Após um ano do novo governo de Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) marcado pela continuação de cortes nos empregos e salários dos trabalhadores da indústria automotiva, as grandes montadoras estão anunciando dezenas bilhões de reais em novos investimentos no Brasil.
Em janeiro, Volkswagen e GM anunciaram pacotes adicionais de investimentos de R$9 bilhões e R$7 bilhões, respectivamente. A Stellantis, que declarou lucros anuais de US$20 bilhões (cerca de R$100 bilhões) em 2023, promete anunciar ao longo deste mês seu plano de investimentos para o Brasil.
Esses anúncios são o ponto culminante de uma série de reuniões de Lula e seu vice, Geraldo Alckmin, com empresários da indústria automotiva.
Em 31 de dezembro, o governo oficializou o programa de subsídios governamentais para a indústria automotiva “Mover”, atualizado com diretrizes para a transição para a produção de veículos híbridos e elétricos. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) estima que R$100 bilhões serão investidos no Brasil até 2028.
O programa automotivo de Lula faz parte de um pacote de medidas pró-capitalistas aprovadas ao longo do ano passado, incluindo a reforma tributária apoiada pelo FMI batizada de “arcabouço fiscal” e o programa de investimentos estatais “Nova Indústria Brasil”. O objetivo central dessas medidas, conforme declarado incessantemente por autoridades do governo, é trazer “previsibilidade” e “competitividade”, isto é, apresentar o Brasil como uma plataforma de trabalho barato para as grandes corporações.
Assim como em anúncios de investimentos no passado, as quantias bilionárias alardeadas pelo governo Lula não irão significar a melhoria dos salários e do padrão de vida dos trabalhadores. Ao contrário, dentro dos planos das grandes corporações, a nova indústria de veículos elétricos em desenvolvimento será operada dentro de um regime de exploração ainda mais intenso do que o atual. Veículos elétricos utilizam somente uma fração das peças dos motores a combustão, exigindo 30% a 40% menos trabalho, e serão estão sendo acompanhados pela implementação de processos de automatização das linhas de produção baseados em novas tecnologias de inteligência artificial.
Sob o controle da oligarquia capitalista, esses avanços tecnológicos de caráter objetivamente progressista estão sendo voltados contra a sociedade, utilizados para aprofundar a ofensiva contra a classe trabalhadora. Nessa ofensiva, a classe dominante vê os sindicatos como agentes centrais para quebrar a resistência dos trabalhadores e impedir um levante que frustre os planos corporativos.
Nos chãos de fábrica, é uma verdade aceita que os sindicatos, apesar de manterem a fachada de organizações operárias, tornaram-se de fato órgãos de uma burocracia privilegiada que atua em conluio com as empresas contra os interesses da classe trabalhadora. Esse papel dos sindicatos no regime capitalista, raramente admitido publicamente, foi abertamente reconhecido pela direção da Volkswagen num evento oficial do governo ao lado das centrais sindicais.
Em 2 de fevereiro, um evento que anunciou expansão de investimentos da Volkswagen do Brasil contou com a participação de Lula, figuras de alto escalão do governo e dirigentes sindicais. A empresa reconheceu a política econômica do governo do PT como um fator importante para a decisão de fazer novos investimentos. Porém, o presidente nacional da Volkswagen, Ciro Possobom, apontou à habilidade dos sindicatos de suprimirem a oposição dos trabalhadores em prol dos lucros corporativos como o fator decisivo para o “maior investimento pós-pandemia de uma montadora no país”.
Ele declarou que o anúncio “reforça nossa relação excelente com os sindicatos, que fecharam o acordo de 2023, fundamental para a concretização dos nossos investimentos”.
No mesmo evento, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wellington Damasceno, complementou o discurso de Possobom defendendo uma política de fortalecimento da aliança com o Estado e as empresas. Damasceno declarou: “O Estado brasileiro precisa ter um compromisso de fortalecer os sindicatos… Esse anúncio de investimento mostra que não é verdade que onde existe sindicato forte a empresa é menos competitiva. Muito pelo contrário, aqui a gente discute relações no trabalho e investimento”.
O contrato citado pelo CEO da Volkswagen como representativo da “relação excelente com os sindicatos” foi aprovado originalmente em 2020 e estendido no último novembro. Após anunciar o corte de 35% dos empregos em meio à catástrofe da pandemia de COVID-19, a Volkswagen exigiu em agosto de 2020 a aprovação dos termos de um contrato que garantisse a “previsibilidade”, o que foi prontamente obedecido pelos sindicatos nas quatro plantas da Volkswagen no Brasil. O contrato permitiu que a empresa implementasse os cortes “dependendo do comportamento do mercado”, ou seja, a qualquer momento que os acionistas decidissem cortar custos para impulsionar os lucros.
Um relatório publicado pela Anfavea mostra uma queda de 20 mil empregos automotivos entre 2019 e hoje, que continua sob Lula. Os dados mais recentes mostram que a produção de automóveis comerciais leves cresceu 1,3% em 2023 e as vendas aumentaram 11,2%. Porém, entre dezembro de 2022 e o mesmo mês do ano passado, o número de trabalhadores na indústria automotiva havia caído de 103,8 mil para 98,9 mil.
Os cortes na indústria automotiva ocorreram em meio a uma queda na posição social dos trabalhadores como um todo, com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrando que o rendimento médio mensal nacional de 2022, de R$1.586, continuava abaixo do rendimento de 2019, de R$1.668, mesmo enquanto o poder de compra foi corroído pela inflação.
O papel dos sindicatos na destruição de empregos em nome da “competitividade” foi desempenhado de forma ainda mais direta na greve recente dos trabalhadores da GM do estado de São Paulo iniciada em outubro. O objetivo central da greve lançada pelos trabalhadores era reverter as 1,2 mil demissões anunciadas pela empresa, mas sua luta foi desviada por uma sórdida campanha dos sindicatos apelando ao governo Lula e aos tribunais.
A CSP-Conlutas, filiada ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) morenista, desempenhou o papel mais crítico nessa traição. Se apresentando falsamente como uma tendência sindical combativa e “internacionalista”, a burocracia morenista aliou-se ao sindicato automotivo americano United Auto Workers (UAW) para isolar as greves concomitantes na GM e em outras montadoras no Brasil e nos EUA, e junto das demais centrais sindicais brasileiras enterrou a greve nas fábricas de São Paulo anunciando uma falsa “vitória”. Em seguida, os sindicatos os sindicatos impuseram os cortes planejados pela empresa através de um programa de “demissões voluntárias” e, semanas depois, a GM anunciou seus investimentos bilionários no Brasil.
A ofensiva contra empregos e salários, que se estende por toda a indústria automotiva e além, não poderia prosseguir sem os serviços do aparato sindical corporativista, que representa um componente crítico do próprio programa de governo do PT.
O programa “Mover” – uma parceria entre os sindicatos e o Estado para atrair investimentos empresariais através de “incentivos fiscais” e achatamento do valor da força de trabalho – atravessou com diferentes nomes os governos anteriores do PT, de Temer e de Bolsonaro. Essas medidas não protegeram empregos e nem impediram cortes, como foi explicitamente demonstrado com o fechamento das fábricas da Ford no país em 2021, que devastou a economia de cidades inteiras e lançou dezenas de milhares de trabalhadores no desemprego.
Porém, após anos de cortes sociais impostos pelo capitalismo, está ocorrendo uma erupção da luta de classes mundialmente, tanto nos centros do imperialismo como nos países historicamente atrasados. Isso também é verdadeiro no Brasil, onde a entrada do governo Lula não significou uma redução das greves, que se intensificaram na primeira metade de 2023 em relação a 2022, segundo dados publicados do Dieese.
Em greves recentes na indústria automotiva, dos Estados Unidos ao México, os trabalhadores estão entrando em choque com os aparatos sindicais corporativistas e apontando o caminho à unificação global e controle da base sobre as lutas através da construção da Aliança Operária Internacional dos Comitês de Base (AOI-CB).
Os trabalhadores no Brasil precisam organizar a luta contra a onda de cortes sendo preparada pelas empresas transnacionais e o governo brasileiro. Essa luta exige a construção de organismos de luta independentes, em oposição aos sindicatos e todas as organizações que apoiam o Estado capitalista, e a unificação com as lutas dos trabalhadores ao redor do mundo através da AOI-CB.