Publicado originalmente em 25 de janeiro de 2021
As eleições presidenciais em Portugal, ocorridas no domingo, foram vencidas pelo candidato de direita Marcelo Rebelo de Sousa e foram marcadas por um pronunciado aumento dos votos no partido fascista Chega.
As eleições ocorreram em meio à explosão de mortes por coronavírus em Portugal. As mortes mais do que duplicaram desde o início do ano, atingindo um recorde de 275 no domingo, elevando o total de mortes para 10.194 neste país de apenas 10,2 milhões de pessoas.
O medo do vírus e a ausência de formas de votação pelos correios ou eletrônica foram parcialmente responsáveis pela baixa participação recorde de 39,5%. No entanto, a participação nas urnas tem declinado constantemente ao longo de décadas — de 84,4%, após a queda da ditadura fascista de António Salazar com a Revolução dos Cravos de 1974, para 51,3% em 2016 — com o crescimento do repúdio ao establishment político. As eleições parlamentares de 2019 tiveram a participação de apenas 48,6% dos eleitores.
Este ano, Sousa, o candidato do conservador Partido Social-Democrata (PSD), venceu um segundo mandato com 60,7% dos votos. Ele recebeu apoio não-oficial do Primeiro Ministro, António Costa, do social-democrata Partido Socialista (PS), e de outros líderes do PS. O político do PS Carlos César parabenizou Rebelo de Sousa por sua reeleição, dizendo que era uma "boa notícia" para o PS, pois permite a continuação de uma estreita "cooperação institucional" entre o governo e o presidente.
A principal preocupação do PS e de seus aliados pseudoesquerdistas era conter a crescente raiva da classe trabalhadora contra a desigualdade social e a pandemia e bloquear uma guinada à esquerda. O PS, trabalhando desesperadamente para apoiar o direitista Sousa, não apresentou um candidato próprio. Ana Gomes, uma maoísta que tornou-se membro do PS e sua representante no Parlamento Europeu, concorreu como independente e obteve apenas 13% dos votos.
Os demais partidos aliados ao PS tiveram maus resultados. O candidato do Partido Comunista Português stalinista (PCP), João Ferreira, recebeu 4,3% dos votos, e Marisa Matias do pseudoesquerdista Bloco de Esquerda (BE) passou de 10,1% dos votos em 2016 a 4% este ano. Há anos, ambos os partidos vêm trabalhando na prática em coalizão com o PS.
O Chega, um partido criado em 2019, obteve 11,9% dos votos. Isso representou um grande aumento do seu apoio: em outubro de 2019, quando seu líder André Ventura foi o primeiro candidato fascista a ser eleito desde a revolução de 1974, o partido ganhou 1,3% dos votos. Este mês, Marine le Pen, líder do partido de extrema-direita francês Rassemblement National, foi convidada de honra no comício eleitoral de Ventura.
Na noite das eleições, Ventura declarou seu resultado como “histórico”, acrescentando que "esmagamos a extrema esquerda em Portugal", ou seja, o PCP e o BE. Ele afirmou que o Chega "conseguiu furar o bloqueio habitual em Portugal” com uma poderosa força “antissistema".
Como outros demagogos fascistas, Ventura culpa ferozmente o socialismo, o "establishment político corrupto" e os setores mais oprimidos da sociedade pela crise econômica e social. Ele ataca os "ciganos" e os trabalhadores dependentes das políticas de bem-estar social, declarando que "o socialismo e a corrupção estão matando nossa nação". Ele quer acabar com a Constituição pós-ditadura, que formalmente reivindica uma "sociedade socialista" e a abolição do imperialismo, do colonialismo e de "todas as outras formas de agressão".
Os humores fascistas crescem entre a classe dominante. Depois que Ventura se reuniu no ano passado com empresários portugueses para discutir seu programa de lei e ordem, pró-empresarial, João Maria Bravo, proprietário do grupo Sodarca, um grande prestador de serviços às Forças Armadas portuguesas, disse aos repórteres: "Desde 1974, o país afundou, e este já é o governo mais caro de todos os tempos. André é o único que põe o dedo na ferida e fala sobre o que queremos ouvir. Ele faz propostas honestas, pretende colocar o país em ordem, combater a impunidade e fazer a economia florescer".
Ele acrescentou: "Como você pode imaginar, tenho excelentes contatos na polícia e nas forças militares, e garanto que ele tem muito apoio. Só não há mais apoiadores declarados nessas áreas no momento porque eles não podem se manifestar".
A ascensão de um candidato fascista em Portugal, apenas semanas depois do ex-presidente americano Donald Trump ter tentado provocar um golpe fascista no Capitólio em Washington, é um alerta aos trabalhadores internacionalmente. A resposta da burguesia à raiva crescente da classe trabalhadora contra a política assassina de "imunidade de rebanho" frente à COVID-19 e os níveis obscenos de desigualdade social é voltar-se ao fascismo. Partidos como o Chega em Portugal e o Vox na Espanha — países onde os regimes fascistas só caíram nos anos 1970 e ainda estão bem presentes memória viva da nação — estão crescendo em meio a uma crise internacional insolúvel do capitalismo.
As principais forças responsáveis pela ascensão do Chega são os partidos anti-operários, pseudoesquerdistas que Ventura falsamente caracterizou como de "extrema-esquerda".
Em 2015, o BE junto ao PCP e o Partido Verde (PEV) apoiaram o novo governo pró-austeridade, pró União Européia (UE) de Costa, composto minoritariamente pelo PS. Eles socorreram o PS, que fora desacreditado por impor um programa de austeridade quando estava no poder de 2005 a 2011 e estava ameaçado de desintegrar-se como seu partido irmão na Grécia, o PASOK.
O BE deu seu apoio entusiástico a Costa com a simples "condição de que ele desista de algumas das políticas mais neoliberais de seu programa". Toda sua retórica pré-eleitoral sobre o não-pagamento da dívida de Portugal e o rompimento com a União Européia foi descartada. O pacto com o PS tornou-se o meio através do qual a base pequeno-burguesa do BE foi completamente integrada ao mecanismo de austeridade da UE. Isso gerou um desastre social para a classe trabalhadora.
Após anos de um governo do PS apoiado pelo BE, Portugal está entre os países mais socialmente desiguais da UE. Um em cada cinco trabalhadores de Portugal recebe o salário mínimo mensal de 635 euros (700 dólares), o mais baixo da Europa ocidental. O salário médio mensal de Portugal é inferior a 900 euros por mês, comparado a mais de 2.000 euros para toda a UE. Ao mesmo tempo, os super-ricos enriqueceram. De acordo com o Statista.com, "até 2022 estima-se que o número de indivíduos em Portugal com um patrimônio líquido de mais de cinco milhões de dólares chegará a 5.650, um aumento esperado de quase 1.100 desde 2017".
No ano passado, em meio ao desastre provocado pela pandemia, o BE admitiu que os governos que apoiara do PS perseguiram "uma estratégia de transferência de recursos para o setor privado". Agora o sistema de saúde pública de Portugal está à beira do colapso, com os hospitais ficando sem leitos de UTI. "Já estamos tratando pacientes além de nossa capacidade instalada... e não somos o único hospital onde isto está acontecendo", disse Daniel Ferro, diretor do maior hospital de Lisboa, o Santa Maria.
Quando trabalhadores se mobilizaram contra o governo do PS, os pseudoesquerdistas foram radicalmente contrários. Quando trabalhadores portugueses entraram em greve e os protestos dos "coletes amarelo" se espalharam por Portugal, seguindo os da França, o líder do BE Francisco Louçã os denunciou como fascistas: "Esta é uma operação de extrema-direita. Eles estão usando as mídias sociais para provocar uma politização agressiva em termos de extrema-direita". Em 2019, o BE e os sindicatos portugueses isolaram uma greve nacional de caminhoneiros enquanto o governo do PS convocava o exército para forçar os caminhoneiros a voltar ao trabalho.
A ascensão do Chega num momento em que a classe capitalista na Europa e internacionalmente persegue uma política assassina e fascistizante de "imunidade de rebanho" é um alerta da maior seriedade. A tarefa de construir um movimento politicamente independente na classe trabalhadora, lutando contra as políticas de "imunidade de rebanho" e pelo socialismo com base numa crítica marxista-internacionalista aos grupos pseudoesquerdistas é urgente. Isso significa lutar para construir uma seção portuguesa do Comitê Internacional da Quarta Internacional.