A cinco meses das eleições presidenciais brasileiras, uma conspiração aberta contra o processo democrático está se desenrolando aos olhos do público. O presidente de extrema-direita em exercício, Jair Bolsonaro, avança sistematicamente em sua campanha por um golpe eleitoral caso seja derrotado nas urnas, com a colaboração cada vez mais direta do alto escalão militar.
Essa campanha, baseada nas persistentes alegações de Bolsonaro de que as próximas eleições serão fraudadas, assumiu foco na exigência de que as Forças Armadas realizem uma apuração paralela dos votos.
A participação dos militares na Comissão de Transparência das Eleições (CTE), convocada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), converteu-se numa plataforma de conspiração antidemocrática. De acordo com Bolsonaro, uma das sugestões feitas pelo general Heber Portella, designado pelo Ministério da Defesa para integrar a Comissão, é de que no “mesmo duto que alimenta na sala secreta os computadores, seja feita uma ramificação um pouquinho à direita para que tenhamos do lado um computador também das Forças Armadas para contar os votos no Brasil”.
Essa declaração foi dada por Bolsonaro em um dito “Ato Cívico pela Liberdade de Expressão”, com deputados aliados em 27 de abril. Sob a bandeira da “liberdade de expressão”, a manifestação saudava o deputado fascistoide Daniel Silveira (PTB), que uma semana antes fora condenado a oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por agitar um golpe entre as Forças Armadas e o fechamento dos poderes legislativo e judiciário. Silveira teve seus crimes perdoados pelo presidente Bolsonaro, em um ato sem precedentes no regime político atual.
A fala de Bolsonaro no “Ato Cívico” animava a convocação de manifestações golpistas para o 1º Maio. Com o claro desejo de ofuscar o feriado da solidariedade internacional da classe trabalhadora com atos de rua de caráter fascista, pelo segundo ano consecutivo, os apoiadores de extrema-direita de Bolsonaro realizaram manifestações nesta data exigindo a instauração de uma ditadura presidencial. Bolsonaro visitou pessoalmente um ato realizado em Brasília e apareceu por vídeo em um ato em São Paulo.
A alegação de Bolsonaro sobre as exigências dos militares na Comissão de Transparência foi antecedida por um episódio com graves repercussões no establishment político e militar envolvendo o ministro do STF Luís Roberto Barroso, que até fevereiro presidia o Tribunal Superior Eleitoral.
Em uma fala durante o evento virtual “Brazil Summit Europe”, organizado pela universidade alemã Hertie School em 24 de abril, Barroso alertou sobre a crescente incursão dos militares na política brasileira e afirmou que as Forças Armadas “estão sendo orientadas para atacar o processo [eleitoral] e tentar desacreditá-lo”. Ele relembrou episódios recentes, como a demissão sem precedentes do ministro da Defesa e do comando militar, e o desfile de tanques de guerra enquanto o Congresso votava a emenda golpista de Bolsonaro sobre o “voto impresso”.
Em resposta, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, emitiu uma nota intimidatória caracterizando a fala de Barroso como uma “ofensa grave” às instituições militares. A nota afirmou que as Forças Armadas “apresentaram propostas colaborativas, plausíveis e exequíveis” à CTE “para aprimorar a segurança e a transparência do sistema eleitoral”.
O Estado de São Paulo noticiou que as Forças Armadas enviaram 88 questionamentos ao TSE nos últimos oito meses sobre “supostos riscos e fragilidades... do processo eleitoral”. Segundo o jornal, a “maioria das perguntas reproduz o discurso eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, que tem colocado em dúvida a segurança das urnas eletrônicas e mantido a própria atuação da Corte sob suspeita”.
Agravando a situação crítica, Oliveira enviou, em 5 de maio, um ofício ao TSE demandando a divulgação pública das sugestões apresentadas pelos militares à Comissão, “haja visto o amplo interesse público no tema em questão”. O atual presidente do TSE, Edson Fachin, aceitou servilmente as exigências do ministro da Defesa.
Bolsonaro, por sua vez, respondeu redobrando as ameaças golpistas. Numa live transmitida também em 5 de maio, clamou que as “Forças Armadas não vão fazer papel de chancelar apenas o processo eleitoral, participar como espectadoras do mesmo” e que seu partido, Partido Liberal (PL), realizará uma auditoria privada das eleições.
A crise política enfrentada hoje no Brasil é indiscutivelmente a mais grave desde 1964, o ano do golpe militar apoiado pela CIA que depôs o presidente eleito, João Goulart. A burguesia brasileira e seus representantes, apesar de cientes disso, são absolutamente incapazes de frear a rápida decomposição da democracia no país.
O Estadode São Paulo publicou no último sábado um editorial suplicando aos poderes burgueses: “É preciso reagir aos crimes de Bolsonaro”. O jornal reconhece que “o que Jair Bolsonaro tem feito [de forma evidente e continuada] é incitar a que Marinha, Exército e Aeronáutica se sintam autorizados a agir fora de suas competências constitucionais”, e que esse não é “um perigo abstrato ou distante”, como demonstrado pelas exigências do ministro da Defesa ao TSE.
O Estadão enalteceu o compromisso do Judiciário e do Congresso em barrar as ameaças golpistas citando como exemplo a “prudente rejeição” à emenda do “voto impresso” de Bolsonaro. Mas, o verdadeiro fato notável foi a proposta ter recebido maioria no Congresso, e apenas não ter passado por exigir 60% de votos dos parlamentares.
Em resposta ao mesmo movimento de preparação de um golpe eleitoral, o TSE, presidido por Barroso, convocou a extraordinária Comissão de Transparência das Eleições com participação dos militares e, ainda, convidou o ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, general Fernando Azevedo e Silva, a ocupar a direção-geral do tribunal. O aparelhamento do sistema eleitoral com os militares não foi caracterizado na mídia corporativa como uma capitulação inadmissível às pressões antidemocráticas, mas como uma manobra genial de Barroso para neutralizar a mobilização política das Forças Armadas por Bolsonaro. Um artigo de Eliane Catanhêde no Estadão, por exemplo, alegava que “Pôr um general no TSE reduz ataques às eleições e ameaças de golpes à la Trump”, chamando a decisão de “jogada de mestre”.
Há apenas um ano, durante a crise aberta pela demissão do comando militar, a imprensa alardeou que a nomeação do general Paulo Sérgio Oliveira ao comando do Exército significava uma derrota da campanha de Bolsonaro para politizar as Forças Armadas. Em um comentário típico, o professor da Fundação Getulio Vargas, Rafael Alcadipani, declarou à Reuters que Oliveira seria “até mais rigoroso do que o Pujol [seu antecessor] com relação a essa separação entre Forças Armadas e política e mostra que o presidente não vai ter um títere a sua disposição no Exército”. Ele está se referindo ao sujeito que hoje, promovido a ministro da Defesa, encabeça os ataques ao regime democrático de mãos dadas com Bolsonaro.
Cada medida tomada pela classe dominante para, em tese, conter as manobras golpistas de Bolsonaro teve o efeito de aprofundar as contradições do regime político burguês apodrecido e abrir novas avenidas para o avanço à ditadura.
Com o apoio do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus satélites pseudoesquerdistas, a burguesia liberal repetiu o mantra de que o “compromisso constitucional” das Forças Armadas é o maior contrapeso aos “delírios autoritários” do presidente fascistoide. Essas ilusões foram estilhaçadas.
Ao invés de um produto da mente reacionária de Bolsonaro, a decomposição da democracia no Brasil é um desdobramento direto da crise objetiva do sistema capitalista mundial. As ameaças ditatoriais no Brasil e no mundo são geradas pelas mesmas condições que produziram a política de holocausto social da classe dominante em resposta à pandemia de COVID-19, a explosão da desigualdade social global e a guinada das potências imperialistas a uma guerra mundial nuclear.
“A tensão excessivamente alta dos conflitos internacionais e da luta de classes resultam no curto-circuito da ditadura, explodindo os fusíveis da democracia um após o outro”, escreveu Leon Trotsky em 1929. Ele continua: “O processo começou na periferia da Europa, nos países mais atrasados, os elos mais fracos da cadeia capitalista. Mas ele avança de forma constante. O que é chamado de crise do parlamentarismo é a expressão política da crise de todo o sistema da sociedade burguesa. A democracia permanece ou cai junto com o capitalismo. Ao defender uma democracia ultrapassada, a social-democracia conduz o desenvolvimento social ao beco sem saída do fascismo” [The Austrian Crisis and Communism, em tradução livre].
Um processo análogo está em desenvolvimento nos dias de hoje. Desta vez, os Estados Unidos, o coração do imperialismo mundial, são um foco do curto-circuito global da dominação democrática. O golpe orquestrado por Donald Trump em 6 de janeiro de 2021 está sendo seguido por uma onda devastadora de ataques aos direitos democráticos sob o governo democrata de Joe Biden, que prepara uma ditadura internamente e a guerra sem-limites além das fronteiras.
O golpe eleitoral de Trump serve diretamente como modelo a Bolsonaro. Mas, também há imensas semelhanças na atitude dos partidos burgueses brasileiros, especialmente do PT, com a resposta capituladora do Partido Democrata, que estava mais preocupado com o risco de uma explosão social do que com a ameaça do fascismo. Biden confiou aos militares a tarefa de impedir o golpe abertamente anunciado por Trump e apelou à colaboração com seus “colegas republicanos” para governar.
O ex-presidente Lula, enquanto lida com as ameaças de golpe através de conversas de bastidores com os militares, está disputando a presidência com Bolsonaro sob a bandeira de “juntar os divergentes” – isto é, um compromisso de fazer o governo mais à direita da história do PT – para salvar a democracia. Como disse Trotsky, esse caminho só pode levar ao beco sem saída do fascismo.
Os militares já anunciaram estarem se preparando para um “cenário Capitólio” nas próximas eleições brasileiras. Sua atitude frente a um golpe de Estado – se apoiarão Bolsonaro como ditador, ficarão contrários a ele, ou tomarão o poder eles mesmos em nome de preservar a estabilidade política – permanece uma questão em aberto.
Uma resposta consistente às ameaças ditatoriais só pode vir da mobilização da classe trabalhadora como força política independente. Ao redor do mundo, as condições explosivas da crise capitalista global estão levando os trabalhadores a greves e protestos de massas. A unificação desse poderoso movimento sob a bandeira da revolução socialista mundial é a base necessária para o combate à guerra, a desigualdade social e a pandemia no Brasil e ao redor do mundo. Essa é a perspectiva do Grupo Socialista pela Igualdade (GSI) e o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI).