. Sob o signo dessa Frente Popular se prostrava toda a massa do povo, incluindo os conselhos de trabalhadores, camponeses e soldados. É certo que os bolcheviques participavam dos conselhos. Mas eles não faziam a mínima concessão à Frente Popular, para destruir a aliança com os KDTs e criar um genuíno governo dos trabalhadores e camponeses”.

Isso foi escrito em 16 de julho de 1936 e, no dia seguinte, Franco deu seu golpe militar. O governo de Frente Popular que o POUM ajudara a colocar no poder havia deixado intactos o exército e a corporação de oficiais. Tal situação não foi acidental, apenas refletiu o fato de que a classe dominante do país, quando se via forçada a fazer uma aliança com organizações de esquerda dos trabalhadores, precisava mais do que nunca dos militares para proteger a propriedade privada. Isso era parte da perspectiva do frentismo popular desde o início, quando Stalin havia assegurado a Laval que o Partido Comunista francês aceitaria todas as medidas que ele considerasse necessárias para defender a nação. Stalin esperava contar com o exército francês para defender a União Soviética contra a Alemanha nazista e estava preparado para deixá-lo intacto independentemente do custo para a classe trabalhadora francesa. Na Espanha, o POUM havia participado da Frente Popular que havia, segundo Trotsky, “mantido a casta militar com o dinheiro do povo, provendo autoridade, poder, armas e comando sobre jovens trabalhadores e camponeses, facilitando, assim, as preparações para um ataque esmagador contra os trabalhadores e camponeses”.

O governo da Frente Popular não deu qualquer passo no sentido de resistir à deflagração do golpe militar em julho de 1936 e recusou todas as demandas por armamento aos trabalhadores. Mas, em Barcelona, uma das cidades mais industrializadas da Espanha, a classe trabalhadora resistiu.

A maior organização da classe trabalhadora na Catalunha era a federação sindical anarquista CNT (Confederación Nacional del Trabajo). A influência do Partido Socialista e do Partido Comunista era pequena se comparada à do POUM. Trabalhadores comandavam armas, explosivos e veículos motorizados. Eles convocavam os soldados a recusar as ordens dos oficiais.

Inspirados pelos trabalhadores catalães, trabalhadores em Madri e Valença fizeram o mesmo. Os mineradores asturianos enviaram uma coluna de 5.000 dinamiteiros em auxílio a Madri. Em Malaga, os trabalhadores não tinham acesso às armas e primeiro usaram combustível para atear fogo ao redor das bases militares. Os marinheiros tomaram o controle de suas embarcações. O governo da Frente Popular ficou sem um exército, sem uma força policial, sem guardas de fronteira ou qualquer meio de imposição de autoridade. Em âmbito nacional, regional e local, a máquina do Estado entrara em colapso em face do levante fascista.

Todo o aparato estatal havia se desintegrado, e seu papel foi assumido por comitês improvisados conforme trabalhadores tomavam o controle das fábricas e começavam a organizar as cidades, enquanto no campo os camponeses ocupavam a terra e estabeleciam cooperativas. A campanha militar continuada contra os fascistas estava nas mãos de milícias de trabalhadores, que iniciavam uma ofensiva e estendiam a revolução ao território que recapturavam.

Escrevendo sobre essa experiência, Trotsky disse: “O proletariado espanhol apresentava atributos militares de primeira ordem. Em seu peso específico quanto à vida econômica do país, em seu nível político e cultural, o proletariado espanhol estava, no primeiro dia da revolução, não abaixo, mas acima do proletariado russo do começo de 1917.”

Na Rússia, os bolcheviques não haviam sido capazes de resolver o problema da coletivização imediata da terra, mas na Espanha, os próprios camponeses, que haviam sido altamente proletarizados pelo desenvolvimento do capitalismo, começaram a coletivização. Franco havia precipitado a revolução que ele esperava prevenir.

Os republicanos e os socialistas sabiam perfeitamente onde o verdadeiro poder estava. O presidente Luis Companys disse a um grupo de anarquistas em 20 de julho: “Hoje vocês são senhores da cidade de Catalunha... Vocês a conquistaram e tudo está em seu poder. Se não precisam de mim ou não me querem como presidente da Catalunha, me digam agora e eu devo me tornar simplesmente outro soldado na luta contra o fascismo.” Companys havia sido um advogado sindical e sabia o que estava fazendo. Ele estava preparado para aceitar os comitês de trabalhadores como o poder de facto na Catalunha até que pudesse desestabilizá-los e restaurar o Estado burguês.

Mas o Estado trabalhador espanhol permaneceu embrionário. O que havia emergido na Espanha era uma situação de dualidade de poder. Felix Morrow, o autor de Revolução e Contra-Revolução na Espanha, se refere à “Revolução de 19 de Julho”, como uma revolução incompleta que permaneceu equilibrada no fio da navalha. Nenhum dos partidos, certamente não o POUM, demandou que os comitês de trabalhadores fossem centralizados em conselhos nacionais de soldados e trabalhadores. Em vez disso, os comitês permaneceram locais e espalhados fragmentadamente. O governo foi capaz de usar seu controle do banco nacional e das reservas de ouro para exercer o controle financeiro. O POUM e a CNT nunca tentaram assumir os bancos.

No decurso das sete semanas seguintes, as organizações de trabalhadores se aproximaram da República porque, ao não construir soviets, o POUM concedeu tacitamente o direito de governar à Azaña, Companys e todo o resto. Em 7 de setembro, o próprio Nin demandou que os ministros burgueses fossem derrubados, mas, em 18 de setembro, a posição do POUM havia mudado. Seu jornal declarou que o movimento de esquerda republicano era “de uma profunda natureza popular”. Agora, afirmava que o governo da Frente Popular podia garantir o socialismo.

Nin chegou à conclusão lógica e se juntou ao governo catalão. Foi a violação de um século de experiência revolucionária acumulada. Marx havia reconhecido na época da Comuna de Paris que a classe trabalhadora não poderia simplesmente tomar o controle das instituições estatais existentes, mas deveria substituí-las por uma nova forma de Estado que refletisse seus próprios interesses de classe. Os bolcheviques não entraram no governo de Kerensky mesmo quando ele foi ameaçado por Kornilov.

Um dos primeiros atos do novo governo na Catalunha foi dissolver os comitês revolucionários que os trabalhadores haviam estabelecido em 19 de julho. Esse foi o primeiro grande avanço da contra-revolução. Foi seguido de um decreto que desarmou os trabalhadores.

No curso dos 8 meses seguintes, os governos de Madri e Barcelona destruíram as conquistas obtidas pelos trabalhadores em Julho. A presença de Nin deu aos governos a autoridade que precisavam para tomar tais medidas. O processo contra-revolucionário se movia com a maior lentidão na Catalunha, mas seu sentido era o mesmo que no resto da Espanha republicana.

Em dezembro, quando já não era mais necessário, o POUM foi expulso do governo graças à insistência do cônsul soviético, Antonov-Oyvseyenko. Mas Nin não aprendera nada e ainda dizia que a Espanha não precisava de soviets. Suas críticas ao governo eram na realidade conselhos e sugestões e, embora tenha clamado pelo controle trabalhador do exército, ele respeitosamente pediu ao governo que conseguisse isso. Semanas antes do Estado apontar suas armas para os trabalhadores da Catalunha, Nin ainda argumentava que os trabalhadores tomariam o poder pacificamente. Ele permaneceu comprometido com a perspectiva da Frente Popular.

Em março de 1937, Trotsky avisou: “Se essa política [do POUM] continuar, o proletariado catalão será vítima de uma terrível catástrofe comparável àquela da Comuna de Paris de 1871”. Suas palavras se provaram demasiadamente proféticas.

Em maio de 1937, o governo e os stalinistas deflagraram um assalto militar contra a companhia telefônica de Barcelona, ocupada pelos trabalhadores desde julho de 1936. O prédio não era apenas um símbolo visível da dualidade de poder, mas também uma construção estratégica, cujo controle permitia aos trabalhadores monitorar as conversas telefônicas dos ministros do governo. O governo republicano jamais teria o controle de Barcelona se não retomasse o controle da central telefônica.

A tentativa pegou os líderes do POUM e da CNT de surpresa, mas provocou resistência massiva da classe trabalhadora, que espontaneamente se levantou em defesa das conquistas da revolução. Todos os documentos disponíveis hoje confirmam que os trabalhadores teriam conseguido tomar o poder, mas, em vez disso, os líderes do POUM e os anarquistas insistentemente chamavam pelo cessar-fogo durante a semana de batalhas de rua que se seguiu. Apenas um pequeno grupo de bolcheviques-leninistas afiliados à Oposição de Esquerda, alguns membros de base do POUM e o grupo anarquista Amigos de Durruti chamaram a tomada do poder pelos trabalhadores e denunciaram o cessar-fogo.

Em 3-4 de maio, a cidade de Barcelona estava nas mãos dos trabalhadores. Naquela noite, os executivos do POUM, CNT, FAI (Federación Anarquista Ibérica) e Juventude Libertária se encontraram numa sessão conjunta. Julián Gorkin depois relembrou, “Colocamos o problema nestes termos precisos: ‘Nenhum de nós chamou as massas de Barcelona a tomar essa ação. Essa é uma resposta espontânea a uma provocação stalinista. É um momento decisivo para a revolução. Ou nos colocamos na liderança do movimento para destruir o inimigo interno ou então o movimento cairá e o inimigo nos destruirá. Precisamos fazer nossa escolha entre revolução e contra-revolução’“.

Não se podia colocar com mais clareza e, de fato, eles fizeram sua escolha.

“Não nos sentíamos espiritual ou fisicamente fortes o bastante para assumir a liderança e organizar as massas para a resistência,” disse depois um membro da executiva do POUM. A executiva do POUM admitiu: “Teria sido possível tomar o poder, mas nosso partido, uma força minoritária no movimento da classe trabalhadora, não pôde assumir a responsabilidade de emitir esse slogan”.

Se eles houvessem chamado a tomada do poder, fossem ou não um partido pequeno, os trabalhadores da CNT que estavam muito à esquerda de seus líderes certamente os teriam ouvido. O próprio POUM possuía por volta de 40.000 membros e um destacamento de milícia de 10.000.

Mas, se os trabalhadores de Barcelona tivessem tomado o poder, como os líderes do POUM e CNT admitem que poderia ter acontecido, estariam isolados? De maneira alguma.

Se uma república dos trabalhadores tivesse sido declarada em Barcelona, isso teria implicado na galvanização da classe trabalhadora francesa. Teria sido muito difícil para o governo de Frente Popular na França manter um embargo de armas com sua própria classe trabalhadora em alerta. Trabalhadores e camponeses do resto da Espanha, tanto na área republicana quanto na nacionalista, certamente teriam respondido se os trabalhadores de Barcelona tivessem tomado medidas socialistas para colocar as fábricas nas mãos dos trabalhadores e a terra nas mãos dos camponeses. O exército de Franco teria se despedaçado, especialmente se uma república dos trabalhadores tivesse declarado seu apoio à auto-determinação colonial. Tal slogan teria impactado não somente nas colônias espanholas, mas também as britânicas e francesas.

Não se luta em uma guerra civil apenas por meios militares. É preciso ter uma estratégia política. A história dá muitos exemplos disso. A abolição da escravidão por Lincoln foi descrita por um político europeu como “a mais insana e infame revolução da história”. Ainda assim ela se provou um meio de ganhar apoio por trás das linhas inimigas entre os escravos e também internacionalmente. Os trabalhadores do algodão nas cidades fabris se mobilizaram aos milhares em apoio à abolição da escravidão e à vitória do Norte. O governo britânico não ousou intervir em prol dos donos de escravos sulistas. Em Barcelona, o POUM não possuía uma estratégia revolucionária tão ousada como essa.

Quando o cesar-fogo foi finalmente acordado, provou ser o prelúdio do expurgo sangrento de todos os elementos de oposição em Barcelona e outros lugares da Espanha. O POUM foi acusado de organizar um golpe em coalizão com as polícias secretas alemã, italiana e franquista. Sua imprensa foi banida, Nin foi preso e a organização foi posta na ilegalidade. Os líderes do POUM foram levados a uma prisão stalinista em Madri — uma ex-igreja em Calle Atocha.

O próprio Nin foi separado dos outros e levado à Alcalá de Henares, onde o interrogaram por três dias. Quando se recusou a confessar ser um agente fascista, foi torturado até a morte. Seu corpo foi enterrado nos arredores da cidade. A GPU, então, ordenou aos voluntários da Brigada Internacional Alemã que tomassem de assalto a prisão onde Nin havia sido mantido. Para dar a impressão de que a Gestapo veio resgatá-lo, deixaram para trás notas do banco nacionalista, distintivos falangistas e documentos falsos.

Depois da morte de Nin, Trotsky o descreveu como um “velho e incorruptível revolucionário.” Os membros do POUM, Trotsky disse, “lutaram heroicamente em todas as frentes contra os fascistas da Espanha”. Mas ao entrar na Frente Popular, participar do governo de Frente Popular na Catalunha e recusar a chamada pela tomada do poder em maio de 1937, Nin cometeu uma traição que se provou fatal não apenas para si mesmo, como também para a revolução espanhola.

Nas semanas seguintes, a polícia secreta stalinista juntou todos os elementos de oposição na Catalunha, os aprisionou e torturou, execuntando muitos milhares. Um Tribunal Especial para Espionagem e Alta Traição foi estabelecido para julgar os militantes do POUM e os anarquistas acusados por colaborar com a insurreição. Quase todos os enviados a esse tribunal foram considerados culpados. Outros desapareceram, como Nin, nas prisões secretas da GPU — conhecidas como Preventoriums. Cerca de 20.000 prisioneiros foram enviados a campos de trabalho forçado. Sobreviventes relataram privação de sono, negação de alimento, falsas execuções, isolamento, confinamento em espaços minúsculos, mutilação, negação de atenção médica, total escuridão, luzes ofuscantes, quase-afogamento e, é claro, espancamentos.

A repressão havia começado muito antes dos Dias de Maio. Alexander Orlov, o cabeça da GPU na Espanha, enviou um número de agentes a Barcelona com ordens para confraternizar com o POUM e identificar alvos para sequestro e assassinato. Erwin Wolf, o ex-secretário de Trotsky, foi assassinado na Espanha. Um voluntário inglês, David Crook, contou depois como foi recrutado da Brigada Internacional para prestar serviços especiais. O relato que faz de sua vida nos dá um bom entendimento de como as operações na Espanha se encaixavam em uma campanha contra-revolucionária mais ampla que possuía sua face mais pública nos Processos de Moscou.

Crook foi levado à escola de treinamento de oficiais em Albacete, onde Ramon Mercader, que depois assassinaria Trotsky no México, o ensinou a língua espanhola. De lá, foi a Barcelona para espionar o POUM e seus apoiadores britânicos do Partido Trabalhista Independente (ILP — Independent Labour Party). Crook caiu nas graças de Eileen Blair, esposa de George Orwell, o que lhe deu a oportunidade de roubar documentos dos escritórios do ILP. Quando os líderes do POUM foram presos, ele foi posto conjuntamente na cela da prisão, para coletar informações. Também teve um papel importante no sequestro do trotskista austríaco Kurt Landau.

Da Espanha, Crook foi a Xangai, onde espionou suspeitos de trotskismo. Fica claro, a partir do relato de Crook, que os Dias de Maio não foram um evento único e isolado, mas parte de uma campanha muito mais ampla e previamente preparada para ter ramificações globais. A Espanha se tornou um campo de treinamento para os espiões, provocadores e assassinos stalinistas. Quando Ignace Reiss — o agente do serviço secreto soviético que rompeu com Stalin e se aproximou de Trotsky — foi assassinado na Suiça, seus assassinos esqueceram no país uma peça de roupa feita na espanha. Eric Hobsbawn descreve sua experiência de juventude na Frente Popular em Paris em termos esplendorosos, mas, na realidade, a Frente Popular era inseparável da repressão dos Processos de Moscou e da Espanha.

Alguns historiadores afirmam que nunca houve mais que 20 ou 40 operativos da GPU em toda a Espanha. Esse número parece estar em discrepância com as evidências e, em todo caso, ignora os stalinistas que, não sendo membros da polícia secreta, estavam de qualquer modo engajados em exterminar os oposicionistas. O Partido Comunista da Espanha era pequeno em 1936, mas um ano depois havia se tornado o mais poderoso partido da Frente Popular. Havia crescido em parte pela absorção do movimento de juventude do Partido Socialista, mas também pelo recrutamento de camponeses que estavam insatisfeitos com a coletivização e mesmo trabalhadores das áreas rurais, além de funcionários civis, magistrados e oficiais do exército nas cidades. Nessas camadas sociais, a GPU encontrou o material humano para seu trabalho: entre eles estavam gangsters, ladrões e ex-fascistas — e todos encontraram um lar natural no aparato de terror stalinista.

E a atividade repressora dos stalinistas não estava confinada à Catalunha. José Cazorla e Santiago Carillo, ambos membros do comitê central do PCE (Partido Comunista Espanhol), ilegalmente aprisionaram trabalhadores que haviam sido inocentados pelos tribunais populares em Madri e os enviaram à frente de batalha para servirem como “fortificações” humanas. O jornal da CNT Solidaridad Obrera identificou uma rede de prisões privadas “operando sob uma liderança unificada e um plano pré-concebido em escopo nacional”.

Enquanto as derrotas militares se acumulavam, um ar de pânico começou a permear o comando militar stalinista após o esmagamento da classe trabalhadora catalã. Relatórios da inteligência soviética falam de uma “bactéria contaminante” entre as Brigadas Internacionais. Um relatório em tom quase histérico descreve como toda uma companhia foi desarmada e aprisionada e seus oficiais foram mortos. Uma “organização trotskista de espionagem e terrorismo” de suposta larga escala foi exposta na décima-quarta brigada e um homem morreu sob interrogatório. André Marty, o líder do Comintern francês responsável pela organização das Brigadas Internacionais, admitiu ter matado 500 membros desses brigadas. É um décimo do total de mortos entre os das Brigadas Internacionais.

Todos esses crimes foram executados sob os auspícios dos liberais e “democráticos” políticos Socialistas e Republicanos da Frente Popular. Seus defensores afirmam que eles eram ignorantes sobre as ações da GPU, o que é facilmente refutado pelos registros históricos. Um documento interessante que grava a conversa entre um conselheiro soviético e o Presidente Juan Negrin em dezembro de 1938 lança um pouco de luz sobre a atitude do governo da Frente Popular em relação à democracia.

Nessa conversa, Negrin parece ter mapeado uma estratégia política de pós-guerra que envolvia um Estado unipartidário — “Pode ser chamado de frente nacional ou frente espanhola ou união”, disse Negrin. O regime que vislumbrou estaria sob a liderança de uma figura militar. Para Negrin e os outros líderes da República, a democracia podia ser desejável, mas a verdadeira questão era a ordem a supressão da revolta vinda de baixo. Para isso, uma aliança com o Kremlin era essencial e eles estavam dispostos a dar ao aparato repressivo que havia sido criado na luta contra o trotskismo o controle sobre a Espanha se essa fosse a única forma de defender a propriedade privada. A GPU agia meramente como o braço mais resoluto da Frente Popular.

Ao final de 1937, Trotsky escreveu em “Lições da Espanha: Um Último Aviso”: “Quando os trabalhadores e camponeses entram no caminho da revolução — quando tomam as fábricas e fazendas, expulsam os velhos proprietários, conquistam o poder nas províncias — então a contra-revolução burguesa — tanto faz se democrática, stalinista ou fascista — não tem outro modo de pôr em xeque esse movimento senão a coerção sangrenta, suplementada por mentiras e artifícios. A superioridade da clique stalinista nessa via consistiu na sua habilidade em aplicar instantaneamente medidas que estavam além da capacidade de Azaña, Companys, Negrin e seus aliados de esquerda.”

Na Espanha, escreveu Trotsky, dois programas irreconciliáveis se confrontavam. Havia o programa que consistia em “salvar do proletariado, a qualquer custo, a propriedade privada, e salvar de Franco, na medida do possível, a democracia; e, do outro lado, o programa de abolição da propriedade privada pela conquista do poder pelo proletariado. O primeiro programa expressou os interesses do capitalismo através da aristocracia trabalhista, da cúpula dos círculos pequeno-burgueses e, especialmente, da burocracia soviética. O segundo programa traduziu para a linguagem do marxismo as tendências do movimento revolucionário de massas, não plenamente consciente, mas poderoso. Com pesar para a revolução, entre o punhado de bolcheviques e o proletariado estava a parede contra-revolucionária da Frente Popular.”

O heroísmo dos trabalhadores, camponeses da Espanha e dos voluntários internacionais que foram para lá é demasiadamente usado como meio para encobrir o verdadeiro caráter das políticas da Frente Popular. Qualquer um que critique a República e seus apoiadores é acusado de sujar a reputação desses lutadores abnegados. Na realidade, a reputação dessas figuras heróicas é melhor servida por um exame objetivo da história e, particularmente, da Frente Popular.

Nesta palestra, tentei mostrar que uma revolução proletária vitoriosa era possível na Espanha e que a razão de sua derrota não foi a imaturidade do proletariado espanhol, o atraso da economia ou o desfavorecimento das condições internacionais, motivos tão frequentemente apontados, mas a existência da Frente Popular. As massas da Espanha permaneceram na teia da Frente Popular até o momento em que já era tarde demais, pois nenhuma direção genuinamente revolucionária foi construída.

O partido que estava em melhor posição para levar adiante a tarefa de construir uma direção revolucionária era o POUM, mas ele se provou o maior obstáculo a isso. Se houvesse adotado uma política intransigentemente revolucionária, o POUM teria se encontrado na liderança da classe trabalhadora em Maio, senão antes. Uma enorme responsabilidade pela derrota na Espanha recai sobre o POUM e suas políticas centristas. As massas, como Trotsky disse uma vez em seus últimos escritos, buscaram seu caminho na direção correta, mas descobriram ser impossível construir uma direção revolucionária no calor da revolução. Se a revolução espanhola tivesse sido vitoriosa, a história do século vinte teria sido imensuravelmente diferente.

Concluído

Notas:
[1] - Data em que o Partido Social-Democrata Alemão votou pelos créditos da Primeira Guerra Mundial, enveredando de uma vez por todas no chauvinismo e traindo definitivamente a classe operária. Para Lenin, o fato evidenciou a falência da Segunda Internacional.

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