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Dez anos do início da revolução egípcia

Publicado originalmente em 24 de janeiro de 2021

Dez anos atrás, começaram os protestos em massa no Egito que levaram à queda do ditador Hosni Mubarak 18 dias depois, inspirando trabalhadores e jovens em todo o mundo.

A revolução egípcia foi uma poderosa revolta revolucionária na qual a classe trabalhadora teve o papel central. Em 25 de janeiro de 2011, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas em cidades de todo o país, incluindo Suez, Port Saïd e Alexandria. Na chamada 'Sexta-feira da Fúria' três dias depois, um número crescente de pessoas derrotou as notórias forças de segurança do regime nos combates de rua que se assemelhavam a uma guerra civil.

Milhões de pessoas se manifestaram em todo o Egito nos dias seguintes. A Praça Tahrir, ocupada por centenas de milhares de pessoas que vieram ao centro de Cairo, surgiu como um símbolo internacional da revolta, mas foi a intervenção da classe trabalhadora que acabou por dar o golpe decisivo contra Mubarak. Em 7-8 de fevereiro, uma onda de greves e ocupações de fábricas irrompeu por todo o país, continuando a crescer após a saída de Mubarak do governo em 11 de fevereiro.

Manifestantes contra o governo Mubarak na Praça Tahrir, no Cairo, Egito [AP Photo/Tara Todras-Whitehill]

No ponto alto da revolução, estima-se que houve 40 a 60 greves por dia. No mês de fevereiro de 2011, o número de greves foi igual ao de todo o ano anterior. Centenas de milhares de trabalhadores nos principais centros industriais do Egito entraram em greve, incluindo trabalhadores no canal de Suez, metalúrgicos em Suez e Port Saïd, além de 27 mil trabalhadores têxteis em Ghazl al-Mahalla, a maior instalação industrial no Egito na cidade de Mahalla al-Kubra, no Delta do Nilo.

O World Socialist Web Site (WSWS) analisou os acontecimentos no Egito e na Tunísia, onde protestos em massa derrubaram o ditador de longa data, Zine al-Abidine Ben Ali, dias antes, como o início de uma nova época revolucionária. Numa perspectiva intitulada 'A revolução egípcia', David North, presidente do conselho editorial internacional do WSWS, escreveu:

A revolução egípcia está dando um golpe devastador no triunfalismo pró-capitalista após a liquidação da URSS pela burocracia soviética em 1991. A luta de classes, o socialismo e o marxismo foram declarados irrelevantes no mundo moderno. A 'História' – como 'A história de toda a sociedade até hoje é a história das lutas de classes' (Karl Marx e Friedrich Engels) – havia terminado. A partir daquele momento, as únicas revoluções concebíveis para a mídia seriam as 'coloridas', politicamente planejadas pelo Departamento de Estado dos EUA, e depois implementadas pelos setores pró-capitalistas abastados da sociedade.

Esse cenário complacente e reacionário foi derrubado na Tunísia e no Egito. A história retornou com vingança. O que está atualmente acontecendo no Cairo e em todo o Egito é uma verdadeira revolução. 'A característica mais clara de uma revolução é a interferência direta das massas nos acontecimentos históricos', escreveu Leon Trotsky, o maior especialista no assunto. Essa definição de revolução se aplica inteiramente ao que está acontecendo agora no Egito.

Dez anos depois, porém, não é a classe trabalhadora que está no poder no Egito, mas uma ditadura militar sangrenta apoiada pelas potências imperialistas, que vive aterrorizada por uma nova revolta em larga escala e suprime todos os sinais de oposição social. Em 22 de janeiro, o parlamento egípcio, a pedido do ex-general de Mubarak e atual ditador, Abdel Fattah al-Sisi, prorrogou o estado de emergência por mais três anos. Desde seu golpe contra o presidente eleito Mohammed Mursi em 2013, mais de 60 mil presos políticos desapareceram nas câmaras de tortura do regime. Milhares foram condenados à morte e executados.

Em meio à nova intensificação da luta de classes em todo o mundo, alimentada pelas terríveis conseqüências da pandemia e pelo recurso cada vez mais aberto da burguesia à ditadura e às formas de governo fascistas, é necessário tirar lições políticas dessas experiências. Como foi possível a contrarrevolução no Egito ser vitoriosa, e que tarefas políticas isso representa para as batalhas de classe no futuro? A chave para responder a essas questões críticas é um estudo concreto dos acontecimentos e do papel das tendências e programas políticos. O principal problema da revolução egípcia foi a falta de uma direção revolucionária.

Um dia antes da queda de Mubarak, David North advertiu em outra perspectiva:

O maior perigo enfrentado pelos trabalhadores egípcios é o de que, após fornecer a força social essencial para tirar o poder das mãos de um antigo ditador, nada de substância política mudará, exceto os nomes e rostos de alguns dos líderes. Em outras palavras, o Estado capitalista permanecerá intacto. O poder político e o controle sobre a vida econômica permanecerão nas mãos dos capitalistas egípcios, apoiados pelos militares, e os seus mestres imperialistas na Europa e na América do Norte. As promessas de democracia e de reforma social serão repudiadas na primeira oportunidade, e um novo regime de repressão selvagem será instituído.

Esses perigos não são um exagero. Toda a história da luta revolucionária no século XX prova que a luta pela democracia e pela libertação dos países oprimidos pelo imperialismo pode ser alcançada, como Leon Trotsky insistiu em sua teoria da revolução permanente, somente pela conquista do poder pela classe trabalhadora com base em um programa internacionalista e socialista.

Ao longo da revolução Egípcia, essa análise foi confirmada. Todas as frações e partidos da burguesia e seus apêndices stalinistas e pseudoesquerdistas mostraram seu caráter essencialmente contrarrevolucionário. Eles colaboraram com os imperialistas e defenderam o capitalismo egípcio e suas instituições. Isso é verdade em relação à Irmandade Muçulmana, que está hoje novamente proibida como era sob Mubarak, e também em relação aos partidos nasseristas ou 'liberais'. Como partido do governo antes do golpe, a Irmandade Muçulmana conspirou com os militares, proibiu greves e protestos e apoiou as intervenções imperialistas na Líbia e na Síria.

É possível citar alguns exemplos de destaque. Mohamed El Baradei, o ex-líder da Associação Nacional para a Mudança, tornou-se o primeiro vice-presidente da junta militar de Sisi. O dirigente sindical 'independente', Kamal Abu Eita, tornou-se Ministro do Trabalho. Hamdeen Sabahi, o líder da nasserista Corrente Popular, defendeu publicamente os massacres da junta. Quando o exército assassinou pelo menos 900 opositores ao golpe, incluindo mulheres e crianças, ao mesmo tempo que acabava com os protestos dos partidários de Mursi na praça Rabaa El-Adaweya, no Cairo, Sabahi declarou na televisão: 'Vamos ficar de mãos dadas, o povo, o exército e a polícia'.

No entanto, uma tendência particularmente corrupta que abriu caminho para a contrarrevolução foram os Socialistas Revolucionários, um grupo de pseudoesquerda no Egito com laços estreitos com o Partido Socialista dos Trabalhadores (Socialist Workers Party - SWP) no Reino Unido e o Partido A Esquerda (Die Linke) na Alemanha, entre outros. Em cada etapa da revolução, eles insistiram que os trabalhadores não podiam desempenhar um papel independente, mas tinham que se subordinar a uma ou outra fração da burguesia para lutar pelos seus direitos democráticos e sociais.

Após a queda de Mubarak, os Socialistas Revolucionários alimentaram ilusões nos militares, que haviam tomado o poder sob a liderança do ex-ministro da defesa de Mubarak, Muhammed Tantawi. No jornal britânico The Guardian, o ativista do Socialistas Revolucionários, Hossam el-Hamalawy, escreveu que 'os oficiais jovens e os soldados' são 'nossos aliados', declarando que o exército 'eventualmente organizaria a transição para um governo 'civil''.

Enquanto o exército reprimia os protestos e greves e surgiam chamados por um uma 'segunda revolução', os Socialistas Revolucionários retomaram o seu apoio anterior à Irmandade Muçulmana. Em declarações do partido, eles chamaram a Irmandade Muçulmana de 'ala direita da revolução', defendendo um voto a favor de Mursi nas eleições presidenciais de 2012. Eles então comemoraram a vitória de Mursi como uma 'vitória para a revolução' e uma 'grande conquista em fazer recuar a contrarrevolução'.

Quando novas greves e protestos irromperam contra as políticas contra os trabalhadores e pró-imperialistas de Mursi, os Socialistas Revolucionários se alinharam novamente aos militares. Eles apoiaram a Aliança Tamarod, apoiada e financiada por El Baradei, o multibilionário egípcio Naguib Sawiris e antigos oficiais do regime de Mubarak, entre outros, que defendiam a derrubada de Mursi pelos militares. Em uma declaração, publicada em 19 de maio de 2013, os Socialistas Revolucionários saudaram Tamarod como 'uma forma de completar a revolução' e declarou a sua 'intenção de participar integralmente desta campanha'.

A resposta do RS ao golpe militar de 3 de julho confirmou completamente a sua natureza contrarrevolucionária. Eles celebraram o golpe como uma 'segunda revolução', apelando aos manifestantes para 'proteger a sua revolução'. Enquanto os militares restauravam o aparato repressivo do regime de Mubarak, os Socialistas Revolucionários espalharam mais uma vez o conto de fadas de que o governo militar poderia ser pressionado para que se obtivesse reformas democráticas e sociais. Em sua declaração de 11 de julho, eles defenderam que o novo governo fosse pressionado para 'tomar medidas imediatamente e alcançar a justiça social em benefício dos milhões de egípcios pobres'.

Desde então, os Socialistas Revolucionários têm se preocupado principalmente em esconder o seu passado. Em seu próprio artigo sobre o aniversário da revolução publicado no jornal do SWP, Socialist Worker, Hamalawy escreveu sobre a conspiração contrarrevolucionária: 'Os militares entraram em contato em segredo com a oposição secular (esquerdistas, nacionalistas árabes, liberais), e asseguraram o seu apoio a um golpe de Estado em julho de 2013. O que se seguiu foram os maiores massacres da história moderna do Egito, em meio ao aplauso dos esquerdistas egípcios'.

Hamalawy esconde cuidadosamente o fato de que a sua própria organização estava entre esses 'esquerdistas egípcios' que aplaudiram os massacres de Sisi.

A lição crucial da revolução Egípcia é a necessidade de construir uma direção revolucionária na classe trabalhadora antes das lutas em massa. Somente desta forma a independência política da classe trabalhadora pode ser estabelecida em relação à burguesia e aos seus auxiliares pequenos burgueses, e as massas podem ser armadas com um programa socialista e a perspectiva da revolução permanente para derrubar o capitalismo.

O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) e as suas seções são guiados pela concepção que também guiou o Partido Bolchevique e os seus líderes, Lenin e Trotsky, antes da Revolução de Outubro na Rússia. Na resolução adotada no Segundo Congresso Nacional do Partido Socialista pela Igualdade (SEP) dos EUA em 2012, um ano após a revolução egípcia, escrevemos:

Não é suficiente prever a inevitabilidade das lutas revolucionárias e depois aguardar o seu desdobramento. Tal passividade não tem nada em comum com o marxismo, que insiste na unidade entre o conhecimento teoricamente guiado e a prática revolucionária. Além disso, como o desfecho da queda de Mubarak demonstra muito claramente, a vitória da revolução socialista requer a presença de um partido revolucionário. O Partido Socialista pela Igualdade deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para desenvolver, antes do início das lutas em massa, uma presença política significativa dentro da classe trabalhadora – acima de tudo, entre os seus elementos mais avançados.

Em meio a uma nova intensificação da luta de classes em todo o mundo, esse trabalho deve agora ser levado adiante com energia renovada. Essa é a tarefa do CIQI e das suas seções e grupos simpatizantes.

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