Em 1923, uma profunda crise econômica e política abalou as bases da sociedade alemã. Para marcar esses 100 anos, uma série de novos livros foram publicados sobre esse “ano no precipício”, escritos por historiadores e jornalistas conhecidos, como Volker Ullrich e Peter Longerich. Nas condições atuais de alta inflação, conflitos de classe ferozes e guerras crescentes, os eventos daquela época são novamente de grande relevância contemporânea.
Todos os novos livros seguem a mesma narrativa: como resultado da hiperinflação, do empobrecimento e da radicalização, a república democrática foi ameaçada por tentativas de derrubá-la pela esquerda e pela direita e, finalmente, foi salva pela intervenção corajosa daqueles com responsabilidade política e militar.
Se estudarmos os eventos mais de perto – e podemos encontrar bons conteúdos em livros sobre isso –, surge um quadro completamente diferente. A crise social destruiu a fachada democrática da República de Weimar e mostrou o que ela realmente era: um disfarce para a ditadura contínua das antigas elites do Império Alemão – os grandes industriais, os grandes proprietários de terras e os militares.
O presidente do Reich, Friedrich Ebert, um socialdemocrata, “salvou” a república ao lançar o Reichswehr (Exército) contra os trabalhadores insurgentes, depondo à força os governos socialdemocratas de esquerda na Turíngia e na Saxônia e transferindo o poder executivo do Reich para o comandante supremo do Reichswehr, o general von Seeckt, estabelecendo assim uma ditadura militar. O estabelecimento dessa ditadura também foi o objetivo perseguido por Hitler e pelo general Ludendorff em novembro de 1923, quando organizaram um golpe em Munique.
Depois que o governo de Gustav Stresemann conseguiu controlar a inflação por meio de uma reforma monetária no final do ano, e a economia se recuperou um pouco graças à ajuda americana, von Seeckt devolveu o poder executivo ao governo civil. Mas isso foi apenas um interlúdio. Quando a próxima grande crise atingiu a Alemanha com a quebra de Wall Street em 1929, a fachada democrática finalmente entrou em colapso.
Durante dois anos, o político do Partido do Centro, Brüning, governou com decretos de emergência, aprovados pelo presidente do Reich. Como a crise continuava a se agravar, a classe dominante não estava mais satisfeita com uma transferência temporária do poder executivo para os militares, mas nomeou Adolf Hitler como chanceler e o empoderou como ditador. O ano de 1923 provou ser um prelúdio para o estabelecimento da ditadura nazista em 1933.
Havia uma alternativa. Se a classe trabalhadora tivesse tomado o poder em 1923 e destituído e expropriado as antigas elites, a história alemã e a mundial teriam tomado um rumo diferente. A oportunidade de fazer isso existia. A hiperinflação – em seu auge, um dólar valia 6 trilhões de marcos – polarizou a sociedade e radicalizou a classe trabalhadora e as classes médias. Ela mergulhou os trabalhadores em uma pobreza abjeta e acabou com as economias da pequena burguesia, enquanto os especuladores da crise, como o grande industrial Hugo Stinnes, acumularam enormes fortunas.
O clima era revolucionário. O Partido Comunista Alemão (KPD) cresceu em detrimento dos socialdemocratas. Seu número de membros aumentou para 300.000 e teve o apoio da maioria dos trabalhadores que defendiam o socialismo. Mas sua direção não estava à altura da tarefa. Às vezes, ela se adaptava aos ânimos nacionalistas e levava muito tempo para entender a situação revolucionária. Foi somente no verão, quando uma greve geral forçou o governo de Wilhelm Cuno a renunciar, que ele começou a planejar um levante em estreita colaboração com a Internacional Comunista em Moscou.
Mas quando os socialdemocratas de esquerda se pronunciaram contra o levante preparado em um congresso do conselho operário em Chemnitz, em 21 de outubro, o KPD o suspendeu no último minuto. O levante só eclodiu em Hamburgo, onde foi reprimido em três dias.
As consequências do fracasso do levante socialista, o “Outubro Alemão”, foram muito além da Alemanha. Na União Soviética, onde a classe trabalhadora havia acompanhado com esperança o progresso da Revolução Alemã, seu fracasso fortaleceu a burocracia conservadora. No mesmo mês, foi fundada a Oposição de Esquerda, que assumiu a luta contra a burocracia.
As “lições de Outubro” desempenharam um papel importante na luta entre a burocracia e a oposição. Quando Trotsky descreveu as lições da derrota alemã em um panfleto com esse título, ele foi violentamente atacado por Stalin e seus aliados. Dez anos depois, as políticas desastrosas que Stalin impôs ao KPD abririam o caminho para a chegada de Hitler ao poder.
Os novos livros sobre 1923 ignoram amplamente a importância do “Outubro Alemão” e seu fracasso. Eles o relegam a algumas linhas ou o retratam como uma tentativa de golpe sem esperança de um pequeno grupo que não tinha apoio entre as massas.
Até mesmo Volker Ullrich, que dedica um capítulo inteiro ao “Outubro Alemão” em seu livro de leitura acessível Germany 1923: The Year on the Abyss (Alemanha em 1923: O Ano no Abismo), conclui esse capítulo com a rejeição dos planos de insurreição pelos representantes do Partido Social Democrata (SPD) em Chemnitz: “ficou claro que tanto a Internacional Comunista quanto os comunistas alemães haviam julgado mal o estado de espírito da classe trabalhadora”. A cúpula do KPD então tirou “a única consequência possível” e abandonou o plano de insurreição.
O artigo a seguir, baseado em uma palestra dada no verão de 2007 e publicado pela primeira vez no World Socialist Web Site em 22 de outubro de 2008, mostra que isso não é verdade. O “Outubro Alemão” fracassou não por causa do “estado de espírito das massas”, que era revolucionário em todos os aspectos, mas por causa dos erros políticos e da hesitação do KPD e da Internacional Comunista sob a liderança de Zinoviev, que na época era um aliado próximo de Stalin.
O artigo mostra que duas condições devem ser atendidas para que uma revolução socialista seja bem-sucedida: uma situação objetivamente revolucionária que não deixe outra saída para a classe trabalhadora a não ser a derrubada do capitalismo e uma direção revolucionária que esteja ancorada na classe trabalhadora e esteja à altura de suas tarefas.
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Em 1923, uma situação revolucionária extremamente favorável desenvolveu-se na Alemanha. Em 21 de dezembro, o Partido Comunista Alemão (KPD), em estreita colaboração com a Internacional Comunista (Comintern), preparou uma insurreição e a cancelou no último minuto. Trotsky, depois, falou de “um clássico exemplo de como é possível perder uma situação revolucionária excepcional de importância histórico- mundial”.[1]
A derrota alemã de 1923 teve consequências de longo alcance. Graças a ela, a burguesia alemã consolidou seu domínio e estabilizou a situação por seis anos. Quando a próxima grande crise irrompeu, em 1929, a classe trabalhadora foi totalmente desorientada pela direção stalinista do KPD. Isso levou diretamente aos eventos fatais que culminaram na ascensão de Hitler ao poder. Em nível mundial, a derrota do Outubro Alemão aprofundou o isolamento da União Soviética e constituiu, portanto, um importante fator psicológico e material que fortaleceu a ascensão da burocracia stalinista.
A palestra de hoje irá se concentrar nas lições estratégicas e táticas do Outubro Alemão, lições que se transformaram rapidamente em um assunto polêmico de disputa entre a Oposição de Esquerda e a Troika liderada por Stalin, Zinoviev e Kamenev. Antes de tratarmos desses assuntos, é necessário relatar os eventos de 1923.
A Alemanha em 1923
Todas as questões básicas que levaram o imperialismo à Primeira Guerra Mundial em 1914 – acesso a mercados e matéria-prima para sua indústria dinâmica e a reorganização da Europa sob sua hegemonia – continuaram sem solução em 1923. Além de terem perdido a guerra com um tremendo custo de vidas humanas e recursos materiais, a Alemanha foi obrigada pelo acordo de Versalhes a pagar quantias imensas em reparação ao seu maior rival, a França, assim como a outras potências imperialistas.
Os anos imediatamente após a Guerra, de 1918 a 1921, caracterizaram-se por uma série de levantes revolucionários que somente foram abafados pelos esforços conjuntos da socialdemocracia e das forças paramilitares de direita. Em 11 de janeiro de 1923, as tropas francesas e belgas ocuparam o Ruhr e reascenderam a crise social e política na Alemanha.
O governo francês justificou a ocupação militar do centro da indústria alemã de aço e carvão declarando que a Alemanha não havia cumprido com suas obrigações de pagar as reparações de guerra. O governo alemão – um regime de extrema direita liderado pelo industrial Wilhelm Cuno e tolerado pelo Partido Social Democrata (SPD) – reagiu chamando a resistência pacífica. Na prática, isso fez com que as autoridades locais e as companhias do Ruhr boicotassem as forças de ocupação. O governo continuou a pagar os salários da administração local e ofereceu subsídios aos barões do carvão e do aço para compensar suas perdas.
O resultado desses enormes gastos e da ausência de carvão e aço do Ruhr, produtos de extrema necessidade, foi o colapso completo da moeda alemã. O marco já estava altamente desvalorizado, sendo negociado a 21.000 marcos por dólar no início do ano. No final do ano, quando a inflação alcançou seu pico, a taxa de câmbio chegou a quase 6 trilhões de marcos por dólar – um número com 12 zeros!
O impacto social e político da hiperinflação foi explosivo. A sociedade alemã foi polarizada de forma jamais vista. Para os trabalhadores, a inflação era uma ameaça à vida. Quando recebiam seus salários ao final da semana, estes mal cobriam o valor do papel sobre o qual as enormes somas eram impressas. As esposas aguardavam nos portões das fábricas para correrem ao mercado mais próximo e comprarem algo antes que o dinheiro perdesse seu valor no dia seguinte.
Só para dar um exemplo: um ovo custava 300 marcos no dia 3 de fevereiro. Em 5 de agosto, custava 12.000 marcos e, três dias depois, 30.000 marcos. Mesmo sendo os salários ajustados com a inflação, o salário médio calculado em dólares caía 50% ao longo de 6 meses. Ao mesmo tempo, o número de desempregados explodia – de menos que 100.000 ao início do ano a 3,5 milhões de desempregados e 2,3 milhões de trabalhadores em empregos temporários no final do ano.
Mas os trabalhadores não eram os únicos arruinados pela hiperinflação. Aqueles que viviam de aposentadoria perderam todos os seus meios de subsistência. Aqueles que haviam economizado um pouco de dinheiro perderam tudo da noite para o dia. Para sobreviver, muitos tinham que vender suas casas, joias e tudo mais que tivessem guardado durante toda a vida, apenas para descobrirem, no dia seguinte, que o rendimento não valia mais nada.
Arthur Rosenberg, que escreveu a primeira história oficial da república de Weimar, em 1928, afirmou: “A expropriação sistemática das classes médias alemãs, não por um governo socialista, mas por um Estado burguês dedicado à defesa da propriedade privada, foi um dos maiores roubos da história mundial”.[2]
Do outro lado do abismo social estava um grupo de especuladores, aproveitadores e industriais que fizeram enorme fortuna com a inflação. Qualquer um que obtivesse acesso a moedas estrangeiras ou a ouro poderia exportar mercadorias alemãs ao exterior e colher lucros enormes, devido aos baixos salários. Essas eram as forças por detrás do governo Cuno. O mais famoso deles foi Hugo Stinnes, que comprou 1.300 fábricas e fez bilhões nesse período. Stinnes também foi, nos bastidores, um grande articulador político.
A polarização social e a falência das classes médias fizeram surgir uma aguda polarização política.
O Partido Social Democrata Alemão (SPD) perdeu rapidamente tanto membros quanto eleitores e desintegrou-se. Desde a derrubada do Kaiser pela Revolução de Novembro de 1918, ele havia se aliado ao alto comando militar e às forças paramilitares de direita, as Freikorps, para reprimir a revolução proletária e assassinar seus líderes mais destacados – Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
O SPD era o único partido na Alemanha que defendia incondicionalmente a República de Weimar. Todos os outros partidos burgueses preferiram uma forma mais autoritária de dominação. Friedrich Ebert, líder do SPD, foi o primeiro presidente da República de Weimar. Ele ocupou o gabinete presidencial até sua morte, em 1925, isto é, durante todo o período desta palestra.
O papel contrarrevolucionário do SPD afastou muitos trabalhadores e levou-os ao Partido Comunista Alemão, o KPD. Mas, no início de 1923, os sindicatos e camadas de trabalhadores mais conservadoras ainda apoiavam o SPD. Com o impacto da inflação, isso mudou rapidamente.
O historiador Rosenberg, membro dirigente do KPD em 1923 (mais tarde, Rosenberg juntou-se ao SPD), escreve: “Durante o ano de 1923, o SPD perdeu forças de forma constante... Os sindicatos, em especial, que sempre haviam sido o principal pilar de influência do SPD, estavam em total desintegração... Milhões de trabalhadores alemães não queriam mais ouvir ou falar das velhas táticas sindicais e abandonaram as associações... A desintegração dos sindicatos era sinônimo da paralisia do SPD”.[3]
Enquanto o SPD se desintegrava, trabalhadores socialdemocratas ouviam atentamente o que os comunistas tinham para dizer. Dentro do SPD desenvolveu-se uma ala esquerda pronta para colaborar com o KPD. Como veremos, governos de coalizão da esquerda do SPD e KPD foram formados na Saxônia e Turíngia por um breve período de outubro. Enquanto o número de filiados do SPD diminuía, a influência do KPD crescia. Seus filiados cresceram de 225 mil para 295 mil em de um ano.
Não houve eleições nacionais entre 1920 e 1924, portanto não há estimativas confiáveis do apoio eleitoral do KPD. Mas, uma eleição ocorrida no pequeno estado rural de Mecklenburg-Strelitz nos dá uma ideia. Em 1920, o SPD recebeu 23.000 votos e o SPD Independente (USPD, que mais tarde juntou-se ao KPD), 2.000. O KPD não participou. Em 1923, ambos, o SPD e o KPD, receberam aproximadamente 11.000 votos. No Saar, uma região mineira antes dominada pelo catolicismo, o KPD aumentou sua votação de 14.000 em 1922 para 39.000 em1924.
Dentro dos sindicatos, a influência comunista crescia proporcionalmente em detrimento do SPD. Quando os delegados do congresso da União dos Trabalhadores Metalúrgicos da Alemanha foram eleitos em Berlim, o KPD teve muito mais votos do que o SPD. Enquanto o KPD recebeu 54.000 votos, o SPD obteve 22.000 – menos que a metade do KPD. De acordo com um líder do KPD, em junho o partido tinha 500 seções nos sindicatos que somavam 1,6 milhão de membros. Aproximadamente, 720.000 metalúrgicos apoiavam os comunistas. O historiador da Alemanha Ocidental, Hermann Weber, comenta em seu livro sobre a história do KPD: “O ano de 1923 mostrou uma crescente influência do KPD, que provavelmente contava com o apoio da maioria dos trabalhadores socialistas”.[4]
O KPD antes de 1923
Em 1923 o KPD era tudo, menos um partido unificado. Tinha apenas quatro anos de idade, mas já havia passado por eventos tumultuosos, diversas mudanças na direção, rachas e fusões e estava afetado por intensas divisões internas.
Seu líder teórico e político mais brilhante foi, sem sombra de dúvida, Rosa Luxemburgo, que fora assassinada apenas duas semanas antes da fundação do partido – uma perda irreparável. Luxemburgo era uma revolucionária de enorme coragem e integridade. Seus escritos sobre o revisionismo e sua luta contra a guinada à direita da socialdemocracia – que vislumbrou antes e mais precisamente do que Lenin – são parte do que já foi escrito de melhor na literatura marxista.
Mas, assim como Trotsky – e por mais tempo que ele – Luxemburgo não tirou as mesmas conclusões organizativas que Lenin tirou, corretamente, do revisionismo. Mesmo depois de 4 de agosto de 1914, quando formou o Gruppe Internationale, mais tarde chamado de Spartakusbund (Liga Espártaco), Luxemburgo não rompeu formalmente com o SPD. Seu slogan era: “Não abandone o partido, mude o rumo do partido”.
Em 1915, os espartaquistas rejeitaram o chamado de Lenin por uma nova internacional na Conferência de Zimmerwald e, mais tarde, em março de 1919, o delegado do KPD para o primeiro congresso da Internacional Comunista, Hugo Eberlein, absteve-se na votação para a fundação de uma nova internacional. Ele fora instruído pelo KPD a votar contra, mas foi persuadido em Moscou de que a decisão era correta – então absteve-se.
Quando o SPD Independente (USPD) foi formado em 1917 por membros do SPD pertencentes ao Reichstag (Parlamento Alemão) que foram expulsos do SPD por se recusarem a votar por novos créditos para a guerra, Luxemburgo e a Liga Espártaco uniram-se a essa organização centrista com uma fração. Fizeram isso apesar do fato de que entre os líderes mais proeminentes do USPD estavam Karl Kautsky e Eduard Bernstein, líder teórico do revisionismo alemão.
Luxemburgo justificou isso em um artigo declarando que a Liga Espártaco não se uniu ao USPD para dissolver-se em uma oposição enfraquecida. “Ela se uniu ao novo partido – confiante no agravamento cada vez maior da situação social e trabalhando por isso – para levar o partido para frente, para ser sua consciência encorajadora... e para assumir a verdadeira liderança do partido”, escreveu ela.[5]
Luxemburgo atacou severamente a Esquerda de Bremen – liderada por Karl Radek e Paul Frölich, posteriormente biógrafo de Luxemburgo – que se recusou a entrar para a USPD e a descreveu como uma perda de tempo. Ela denunciou sua defesa de um partido independente como um Kleinküchensystem (sistema de pequenas cozinhas) e escreveu: “É uma pena que esse sistema de pequenas cozinhas se esqueceu do principal, as condições objetivas, que, em última análise, são decisivas e serão decisivas para a ação das massas... Não é suficiente que um punhado de pessoas tenha a melhor receita em seus bolsos e saiba como liderar as massas. O pensamento das massas deve ser libertado das tradições dos últimos 50 anos. Isso só é possível com um grande processo de contínua autocrítica interna do movimento como um todo”.[6]
Foi somente em dezembro de 1918, um mês depois que três líderes do USPD se uniram a um governo provisório liderado pelos lideres de direita do SPD Friedrich Ebert e Philipp Scheidemann, que os espartaquistas romperam com o USPD. O governo de Ebert tornou-se o carrasco da Revolução de Novembro. Ele logo se aliou ao comando militar. O USPD, que já tinha cumprido seu papel, não era mais necessário.
No final do ano, em meio a violentas lutas revolucionárias, o KPD foi finalmente fundado pela Liga Espártaco, pela Esquerda de Bremen e uma série de outras organizações de esquerda.
O atraso na fundação de um verdadeiro partido revolucionário, independente dos socialdemocratas e dos centristas, se deu por conta, até certo ponto, das muitas tendências ultra esquerdistas que surgiram na Alemanha no início dos anos 1920. A traição do SPD – primeiro em 1914, quando apoiou a guerra e, depois, em 1918, quando afogou a revolução em sangue – levou a uma reação entre os trabalhadores que, na ausência de uma organização resoluta de tipo bolchevique, buscaram diferentes formas ultra esquerdistas ou mesmo anarquistas. Esse problema iria atormentar o KPD por um longo tempo.
No congresso de fundação do KPD, Luxemburgo estava em minoria na questão de participar das eleições para a assembleia nacional. A maioria era contra. Também havia muitas outras tendências ultra esquerdistas fora do partido.
Em abril de 1920, depois de uma revolta armada de trabalhadores no Ruhr, a esquerda rachou e formou o Partido Comunista Operário da Alemanha (KAPD), promovendo ideias ultra esquerdistas, antiparlamentaristas e anarquistas. O KAPD levou consigo uma considerável parcela dos membros do KPD – de acordo com algumas fontes, a maioria. Mas se desintegrou rapidamente, já que não tinha um programa coerente. A Internacional Comunista, com algum sucesso, tentou reaver as seções ainda saudáveis do KAPD e até mesmo as convidou para um de seus congressos.
Entretanto, em 1919 foi principalmente o USPD que se beneficiou com o giro à esquerda da classe operária. Na eleição de 1920 ao Reichstag, o SPD recebeu 6 milhões de votos, o USPD 5 milhões e o KPD 600,000.
O USPD foi um clássico partido centrista. A direção guinava para a direita, cruzando com os trabalhadores que caminhavam para a esquerda. Muitos trabalhadores que apoiavam o USPD admiravam a União Soviética. Os líderes de direita do USPD encontravam-se cada vez mais isolados. Com suas 21 condições de filiação, o Segundo Congresso da Internacional Comunista aprofundou os rachas dentro do USPD.
Em dezembro de 1920, a maioria finalmente se uniu ao KPD – ou Partido Comunista Unificado da Alemanha (VKPD), como ficou conhecido por algum tempo. A minoria, mais tarde, voltou a se unir ao SPD. A fusão com o USPD aumentou cinco vezes a quantidade de membros do KPD e o transformou num partido de massas. Mas, os novos membros trouxeram consigo muitos vícios do passado e tradições centristas do USPD.
Em março de 1921, uma revolta fracassada na Alemanha Central – a chamada Märzaktion (Ação de Março) – provocou uma nova crise nas fileiras do KPD. Depois que o governo nacional enviou unidades policiais até as fábricas para desarmar os operários, o KPD e o KAPD chamaram uma greve geral e a derrubada do governo nacional. Esse levante foi claramente prematuro e acabou numa derrota sangrenta.
Aproximadamente 2.000 trabalhadores foram mortos na luta e na violenta repressão que se seguiu. Por conseguinte, Paul Levi, amigo próximo de Rosa Luxemburgo e um dos principais líderes do partido, que corretamente se opôs ao levante desde o começo, impiedosamente atacou o partido em público. Ele foi expulso e, depois, voltou ao SPD.
Os eventos do Março Alemão foram o foco do debate no Terceiro Congresso da Internacional Comunista, realizado de 22 de junho a 21 de julho de 1921, em Moscou. Trotsky mais tarde descreveu o congresso como um “marco” e resumiu sua importância da seguinte forma: “Ele estabeleceu o fato de que os recursos dos partidos comunistas, tanto politicamente quanto organizativamente, não foram suficientes para a conquista do poder. Ele promoveu o slogan ‘Às massas’, isto é, a conquista do poder através de uma conquista anterior das massas, realizada com base na vida cotidiana e nas lutas. As massas continuam vivendo sua vida cotidiana em uma época revolucionária, mesmo que de uma maneira diferente....”[7]
O Terceiro Congresso promoveu exigências transitórias, a tática da Frente Única e a palavra de ordem de Governo Operário, para ganhar a confiança dos trabalhadores que ainda apoiavam os socialdemocratas. Ele insistiu na necessidade de trabalhar nos sindicatos.
Isso foi de encontro com a resistência furiosa das tendências de esquerda e de ultra esquerda dentro do KPD, que promoviam a chamada “teoria ofensiva” e rejeitavam qualquer forma de compromisso, assim como o trabalho no parlamento e nos sindicatos. Eles eram apoiados por Nikolai Bukharin, que seria mais tarde o líder da Oposição de Direita, que defendia uma “ofensiva revolucionária ininterrupta”. Foi em resposta a essas tendências que Lenin escreveu seu folheto Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo.
Ao estudarmos esses conflitos, é notável que Lenin, assim como Trotsky, tenha tentado uma aproximação extremamente paciente das diferentes frações no KPD. Eles tentaram educar, explicar, integrar e prevenir rachas prematuros. Contiveram os esquentados da esquerda e da direita, que queriam expulsar seus oponentes. Tentaram manter Levi no partido até que seu comportamento provocativo tornou a tarefa impossível.
Durante o Terceiro Congresso, eles passaram horas discutindo em pequenos grupos com diferentes frações do KPD. Ao mesmo tempo em que eram intransigentes em relação à esquerda infantil, também perceberam certo conservadorismo na liderança do partido, a qual essas esquerdas atacavam. Em outras palavras, Lenin e Trotsky tentaram desenvolver uma direção balanceada e experiente, treinada para lidar com contradições e reagir rapidamente assim que uma situação se alterasse, o que entra em choque com as práticas que a Comintern desenvolveu sob a direção de Stalin.
Os eventos do Ruhr
Retomemos alguns eventos de 1923.
Um ano e meio após o Terceiro Congresso da Internacional Comunista, os conflitos internos ao Partido Comunista Alemão (KPD) ainda não estavam resolvidos. Após a ocupação do Ruhr pelo exército francês, os conflitos entre a direção majoritária do partido e a oposição de esquerda irromperam novamente e com toda a força. As diferenças emergiram sobre a questão do apoio dado pelo KPD ao governo da ala esquerda do Partido Social Democrata Alemão (SPD) na Saxônia, bem como sobre a política a ser adotada na região do Ruhr, ocupada pelos franceses.
No momento, o partido era dirigido por Heinrich Brandler, membro fundador da Spartakusbund (Liga Espártaco). Enquanto muitos dos esquerdistas passavam para a direita, uma nova fração de esquerda se agrupava sob direção de Ruth Fischer, Arkadi Maslow e – em menor grau – Ernst Thälmann. Fischer e Maslow eram ambos jovens intelectuais que ingressaram no movimento após a guerra. Tinham a maioria da seção de Berlin atrás de si. Thälmann era um trabalhador que ingressara no KPD por meio do SPD-Independente (USPD) e era dirigente do partido em Hamburgo.
No dia 10 de janeiro, caiu o governo do SPD na Saxônia e o KPD conduziu uma campanha por uma frente única e um governo operário. Enquanto isso, a maioria do SPD defendia uma coalizão com partidos burgueses e apenas uma minoria de esquerda defendia a aliança com o KPD. O KPD desenvolveu uma forte e vigorosa agitação e publicizou um “programa operário” que incluía as seguintes demandas: confisco das propriedades da antiga família real; armamento dos trabalhadores; desmantelamento do judiciário, da polícia e da administração governamental (parlamento); chamado por um congresso dos conselhos de fábricas e pelo controle dos preços pelos comitês eleitos.
Tais reivindicações ganharam apoio dentro do SPD, onde a ala esquerda formou a maioria do partido. Ela aceitou o “programa operário” com apenas uma exceção: a dissolução do parlamento e a convocação de um congresso de conselhos de fábricas. Com base nisso, retirando esses pontos do programa, um governo do SPD foi formado com apoio do KPD.
Esse passo foi apoiado pela maioria do KPD, inclusive por Karl Radek, no momento um importante dirigente da Internacional, mas bastante denunciado pela esquerda do KPD. Estes viam seu apoio ao governo da Saxônia não como uma tática momentânea para ganhar os trabalhadores socialdemocratas, mas como uma adaptação aos socialdemocratas de esquerda, os quais consideravam iguais aos de direita. Suas suspeitas não eram sem razão. Como mostraram os eventos posteriores, em 21 de outubro, Brandler desmantelou a insurreição sendo preparada porque os socialdemocratas diziam não estar prontos para apoiá-la.
No Ruhr, o KPD distanciava-se bastante do SPD, que dava amplo apoio à campanha de “resistência passiva” do governo de Wilhelm Cuno. O governo Cuno, por sua vez, colaborava com as gangues paramilitares – apoiadas secretamente pelo exército e composta de elementos claramente fascistas – encorajando-as a realizar atos de sabotagem contra a ocupação francesa. Tais medidas atraíam reacionários e fascistas de toda a Alemanha para o Ruhr. O SPD se viu em uma aliança de fato com tais forças.
O KPD denunciou o nacionalismo do SPD como uma repetição de sua política de 1914, quando votou pelos créditos da guerra imperialista, e opôs-se fortemente a ele. Defendeu uma luta tanto contra a ocupação francesa quanto contra o governo de Berlin. Uma edição do jornal do KPD, Rote Fahne (Bandeira Vermelha), estampou a seguinte manchete: “Lutar contra Poincaré e Cuno no Ruhr e em Spree”. Essa linha logo se confirmou quando os trabalhadores começaram a se rebelar contra as insuportáveis condições sociais, protestando contra a ocupação francesa, contra os industriais locais, bem como contra o governo de Berlin.
Mas, logo os líderes da esquerda do KPD assumiram uma posição diferente, agitando-a nos encontros do partido em Ruhr. Ruth Fischer defendeu um chamado para que os trabalhadores tomassem as fábricas e minas; pela tomada do poder político e o estabelecimento da República Operária do Ruhr. Essa República poderia, então, tornar-se base para um exército operário que, por sua vez, iria “marchar até a Alemanha Central, tomar o poder em Berlin e destruir de uma vez por todas a contrarrevolução nacionalista”.[8]
Sua linha era, na verdade, aventureira, uma repetição da Ação de Março em 1921. Um levante no Ruhr teria permanecido isolado e sem apoio no resto da Alemanha. Além disso, o Ruhr estava cheio de organizações fascistas e paramilitares que não aceitariam passivamente um levante operário. Os franceses, por sua vez, olhavam com bons olhos os protestos contra o governo alemão, mas assumiriam outra posição em relação a uma insurreição proletária.
Diante do crescimento da luta entre as frações do KPD, Zinoviev, então secretário da Internacional Comunista, convidou ambos os lados para Moscou, onde assumiram um acordo. A Internacional Comunista concordou com o apoio dado pelo KPD ao governo do SPD na Saxônia, mas criticou certas formulações, indicando que essa era mais do que uma tática temporária. Ela rejeitou os planos de Fischer para o Ruhr.
A resolução acordada, aprovada por unanimidade, não dava indicações de que a direção da Internacional estava atenta à velocidade dos eventos na Alemanha, ou mesmo que tirou qualquer conclusão de tais eventos. Pelo contrário, a resolução declarou: “As diferenças surgidas do lento desenvolvimento revolucionário da Alemanha, e das dificuldades objetivas às quais conduz, alimentam, simultaneamente, divergências de direita e de esquerda”.[9]
A “linha Schlageter”
Em junho, Radek introduziu uma nova linha que, posteriormente, confundiu e desorientou o KDP – era a chamada “linha Schlageter”.
O KPD estava preocupado, há certo tempo, com o crescimento do fascismo na Alemanha. Em 22 de outubro, Mussolini tomou o poder em Roma, após uma campanha violenta de seus destacamentos armados, os fasci, contra as organizações operárias e trabalhadores militantes.
Na Alemanha, anteriormente, a extrema direita limitava-se apenas a remanescentes do exército imperial e a pequenos partidos antissemitas. Mas, em 1923, começava a crescer e ganhar base social, embora muito menor que a de Hitler na década de 1930. A agitação contra os “Criminosos de Novembro”, os judeus e estrangeiros encontrou apoio entre elementos marginalizados da pequena burguesia, bem como entre alguns trabalhadores pauperizados pelo impacto da inflação. No Ruhr, membros da extrema direita apresentavam-se como heroicos combatentes contra a ocupação francesa.
A Baviera, em particular, com suas grandes áreas rurais, tornou-se praticamente um baluarte da extrema direita. Após a repressão sangrenta à Republica Soviética de Munique, em 1919, a região tornou-se antro de organizações nacionalistas, fascistas e paramilitares.
Em 7 de abril, Albert Schlageter, um membro das Freikorps, foi preso pelo exército francês em Düsseldorf porque tinha participado de ataques com bomba a estradas de ferro. Foi sentenciado à morte por uma corte militar e executado em 26 de maio. A direita imediatamente o tornou um mártir. Na reunião do Comitê Executivo da Internacional Comunista (CEIC), em junho, Radek propôs que o KPD disputasse os trabalhadores e os elementos pequeno burgueses seduzidos pelo fascismo, juntando-se a essa campanha e adaptando-se ao nacionalismo dos fascistas.
“As massas pequeno burguesas, os intelectuais e os técnicos que desempenharão um papel importante na revolução estão em uma posição de antagonismo nacional em relação ao capitalismo, que os está marginalizando”, defendeu Radek. “Se nós queremos ser um partido operário capaz de empreender a luta pelo poder temos que achar um caminho que possa nos aproximar das massas, e devemos encontrá-lo não por meio da diminuição de nossas responsabilidades, mas defendendo que somente a classe trabalhadora pode salvar a nação.”[10]
Mais tarde, na reunião, elogiou solenemente Schlageter que, enquanto “um valente soldado da contrarrevolução”, ainda “merece sinceras homenagens da nossa parte, como soldados da revolução.” “O ocorrido a este mártir do nacionalismo alemão não deve ser esquecido, ou meramente honrado em breves palavras”, disse Radek. “Nós precisamos fazer de tudo para proteger os homens que, como Schlageter, estão prontos para dar suas vidas por uma causa comum, vindo a ser não viajantes no vazio, mas viajantes na direção de um futuro melhor para toda a humanidade.”
A linha Schlageter foi adotada pelo Rote Fahne e o dominou por diversas semanas. Ela criou uma grande confusão entre as fileiras comunistas, as quais tinham resistido até então às pressões nacionalistas. Por outro lado, não há a mínima indicação de que tenha enfraquecido as fileiras nazistas – com a exceção de alguns poucos e desorientados nacional-bolchevistas, que entraram para o KPD e criaram muitos problemas antes que fosse possível livrar-se deles novamente. A campanha Schlageter proveu de ampla munição a propaganda anticomunista do SPD e tornou muito difícil para o Partido Comunista Francês (PCF) organizar a solidariedade entre os soldados franceses para com os trabalhadores alemães.
As greves contra Cuno
Enquanto Radek desenvolveu a linha Schlageter, a luta de classes na Alemanha se intensificou. Em junho e julho, agitações e greves contra a alta dos preços estouraram por todo o país. Participavam com frequência centenas de milhares de trabalhadores, entre eles setores que nunca antes tinham participado de uma luta social. Para dar um exemplo: no começo de junho, 100.000 trabalhadores rurais e 10.000 diaristas entraram em greve em Brandemburgo
Em 8 de agosto, o chanceler Cuno se dirigiu ao Reichstag (Parlamento). Exigiu novos cortes e ataques sobre a classe trabalhadora e combinou tais demandas com um voto de confiança. O SPD buscava salvar-se abstendo-se de votar.
Uma espontânea onda de greves iniciada em Berlim começou a se desenvolver exigindo a renúncia do governo Cuno. Em 10 de agosto, uma conferência de representantes de sindicatos, sob pressão do SPD, rejeitou o chamado por uma greve geral. Mas, no dia seguinte, uma conferência de conselhos de fábrica, apressadamente convocada pelo KPD, tomou a iniciativa e anunciou uma greve geral. Três milhões e meio de trabalhadores participaram. Em diversas cidades, aconteceram batalhas com os policiais e dezenas de trabalhadores foram mortos. No dia seguinte, o governo Cuno renunciou.
O regime burguês foi profundamente abalado. “Nunca houve um período na história moderna alemã que foi tão favorável para uma revolução socialista como no verão de 1923”, escreveu Arthur Rosenberg. Momentaneamente, o SPD salvou o regime. Contra considerável resistência nas suas próprias fieiras, entrou num governo de coalizão liderado por Gustav Stresemenn do Deutsche Volkspartei (DVP – Partido Popular Alemão), um partido dos grandes negócios.
Preparando a revolução
Somente então, após as greves contra Cuno, em agosto, o KPD e a Internacional Comunista perceberam a oportunidade revolucionária que havia se desenvolvido na Alemanha. Em 21 de agosto – ou seja, exatamente dois meses antes da insurreição cancelada por Brandler – o Bureau Político do Partido Comunista Russo decidiu preparar-se para uma revolução na Alemanha. Formou uma “Comissão de Assuntos Internacionais” para supervisionar o trabalho na Alemanha. Ela era composta por Zinoviev, Kamenev, Radek, Stalin, Trotsky e Chicherin – e, depois, Dzerzhinsky, Pyatakov e Skolnikov.
Nos dias e semanas que se seguiram, houve numerosas discussões e contínua correspondência com os líderes do KPD, que frequentemente viajavam a Moscou. Suporte financeiro, logístico e militar foi organizado para armar centenas de operários, preparados nos meses anteriores. Em outubro, Radek, Pyatakov e Skolnikov foram mandados para a Alemanha para preparar o levante.
Mas foi Trotsky, acima de tudo, quem lutou incansavelmente para superar o fatalismo e a complacência existentes na seção alemã e no Partido Russo. Enquanto Stalin, já em 7 de agosto – ou seja, um dia antes da eclosão das greves contra Cuno – escreveu a Zinoviev: “Na minha opinião, os alemães precisam ser contidos e não encorajados”, e “Para nós, seria uma vantagem os fascistas entrarem em greve antes”. Trotsky insistiu que a insurreição deveria ser preparada em um período de semanas, ao invés de meses, e a data definitiva deveria ser escolhida.[11]
O que à primeira vista parecia apenas uma proposta organizativa – a escolha de uma data – era, na realidade, uma grande proposta política. De acordo com a preocupação de Trotsky, a principal tarefa no momento era concentrar todas as energias e atenções do partido no preparo da revolução. De uma preparação propagandística mais geral, ela tinha de passar à preparação prática da insurreição.
Durante o encontro do Bureau Político do Partido Russo, em 21 de agosto, Trotsky disse: “No que diz respeito ao estado de espírito das massas revolucionárias na Alemanha, a sensação de que elas estão a caminho do poder – esse sentimento existe. A questão que se coloca é a questão da preparação. O caos revolucionário não deve ser carimbado. A questão é: ou deflagramos a revolução ou a organizamos.” Trotsky alertou sobre o perigo de os fascistas bem-organizados esmagarem as ações descoordenadas dos trabalhadores e exigiu: “O KPD deve estabelecer um limite de tempo para a preparação, para a preparação militar e – de acordo com o ritmo – para a agitação política.”
Isso sofreu enorme oposição por parte de Stalin. Ele argumentou contra um cronograma, alegando que “os trabalhadores continuam acreditando na socialdemocracia” e que o governo poderia durar mais oito meses.[12]
Brandler, em uma carta para o Comitê Executivo da Internacional Comunista, datada de 28 de agosto, também defendeu um período maior: “Eu não acredito que o governo Stresemann vai viver muito mais”, escreveu. “Entretanto, não acredito que a próxima onda, que já se aproxima, vai decidir a questão do poder. (...) Nós devemos tentar concentrar nossas forças para que possamos, se for inevitável, assumir a luta em seis semanas. Mas, ao mesmo tempo, fazer os preparativos para estarmos prontos com o trabalho mais sólido em cinco meses”. Além disso, acrescentou que acreditava que um período de seis a oito meses seria o mais provável.[13]
Em discussões posteriores entre a comissão russa e a liderança alemã, um mês depois, Trotsky voltou ao assunto do cronograma. Interrompeu a discussão sobre a posição a respeito do problema do Ruhr, e disse: “Eu não compreendo por que tanta relevância é dada para a questão do Ruhr. ... O problema, agora, é tomar o poder na Alemanha. Essa é a tarefa, o restante decorrerá disso.”
Trotsky respondeu, então, às preocupações de que os trabalhadores alemães lutariam por reivindicações econômicas, mas não tão facilmente por objetivos políticos. “A inibição política é nada mais que certa dúvida, por conta das marcas que as derrotas anteriores deixaram no cérebro das massas”, disse. “O partido só pode ganhar a classe trabalhadora alemã para a luta revolucionária decisiva – e a situação está aqui, agora –, se convencer uma larga seção da classe trabalhadora, sua direção, de que também é organizacionalmente capaz de liderar a vitória no sentido mais concreto da palavra. ... Se o partido expressar tendências fatalistas em tal situação, esse é o grande perigo.”
Trotsky explicou, em seguida, que o fatalismo pode assumir diferentes formas: primeiro, se diz que a situação é revolucionária, o que é repetido todos os dias. Isso se torna usual e a política passa a ser esperar pela revolução. Então, se dá armas aos trabalhadores e se diz que isso levará ao conflito armado. Mas, ainda assim, é apenas o “fatalismo armado”.
Através da informação repassada por seus camaradas alemães, Trotsky concluiu que eles concebiam a tarefa como fácil demais. “Se a revolução é para ser mais do que uma perspectiva confusa”, disse ele, “se é para ser a tarefa principal, deve ser tomada por uma tarefa prática, organizativa... É preciso estabelecer uma data, preparar e lutar.”[14]
Em 23 de setembro, Trotsky publicou, inclusive, um artigo no Pravda: “Pode uma Contrarrevolução ou Revolução ser Feita em Data Marcada?” Trotsky discutiu a questão em termos gerais, sem mencionar a Alemanha, já que o pedido de definição de uma data para a revolução alemã por um dirigente importante da direção soviética poderia provocar uma crise internacional ou mesmo uma guerra. Mas, mesmo assim, o artigo é uma contribuição à discussão sobre a Alemanha.
A revolução perdida
Uma data para o levante foi finalmente definida: 9 de novembro. Mas, os eventos se aceleraram.
Em 26 de setembro, o chanceler Stresemann anunciou o fim da resistência passiva contra a ocupação francesa do Vale do Ruhr. Argumentou que não havia outra maneira de controlar a hiperinflação. Isso provocou a extrema direita. No mesmo dia, o governo da Baviera decretou estado de emergência e instalou uma ditadura liderada por Ritter von Kahr. Von Kahr colaborou com os nazistas de Hitler e, imitando a marcha de Mussolini sobre Roma, planejou uma marcha em Berlim para instalar uma ditadura nacional. Kahr tinha o apoio do comandante das tropas do Reichswehr (Exército), posicionadas na Baviera.
O governo de Berlim reagiu estabelecendo sua própria forma de ditadura. Todo o poder executivo foi transferido ao Ministro da Defesa, que o delegou ao General Hans von Seeckt, comandante do Reichswehr. Seeckt simpatizava com a extrema direita e se recusava a disciplinar os comandantes bávaros rebelados. Destacados industriais, como Hugo Stinnes, apoiaram o plano de uma ditadura nacional, escolhendo Seeckt como ditador.
Em 13 de outubro, o Reichstag (Parlamento), depois de vários dias de discussão, aprovou um ato autorizando a abolição pelo governo das conquistas sociais da revolução de novembro, incluindo a jornada de 8 horas. O SPD votou a favor do ato. Enquanto um golpe ameaçava Berlim que poderia facilmente ter custado a vida de alguns ministros e deputados do SPD, eles estavam ocupados decidindo sobre outros ataques à classe trabalhadora.
A Saxônia e a Turíngia eram os centros da resistência da classe trabalhadora contra tais preparações contrarrevolucionárias. Nos dois estados, em 10 e 16 de outubro, respectivamente, o KPD juntou-se aos governos da esquerda do SPD. Isso era parte do plano elaborado em Moscou. Pela entrada em um governo de coalizão, o KPD esperava fortalecer sua posição e ter acesso a armas.
Mas, apesar do fato de que ambos os governos foram formados de acordo com a lei existente e dirigidos por uma maioria parlamentar, o comandante do Reichswehr na Saxônia, General Müller, se recusou a reconhecer a autoridade deles. Em acordo com o governo de Berlim, ele submeteu a polícia ao seu próprio comando.
Ameaçado pela Baviera, que faz fronteira com a Saxônia e a Turíngia no sul e pelo governo central em Berlim ao norte, o KPD teve de adiantar seus planos para a revolução. Chamou um congresso de conselhos de fábrica em Chemnitz, na Saxônia, no dia 21 de outubro. O congresso deveria convocar uma greve geral e dar o sinal para a insurreição em toda a Alemanha.
Mas, como os socialdemocratas de esquerda não concordaram, Brandler cancelou os planos e interrompeu o levante. A maioria dos delegados teriam apoiado a convocação da greve geral, como Brandler escreveu em uma carta privada a Clara Zetkin, sua confidente próxima. Mas, mesmo assim, ele não quis agir sem o apoio dos socialdemocratas de esquerda.
“Durante a conferência de Chemnitz eu percebi que não poderíamos, sob quaisquer circunstâncias, partir para a luta decisiva, uma vez que não havíamos conseguido convencer a esquerda do SPD a assinar a decisão de greve geral”, escreveu Brandler. “Contra enorme resistência, eu mudei o curso e evitei que nós, Comunistas, fossemos ao combate sozinhos. É claro que poderíamos ter recebido uma maioria de dois terços em favor de uma greve geral na conferência de Chemnitz. Mas, o SPD teria deixado a conferência, e seus slogans confusos, sobre como a intervenção do Reich contra a Saxônia tinha simplesmente o propósito de ocultar a intervenção do Reich contra a Baviera, teriam quebrado nosso espírito de luta. Então, eu conscientemente lutei por um compromisso desagradável.”[15]
A decisão de cancelar a revolução não chegou em Hamburgo a tempo. Lá, uma insurreição foi organizada, mas permaneceu isolada e foi derrotada em 3 dias.
Embora o congresso de Chemnitz ainda estivesse reunido, o Reichswehr começou a ocupar a Saxônia. Conflitos armados causaram a morte de vários trabalhadores. Em 28 de outubro, o presidente Friedrich Ebert, um socialdemocrata, deu ordens para a Reichsexekution contra a Saxônia – a remoção forçada do governo da Saxônia encabeçado por Erich Zeigner, também um social-democrata, pelo Reichswehr. A indignação pública foi tão massiva que o SPD foi obrigado a retirar-se do governo Stresemann em Berlim. Alguns dias depois, o Reichswehr entrou na Turíngia e removeu o governo local.
A deposição desses dois governos de esquerda por Ebert e Seeckt encorajou a extrema direita da Baviera. No dia 8 de novembro, Adolf Hitler proclamou a “revolução nacional” em Munique e ensaiou um golpe. Seu objetivo era forçar o ditador da Baviera, Kahr, a marchar em Berlim e, lá, tomar o poder. Hitler foi apoiado pelo General Ludendorff, um dos mais altos comandantes militares da Primeira Guerra Mundial.
O golpe de Hitler-Ludendorff fracassou. Berlim já havia se movido tanto para a direita que a direita da Baviera não precisava mais de uma figura tão dúbia como Hitler. Ebert se acomodou ao golpe, delegando o comando sobre todas as forças armadas e o poder executivo a Seeckt. Embora as instituições da República de Weimar ainda existissem formalmente, a Alemanha seria, então, governada por uma ditadura militar de facto até março de 1924.
Por que o KPD perdeu a revolução?
Uma fácil resposta a essa pergunta é lançar toda a culpa sobre Brandler. Essa foi a reação de Zinoviev e de Stalin, que o transformaram num bode expiatório. Simultaneamente, acusaram o Partido Comunista Alemão (KPD) de ter fornecido informações erradas sobre a situação na Alemanha que exageraram seu potencial revolucionário. Desse modo, contestaram toda a avaliação sobre a qual havia se baseado o plano de insurreição.
Menos de três semanas após a insurreição ser abortada, Stalin e Zinoviev começaram a reinterpretar os eventos na Alemanha. Assim o fizeram para encobrir seus próprios papeis no processo quando se iniciava o combate que travariam contra a Oposição de Esquerda. Em 15 de outubro, surgiu o primeiro documento importante da Oposição de Esquerda, a Declaração dos 46. Ao final de novembro, Trotsky escreveria O Novo Curso.
Trotsky rejeitou a abordagem simplista feita por Zinoviev e Stalin. Mesmo não concordando com a decisão de Brandler de abortar a insurreição, não a tomou como um evento isolado. Ao final do processo, Karl Radek, que estava presente em Chemnitz como representante da Internacional Comunista, bem como a Zentrale alemã, a direção central do partido, também concordaram com Brandler.
A insistência de Brandler de que a revolução fracassaria – e de que os comunistas ficariam isolados caso começassem a insurreição sem o apoio dos socialdemocratas de esquerda – estava de acordo com erros anteriores atribuídos não somente a Brandler, mas à Internacional como um todo. Tanto a Internacional, dirigida por Zinoviev, quanto a direção do KPD (seu setor majoritário e sua ala de esquerda) desempenharam por longo tempo um papel passivo, tipicamente “centrista” diante dos eventos na Alemanha. Apesar das condições sociais e políticas terem mudado enormemente após a ocupação francesa do Ruhr, em janeiro, eles continuaram trabalhando com os métodos desenvolvidos no ano anterior, quando a revolução não estava imediatamente na agenda do partido.
Foi somente após um longo tempo, no meio dos eventos de agosto, que mudaram de curso e começaram a preparar a insurreição. Isso deu-lhes apenas dois meses para o preparo, mas eles foram desarticulados, hesitantes e insuficientes.
Trotsky, num pronunciamento feito ao Quinto Congresso dos Trabalhadores Médicos e Veterinários da URSS em junho de 1924, comentou o seguinte sobre a derrota: “Qual foi a causa fundamental da derrota do Partido Comunista Alemão?”, perguntou. “Esta: não apreciaram corretamente e no momento certo a crise revolucionária que se abriu com a ocupação do vale do Ruhr e, especialmente, após o final da resistência passiva (janeiro-junho de 1923). Perderam o momento crucial... Mesmo após a crise no Ruhr, continuaram com seu trabalho de agitação e propaganda com base na fórmula de Frente Única – no mesmo ritmo e nas mesmas formas que antes da crise. Nesse meio tempo, a fórmula havia se tornado completamente insuficiente. A influência política do partido crescia automaticamente. Uma modificação tática era necessária.
“Era necessário mostrar às massas, e acima de tudo ao partido, que se tratava, no momento, da imediata preparação para a tomada do poder. Era necessário consolidar e dar forma organizativa à crescente influência do partido, para estabelecer as bases de apoio para a tomada direta do estado. Era necessário transferir toda a organização do partido para as bases das células operárias. Era necessário formar novas células nas estradas-de-ferro. Era necessário suscitar o quanto antes a questão do trabalho dentro do exército. Era necessário, extremamente necessário, adaptar a tática de Frente Única total e completamente a essas questões, dar-lhe um prazo mais decidido e resoluto, bem como um caráter mais revolucionário. Nessa base, um trabalho técnico-militar certamente poderia ter sido levado adiante...
“A coisa mais importante, entretanto, era esta: garantir em tempo a mudança tática decisiva para a tomada do poder na Alemanha. O que não foi feito. Essa foi a principal – e fatal – omissão. Dela surgiu a contradição central. De um lado, o partido esperava uma revolução, enquanto, de outro, por ter perdido os dedos nos eventos de março [Trotsky se refere a 1921], evitou, até os últimos meses de 1923, a ideia de organizar a revolução, ou seja, preparar a insurreição. A atividade política do partido estava carregada de uma atmosfera pacífica, num momento em que o desfecho se aproximava.
“A data para a insurreição foi finalmente fixada quando, essencialmente, o inimigo já havia se valido do tempo perdido pelo partido para fortalecer sua posição. A preparação técnico-militar do partido, que começou numa velocidade febril, estava divorciada da atividade política do partido, que esteve anteriormente carregada por uma atmosfera pacífica. As massas não compreendiam o partido e não avançaram o passo junto dele. O partido sentiu-se subitamente separado das massas, e ficou paralisado. Disso resultou a imediata retirada da linha de frente sem mesmo haver combate – a pior de todas as derrotas.”[16]
Teria sido possível organizar uma insurreição vitoriosa em todo o país em outubro de 1923?
Há um grande número de relatos de dirigentes comunistas alemães, assim como de líderes e especialistas militares da Internacional Comunista que estavam na Alemanha, que declaram haver um péssimo preparo para a insurreição. Os destacamentos de luta – conhecidos como Centenas de Revolucionários – tinham sido formados e treinados, mas mal possuíam armas. O aparato de propaganda do KPD – devido às perseguições e à repressão – estava em estado lastimável. A comunicação e a coordenação do partido entre as diversas regiões funcionavam muito mal.
Por outro lado, os trabalhadores que lutaram e Hamburgo demonstraram um alto grau de coragem, disciplina e eficiência. Apenas 300 trabalhadores lutaram nas barricadas, mas alcançaram uma ampla e positiva, embora passiva, resposta da população.
Em seu pronunciamento aos trabalhadores médicos e veterinários, Trotsky ressaltou que a própria dinâmica do processo revolucionário deve ser levada em conta. “Os comunistas tinham atrás de si a maioria das massas trabalhadoras?”, perguntou. “Essa é uma questão que não pode ser respondida por meio de estatísticas. Somente pode ser respondida pela dinâmica da revolução”.
“As massas estavam com um espírito de luta?”, continuou Trotsky. “Toda a história do ano de 1923 não deixa dúvida sobre isso”. E concluiu: “Sob tais condições, as massas apenas poderiam seguir adiante se existisse uma direção firme, autoconfiante, assim como uma confiança das massas nessa direção. Discussões a respeito do ânimo das massas, se era de luta ou não, possuem um caráter muito subjetivo e expressam essencialmente a falta de confiança entre os líderes do próprio partido.”[17]
Lições de Outubro
A capitulação sem luta foi certamente o pior resultado possível dos eventos na Alemanha. Ela desmoralizou e desorganizou o KPD e criou as condições em que a elite dominante e os militares puderam continuar com a ofensiva e consolidar seu poder. Trotsky, então, insistiu que as lições da derrota alemã deviam ser tiradas duramente. Ele rejeitou os argumentos dos bodes-expiatórios isolados, que somente evitaram as discussões políticas mais fundamentais. Tirar tais lições não era somente indispensável para preparar a liderança alemã para as oportunidades revolucionárias futuras, que inevitavelmente surgiriam, mas também era crucial para todas as seções do Internacional Comunista, que se deparariam com desafios e problemas muito similares.
Trotsky notou que as lições da Revolução Russa de Outubro – a única revolução proletária bem-sucedida na história – nunca tinham sido devidamente tiradas. No verão de 1924, publicou o livro Lições de Outubro, examinando o bem-sucedido Outubro Russo sob a luz da derrota na Alemanha.
Ele insistiu na necessidade “de estudar as leis e métodos da revolução proletária”. Insistiu que existem questões que todo o Partido Comunista deve enfrentar quando entrar num período revolucionário: “Regra geral, as crises no partido surgem a cada mudança importante, como seu prelúdio ou consequência. É que cada período de desenvolvimento do partido tem os seus traços especiais, exigindo determinados hábitos ou métodos de trabalho. Uma mudança tática acarreta uma ruptura mais ou menos importante nestes hábitos e métodos: aí reside a causa direta das frações e das crises internas ao partido.”
Trotsky então cita Lenin, que escreveu em julho de 1917: “A uma mudança brusca da história acontece muito frequentemente, até aos partidos avançados, não chegarem a se habituar à nova situação num maior ou menor espaço de tempo, repetindo as palavras de ordem que, embora justas ontem, hoje perderam todo o seu sentido; coisa que acontece tão ‘subitamente’ quanto a mudança histórica.”
“Consequentemente”, concluiu Trotsky, “surge o perigo: se a mudança tiver sido demasiadamente brusca ou inesperada e o partido tiver acumulado demasiados elementos de inércia e de conservadorismo em seus órgãos dirigentes, então o partido se revelará incapaz de assumir a direção no momento mais grave, para o qual se preparou durante anos ou dezenas de anos. O partido deixar-se-á corroer por uma crise e o movimento se processará sem objetivo, semeando a derrota...
“Ora, a mudança mais brusca é aquela em que o partido do proletariado passa da preparação, propaganda, organização e agitação para a luta direta pelo poder, à insurreição armada contra a burguesia. Tudo o que há de irresoluto, cético, conciliador e capitulador no interior do partido, isto é, menchevique, ergue-se contra a insurreição e busca fórmulas teóricas para justificar a sua oposição, encontrando-as já preparadas nos adversários de ontem, os oportunistas. Ainda vamos ter que observar muitas vezes este fenômeno no futuro.”[18]
Zinoviev e Stalin rejeitaram a análise de Trotsky. Guiados por motivos fracionários e subjetivos, falsificaram os eventos na Alemanha, cobrindo seus próprios rastros e fazendo de Brandler o bode-expiatório para todos os erros. As consequências foram desastrosas. A direção do KPD foi trocada – pela quinta vez em cinco anos – sem qualquer lição sendo tirada do processo.
Como Radek apontou em disputa acalorada com Stalin numa reunião do Comitê Central do partido Russo em janeiro de 1924, quadros marxistas experientes foram trocados tanto por pessoas que tinham experiência no centrista USPD (SPD Independente) quanto por pessoas que mal tinham experiência revolucionária. Henirich Brandler, um membro fundador da Spartakusbund (Liga Espártaco) com uma história de 25 anos no movimento, foi substituído por Ruth Fischer e Arkadi Maslow, jovens intelectuais vindos de um rico ambiente burguês e sem passado revolucionário. O grupo que formaria a nova direção havia entrado no KPD apenas em dezembro de 1920, quando a esquerda do centrista USPD se uniu ao KPD.
A mudança na direção “acertou” o caminho – após perseguições e novas modificações nos anos seguintes – para a total subordinação do KPD aos ditames de Stalin. Tal fato revelou ter consequências devastadoras 10 anos depois, quando a desastrosa linha do KPD pavimentou o caminho de Hitler ao poder. O alinhamento de Stalin com a esquerda de Fischer e Maslow foi particularmente cínico, uma vez que ele sempre havia ajudado as posições mais direitistas durante o curso dos eventos. Stalin conquistou a lealdade de Maslow, que estava sob investigação por ter dado informação à polícia durante os eventos de março de 1921, assegurando que estaria limpo das acusações.
Até mesmo a teoria do social-fascismo, que igualava a socialdemocracia ao fascismo, achou sua primeira expressão num documento sobre os eventos alemães, esquematizado por Zinoviev e adotado pelo presidente do Comitê Executivo da Internacional Comunista contra a resistência da Oposição de Esquerda em janeiro de 1924. O documento diz: “As camadas dirigentes da socialdemocracia alemã apresentam nada mais que uma fração do fascismo alemão sob uma máscara socialista”. [19]
Depois que o partido fracassou em mover a tempo da tática de Frente Única à da luta pelo poder, Zinoviev e Stalin rejeitaram a Frente Única como um todo. A teoria do social-fascismo, que rejeita qualquer forma de Frente Única com o SPD contra os nazistas, foi revivida em 1929 e teve um papel importante no desarmamento da classe trabalhadora na luta contra o fascismo.
Em 1928, Trotsky mais uma vez resumiu as lições básicas do Outubro Alemão. Criticando o rascunho do programa do Sexto Congresso da Internacional Comunista, escreveu: “O papel do fator subjetivo em um período de desenvolvimento lento e orgânico pode permanecer um tanto subordinado. Assim, muitos provérbios sobre a graduação do processo podem surgir, como: ‘devagar, mas certo’ e ‘não adianta dar murro em ponta de faca’ e muitos outros, que resumem toda a sabedoria tática de nossa época, que abomina ‘pular etapas’. Mas, no momento em que as condições objetivas estão maduras, a chave de todo o processo histórico passa para a condição subjetiva, que é o partido. O oportunismo, que consciente ou inconscientemente desenvolve-se com inspiração em épocas passadas, sempre tenta subestimar o papel do fator subjetivo, que é: a importância do partido e da direção revolucionária. Tudo isso nos foi completamente revelado nas discussões a respeito do Outubro Alemão, no Comitê Anglo-Russo e na Revolução Chinesa. Em todos esses casos, assim como em outros de menor importância, a tendência oportunista evidenciou-se ao adotar uma via que se baseava exclusivamente nas ‘massas’, desprezando por completo o ‘topo’ da direção revolucionária. Tal atitude, que é falsa como um todo, opera com um efeito certamente fatal na época imperialista.”[20]
Trotsky, L. The Lessons of October. In: The Challenge of the Left Opposition (1923-25), p. 201.
Rosenberg, A. Entstehung und Geschichte der Weimarer Republik. Frankfurt am Main: Athenäum, 1988, p. 395.
Ibid., p. 402.
Weber, H. Die Wandlung des deutschen Kommunismus, Band 1, Frankfurt 1969, p. 43.
Luxemburg, R. Rückblick auf die Gothaer Konferenz. In: Gesammelte Werke, Band 4. Berlin, 1974, p. 273.
Ibid., p. 274.
Trotsky, L. The Third International After Lenin. New Park: 1974, pp. 66-67.
Citado por Pierre Broué. The German Revolution 1917-1923. Haymarket Books, 2006, p. 702.
Citado por Broué, Ibid., p. 705.
Citado por Broué, Ibid., p. 726.
Bayerlein, B. H.; Babičenko, L. G.; Firsov, F. I.; Vatlin; A. Ju. (Hrsg.). Deutscher Oktober 1923. Ein Revolutionsplan und sein Scheitern. Berlin, 2003, p. 100.
Ibid., pp. 122-27.
Ibid., pp. 135-136.
Ibid., pp. 165-167.
Ibid., pp. 359.
Trotsky, L. Through What Stage Are We Passing. In: The Challenge of the Left Opposition (1923-25). Pathfinder Press, 1975, pp. 170-71.
Ibid., p. 169.
Trotsky, L. Lessons of October. New Park Publications, 1971, pp. 4-7.
Bayerlein, B. H.; Babičenko, L. G.; Firsov, F. I.; Vatlin; A. Ju. (Hrsg.). Deutscher Oktober 1923. Ein Revolutionsplan und sein Scheitern. Berlin, 2003, p. 100.
Trotsky, L. The Third International after Lenin. New Park, 1974, p. 64.