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Sobre a natureza de classe do regime de Castro

Duas cartas sobre Cuba e uma resposta

Publicado originalmente em 24 de março de 1998

Recentemente, o World Socialist Web Site recebeu o seguinte e-mail indagando sobre nossa análise sobre a Revolução Cubana e o regime de Fidel Castro:

Olá, SEP!

Eu sou um trotskista sueco de 17 anos que está interessado em ouvir a sua opinião sobre Cuba, pois eu estou escrevendo sobre isso na escola. Eu penso que Cuba é um estado operário degenerado, mas muitos outros não concordam com isso. Seria interessante ouvir o que vocês pensam.

Saudações revolucionárias do ML.

Questões similares foram levantadas em uma mensagem mais extensa recebida na última primavera e verão. O trecho a seguir é de um e-mail enviado por BB de Boston, Massachusetts:

Minha diferença com a Organização Socialista Internacional (ISO) sobre o problema de Cuba é simples: não há um “estado capitalista” em Cuba. Enquanto algumas características do capitalismo foram introduzidas recentemente (o “período especial”), como o investimento estrangeiro na indústria turística, eu acredito que essas políticas foram desenvolvidas como fruto do desespero. Os EUA estrangulam Cuba há mais de 40 anos, e, desde 1989, não há nenhuma ajuda da Rússia ou de outros regimes stalinistas. Então Castro teve de escolher entre: (a) atrair investimento estrangeiro, consequentemente coexistindo com o mundo capitalista, ou (b) permitindo que Cuba torne-se novamente totalmente capitalista. E o povo ainda apoia largamente ele e a Revolução. (Mas como eu disse, há dissidentes, e a necessidade por reformas democráticas para dar aos trabalhadores cubanos total poder sobre suas vidas. Talvez uma segunda Revolução Cubana seja necessária.)

Eu sou, pessoalmente, um grande admirador de Castro e Che Guevara. Imagine o talento dessas pessoas, que organizaram - contra todas as possibilidades - uma guerrilha que esmagou totalmente uma ditadura apoiada pelos EUA. Eu fiquei impressionado, qualquer um que esmaga um regime apoiado pelos EUA deve ser elogiado por essa ação em particular. (Eu li “Os Episódios da Guerra Revolucionária Cubana”, uma coleção dos textos de Che no período de guerra, e fiquei totalmente impressionado.).

Minhas diferenças com o Socialist Workers Party (SWP) neste assunto aparecem do lado oposto. O SWP considera Cuba um estado completamente socialista, um estado operário, completamente democrático e de plena liberdade para todos. Eles são apoiadores acríticos de tudo aquilo que Cuba faz, e eles negam os abusos aos direitos humanos que lá ocorrem. Está é a razão pela qual eu, atualmente, não ingressei nele (apesar de eu já ter sido um membro ativo na Juventude Socialista no ano passado, organizando atividades em torno dos bombardeios dos EUA no Iraque, e eu fui a uma conferência do SWP em Washington D.C., que, para mim, foi bem-organizada e teve alguns grandes debates.).

Eu penso que a economia cubana é essencialmente um “socialismo vindo de cima”. Isso é distinto de um “capitalismo de Estado” no sentido que a economia é administrada centralmente, e é organizada de uma forma a atender às necessidades básicas da população (apesar de o bloqueio econômico dos EUA ter causado carências). Para uma nação de “terceiro mundo”, Cuba tem um impressionante sistema de saúde, um dos que colocam o sistema de saúde dos EUA em vexame. E qualquer habitante tem uma casa; não há sem-teto em Cuba (eu trabalho para um abrigo de sem-teto, e esse assunto é particularmente sensível a mim...). As casas cubanas, realmente, são de péssima qualidade, mas ao menos cada habitante tem uma casa.

A teoria do capitalismo de Estado insiste que a economia é administrada centralmente com o objetivo da competição militar com os estados capitalistas de mercado. Isto é uma coisa do passado; não á mais a URSS e o Bloco Oriental para competir. E - além da contínua ocupação da Baía de Guantánamo pelos EUA - Cuba não possui, atualmente, nenhuma disputa militar com os EUA (não desde a invasão da Baía dos Porcos). A competição militar entre Cuba e os EUA não existe. Cuba não tem mísseis apontados para nós, e não há nenhuma situação de “détente”. É por isso que eu penso que a teoria do capitalismo de Estado é inapropriada no caso de Cuba.

E também a teoria do capitalismo de estado é, para mim, problemática em si própria. Ela ignora qualquer real entendimento do que é o capitalismo, e como ele funciona. O capitalismo é um sistema dinâmico consistindo em uma miríade de entidades corporativas que competem, funcionando em uma onda sem fim de “booms” e depressões. Eu não acredito que isso tenha acontecido na Rússia, mesmo com a ascensão do stalinismo. O argumento que a competição dos países capitalistas de estado é militar em sua natureza em relação aos países capitalistas é incorreta se tentarmos entender o que é a competição capitalista.

Eu também não estou confortável com a política do SWP, especialmente com a teoria dos “estados operários degenerados”. O SWP ainda alega que a Rússia é um estado operário, mesmo após o capitalismo ter invadido completamente o país desde 1991. Eles possuem essa fixação na “irreversabilidade” do modo de produção; eles pensam que, uma vez que tenha esmagado o capitalismo ele nunca poderá voltar. Pelo menos, é desta forma que eu interpreto suas ideais; talvez eu esteja errado? Em qualquer caso, é claro que a Rússia não é um estado operário de qualquer tipo. Se houver uma competição para exemplificar a diferenciação de classe no mundo, a Rússia ganha o prêmio. Capitalistas yuppies dirigem BMWs em toda Moscou, enquanto a maioria da população está sendo forçada a praticar crimes apenas para comer. A Rússia se tornou a maior nação de terceiro mundo do globo, com abundância de miséria, crime, opressão. Nada disso é a ideia socialista de um estado operário.

Em resposta a essas cartas, o WSWS está publicando, com apenas alguns trechos a menos, a resposta que foi enviada a BB em julho do ano passado:

Caro BB,

Nós lemos seu e-mail de 30 de maio com interesse. É certamente importante gastar um tempo para cuidadosamente trabalhar as questões antes de decidir um rumo político em particular. Mas em relação à questão do caráter de classe de Cuba, parece-nos que você está um pouco perdido. Você aparenta estar tentando determinar suas ações concentrando-se muito estreitamente em este ou aquele aspecto da sociedade cubana contemporânea sem considerar as questões de forma mais completa em seu contexto internacional e histórico mais amplo. O problema é que as categorias que você emprega - “estado operário plenamente socialista”, “socialismo vindo de cima,” etc. - precisam ser examinadas criticamente. Elas somente podem ser adequadamente compreendidas à luz das lutas políticas dentro da Quarta Internacional.

Queremos afirmar desde o princípio que o Partido Socialista pela Igualdade (SEP), enquanto politicamente sempre defendeu Cuba contra a agressão imperialista, nunca o considerou, sob nenhuma forma, como um estado operário. O regime de Fidel Castro não foi formado na base de uma luta realizada pela classe trabalhadora. O próprio Fidel Castro foi um membro de um partido político burguês, que realizou uma guerra de guerrilha como tática para acabar com a ditadura - apoiada pelos EUA - de Fulgêncio Batista. Ele encontrou sua base de apoio não entre os trabalhadores, mas muito mais entre a pequena-burguesia urbana e uma seção dos camponeses.

A perspectiva política de Fidel e seus seguidores era de um nacionalismo cubano, e não um internacionalismo socialista. Isto era verdade em 1959 e é até hoje. As ações políticas de Fidel, enquanto às vezes aparentavam ser muito radicais, eram ditadas por sua necessidade em manobrar internacionalmente entre o imperialismo e o stalinismo, e em equilibrar-se internamente entre a classe trabalhadora e várias camadas pequeno-burguesas.

Mas seria errado fixar-se somente nesse ponto. A questão de Cuba, e mais genericamente, o que constitui um estado operário, ganha importantes consequências políticas e teóricas que vão ao cerne do marxismo. É o proletariado, como Marx explicou, a única classe consistentemente revolucionária dentro da sociedade capitalista? Como a classe trabalhadora tomaria o poder e que tipo de estado poderia ser construído? É necessário, como Leon Trotsky insistiu, para a classe trabalhadora apoiar a si própria sob uma estratégia internacional em seu combate contra o capitalismo?

Tão cedo quanto começar a considerar essas questões básicas, torna-se mais claro que para estabelecer uma definição sociológica e cientificamente correta para Cuba, essa definição está vinculada com questões políticas muito mais amplas. E se foi possível construir o socialismo no isolamento, baseado em forças não-proletárias e sem a liderança marxista, então a luta de Trotsky para fundar a Quarta Internacional para resolver a crise da direção da classe trabalhadora teria sido sem sentido algum. Todavia, são exatamente essas conclusões que foram feitas por uma tendência oportunista que surgiu entre as fileiras da Quarta Internacional depois da Segunda Guerra Mundial.

A questão da natureza de classe de Cuba desempenhou um papel central no desenvolvimento da Quarta Internacional no pós-guerra. Uma tendência oportunista liderada por Michel Pablo e Ernest Mandel surgiu quando abandonou uma concepção básica de Marx, para quem a liberação da classe trabalhadora era a tarefa da própria classe trabalhadora. Os pablistas alegaram que a construção do socialismo poderia ser realizada por outras forças de classe - a burocracia stalinista e socialdemocratas, assim como nacionalistas burgueses em países como Cuba.

Pablo e Mandel começaram rejeitando a avaliação de Trotsky de que a burocracia soviética era como uma agência contrarrevolucionária, alegando que ao invés disso, sob a pressão das massas, ela seria compelida a atuar com um papel histórico progressista. Mas a Terceira Internacional foi destruída pelo stalinismo, que nos anos 20 e 30 infringiu terríveis derrotas à classe trabalhadora. Trotsky fundou a Quarta Internacional não para pressionar a burocracia stalinista, mas como o partido mundial da revolução socialista, ou seja, a nova liderança revolucionária da classe trabalhadora. O Comitê Internacional da Quarta Internacional, com qual o Partido Socialista pela Igualdade nos EUA está em solidariedade política, foi formado em 1953 para defender os princípios fundamentais do movimento trotskista contra o liquidacionismo dos pablistas.

A controvérsia sobre os estados-tampão

A perspectiva de Pablo e Mandel estava baseada em uma reação subjetiva à situação do pós-guerra: a aparente força do stalinismo e a expansão econômica do mundo capitalista. Trotsky previu que a Segunda Guerra Mundial poderia produzir movimentos revolucionários da classe trabalhadora que fariam as seções da Quarta Internacional surgir como partidos de massa da classe trabalhadora. A história provou ser algo mais complexo (embora que, para ser justo com Trotsky, ele sempre insistiu que quanto mais concreto o prognóstico, mais provisório ele o é). Apesar de sua longa história de traições nas décadas de 1920 e 1930, o stalinismo emergiu da guerra fortalecido. O papel do Exército Vermelho ao derrotar as forças do fascismo aumentou o prestígio da burocracia soviética aos olhos dos trabalhadores ao redor do mundo.

Mas o caráter contrarrevolucionário do stalinismo não havia mudado. No final da guerra, as potências imperialistas foram confrontadas com uma profunda crise econômica e política e contaram com os burocratas de Moscou para suprimir as lutas independentes da classe trabalhadora. A nova estabilização no pós-guerra do capitalismo foi baseada em uma série de acordos surpreendentes entre Stalin, Roosevelt (e mais tarde Truman) e Churchill em Teerã, Yalta e Potsdam. Como recompensa pelo controle político no Leste Europeu, os stalinistas concordaram em desarmar os movimentos de resistência na Europa e apoiar a restauração de governos burgueses. A neutralização das situações potencialmente revolucionárias na França e Itália, a vitória de forças de direita apoiadas pelos EUA na guerra civil grega, a divisão da Alemanha e o esmagamento de rebeliões na Ásia e em todos os lugares - tudo foi possível através da obra dos stalinistas - permitindo às potências imperialistas em estabelecer uma nova ordem pós-guerra baseada na força econômica do imperialismo dos EUA.

Nesse contexto, uma controvérsia surgiu dentro da Quarta Internacional sobre a natureza de classe dos chamados estados-tampão no Leste Europeu. Havia diferenças fundamentais entre a União Soviética e esses recém-formados regimes. A URSS havia sido estabelecida por uma revolução proletária. Em outubro de 1917, a classe trabalhadora, liderada por um partido proletário de massa, tomou o poder e estabeleceu um governo dos trabalhadores baseado em suas próprias instituições democráticas - os sovietes, ou conselhos de trabalhadores. Enquanto a burocracia usurpou o poder da classe trabalhadora, os ganhos essenciais da revolução - relações de propriedade nacionalizadas e os elementos básicos da economia planificada - permaneceram. A Quarta Internacional caracterizou a União Soviética como um estado operário degenerado, expressando, de ambas as formas, seu caráter contraditório e as tarefas da classe trabalhadora. Uma revolução política era necessária para eliminar do estado Soviético sua excrescência burocrática, revitalizar o estado operário e retornar à estrada do socialismo internacionalista.

Diferente da União Soviética, nenhum dos estados-tampão emergiram da própria ação da classe trabalhadora. De fato, a primeira tarefa do Exército Vermelho no Leste Europeu foi suprimir a operação dos comitês locais antifascistas e tentar ressuscitar uma aliança com os remanescentes dos partidos burgueses. A nacionalização das indústrias privadas e das finanças apenas ocorreram mais tarde, após a implementação do Plano Marshall, e ocorreram burocraticamente, de cima.

As complexas questões políticas envolvidas em avaliar esses desdobramentos foram resumidas pelo líder do Socialist Workers Party (SWP) nos EUA, James Cannon:

Eu não penso que você possa mudar o caráter de classe de um estado por uma manipulação realizada por cima. Isto pode ser apenas feito pela revolução que é seguida por uma mudança fundamental das relações de propriedade. Isto é o que entendo por uma mudança do caráter de classe de um estado. Foi o que ocorreu na União Soviética. Os trabalhadores primeiro tomaram o poder e começaram a transformação das relações de propriedade...

Se você começa a crer na ideia de que o caráter de classe de um estado pode ser mudado por manipulações nos círculos superiores, você abre a porta para todos os tipos de revisões da teoria básica. Eu acredito que os estados-tampão não apenas podem retornar à orbita capitalista, mas todas as probabilidades indicam que irão fazê-lo, a menos que a situação seja alterada por um movimento revolucionário na Europa. (Citação extraída do livro The Heritage We Defend, Labor Publications, p. 165, de David North)

A Quarta Internacional finalmente desenvolveu o termo “estados operários deformados” como forma de identificar as tarefas políticas frente à classe trabalhadora no Leste Europeu. Enquanto reconheceu a necessidade de opor-se a intervenção imperialista, o termo “deformado” enfatiza as origens distorcidas e anormais desses estados e a necessidade de mobilizar os trabalhadores em uma revolução política contra a burocracia dominante.

A caracterização de “estados operários deformados” sempre teve um caráter temporário ou provisório, refletindo a natureza híbrida desses regimes que emergiram como resultado das condições peculiares do ajuste do pós-guerra. Para Pablo e Mandel, entretanto, magnetizados pela aparente força do stalinismo, o termo foi o ponto inicial para uma perspectiva inteiramente nova – “centenas de estados operários deformados”, como um estágio historicamente necessário na transição do capitalismo ao socialismo.

A controvérsia inicialmente surgiu em relação ao Leste Europeu, mas logo se tornou mais clara a amplitude de questões em que essa perspectiva envolvia. Atrás da pressa em caracterizar a Polônia, Hungria e Iugoslávia como “estados operários deformados” estava o abandono da tarefa central do marxismo - a mobilização independente da classe trabalhadora para derrotar o capitalismo. Pablo e Mandel cederam à burocracia stalinista, e mais amplamente aos partidos reformistas e aos burgueses nacionalistas em outros países, as tarefas que a própria classe trabalhadora deveria realizar.

As bases do capitalismo de estado

Superficialmente os capitalistas de estado aparecem como diametralmente opostos aos pablistas. Grupos como a Organização Socialista Internacional (ISO) sempre insistiram que não havia nada de progressista para ser defendido pela classe trabalhadora na antiga União Soviética. A burocracia stalinista, eles alegavam, eram uma nova elite dominante dirigindo um novo tipo de formação social.

Na realidade, capitalismo de estado e o pablismo são dois lados da mesma moeda. Ambos atribuem à burocracia stalinista o papel de uma nova época - no caso dos pablistas, um papel socialmente progressista; no caso dos capitalistas de estado, um papel reacionário. Mais do que ser um produto temporário de circunstâncias políticas particulares, o stalinismo recebeu validade histórica permanente. Esta visão comum derivou de um profundo ceticismo na capacidade revolucionária da classe trabalhadora em mudar o mundo. Trotsky trata dessas questões em seu livro In Defense of Marxism, no artigo “A URSS e a guerra” (pp. 6-9, New Park Edition).

A gênese da ISO pode ser encontrada em uma tendência liderada por Max Shachtman e James Burnham, que surgiu em 1939-1940 dentro da Quarta Internacional. No início da guerra imperialista, Shachtman e Burnham renunciaram em defender a União Soviética. Baseados em vários eventos conjunturais - o pacto Hitler-Stalin e a invasão soviética à Finlândia e ao leste da Polônia - declararam que a União Soviética não poderia ser considerada, de nenhuma forma, um estado operário.

Como Trotsky apontou, Burnham e Shachtman foram incapazes em explicar quando e como aconteceu qualquer transformação social ou em fazer qualquer caracterização de classe da União Soviética. Trotsky explicou que, apesar de todos os crimes contra o proletariado internacional, a burocracia de Moscou permanecia e estava compelida a defender os ganhos básicos da Revolução de Outubro. No caso de uma invasão bem-sucedida por qualquer potência imperialista, as relações de propriedade nacionalizadas seriam inevitavelmente rompidas e destruídas. Por esse motivo, era necessário que a classe trabalhadora internacional defendesse a União Soviética. Uma defesa, entretanto, que não deveria significar nenhum tipo de apoio político à burocracia stalinista e era indissociavelmente atrelada com a batalha política para destruí-la.

As invenções sociológicas de Burnham e Shachtman refletiam a pressão da opinião pública burguesa sobre a Quarta Internacional. Eles estavam adaptando-se às camadas liberais que antes defenderam a União Soviética, enquanto os stalinistas subordinavam a classe trabalhadora às potências imperialistas democráticas, mas que estavam enfurecidas com a aliança de Stalin com Hitler e com a invasão soviética à Finlândia e logo após à Polônia. Assim como o pacto Hitler-Stalin era politicamente depravado, também o era a dedução lógica dos nacionalistas com a sua visão oportunista.

A cisão de Burnham e Shachtman na Quarta Internacional foi a preparação para defenderem o imperialismo durante a Segunda Guerra Mundial. Burnham tornou-se um ideólogo da Guerra Fria que em 1983 foi condecorado com a Medalha Presidencial da Liberdade por Ronald Reagan. O capitalismo de estado de Shachtman serviu de máscara para sua evolução conservadora rumo ao Departamento de Estado “socialista”. Em 1950, Shachtman apoiou o imperialismo dos EUA na Guerra da Coréia. Mais tarde apoiou tanto a inútil invasão da Baía dos Porcos a Cuba em 1961 quanto a intervenção americana no Vietnã.

O pablismo e o capitalismo de estado são diferentes formas de radicalismo pequeno-burguês que surgiram em resposta à nova estabilização do capitalismo no pós-guerra. Ambos, de forma impressionista, abraçaram a visão que os únicos jogadores no cenário mundial eram o bloco liderado pelos EUA e o liderado pela União Soviética, deste modo reduzindo a classe trabalhadora a um espectador passivo no fluxo da história, subordinando-a politicamente a outras forças de classe.

A natureza de classe da Revolução Cubana

Isso nos traz de volta à questão de Cuba, Castro e Guevara. Em primeiro lugar, é preciso dizer que é perigoso basear avaliações políticas ou definições sociológicas em características determinadas subjetivamente. Bravura, coragem, determinação, audácia não são as únicas ocupações dos marxistas revolucionários - ainda que nosso movimento atraia à sua bandeira as melhores e as mais sacrificadas camadas da classe trabalhadora, da juventude e de intelectuais. Todos os tipos de outros partidos políticos e figuras, incluindo aqueles da extrema direita, podem exibir essas características. É necessário basear-se em uma avaliação mais objetiva do caráter de classe do regime cubano.

Fidel começou como um nacionalista cubano. Inicialmente ele não era visto pelo imperialismo americano como um oponente irreconciliável. Seções da classe dominante norte-americana tacitamente apoiaram sua batalha contra a ditadura de Batista. Mais tarde, isto deve ser lembrado, decidiu unir-se por um tempo em coalizão com o Partido Comunista Cubano. Apenas após chegar ao poder é que a orientação nacionalista de Fidel o levou a entrar em conflito com o governo americano e uma aliança próxima com a burocracia de Moscou. O recém-formado regime de Fidel Castro confrontou-se com Washington em relação à sua reforma agrária, que decretou a nacionalização das maiores propriedades agrárias, incluindo propriedades americanas. Esta ação não foi, por si própria, socialista no sentido completo do termo, e nem foi, de qualquer forma, uma novidade durante esse período. Um grande número de outros regimes nacionalistas, incluindo aqueles em Myanmar, Argélia, Egito e muitos outros, realizaram nacionalizações muito maiores em nome do desenvolvimento da economia nacional.

Sob a pressão dos EUA, culminando no bloqueio econômico e na Baía dos Porcos, Fidel implementou políticas mais radicais, incluindo a nacionalização das refinarias de petróleo do país, assim como suas poucas instituições financeiras e indústria.

Ao mesmo tempo, com Washington recusando quaisquer concessões políticas ou econômicas, Fidel realizou uma aliança com a União Soviética e com os stalinistas de Cuba, enquanto se autoproclamava um marxista. Se ele foi sincero ou não, esta não é a questão. Indubitavelmente a fraseologia marxista deu a ele certa racionalização política para o que estava fazendo e era um meio de mobilizar algum apoio popular. Todavia Fidel não é marxista. Sua percepção política é nacionalista. Você se refere à ausência de direitos democráticos em Cuba como se eles fossem apenas um detalhe. Mas a falta de democracia em Cuba, antes ou agora, não é uma pequena questão. Isso demonstra o caráter artificial dos chamados organismos populares criados pelo regime e a ausência de qualquer base significativa do proletariado. Uma das primeiras ações de Fidel foi a prisão dos oponentes de esquerda que criticavam seu domínio. Dentro desses que foram capturados, presos e mortos estão os trotskistas cubanos, cujas publicações foram banidas.

A revolução cubana provou ser um ponto de inflexão crucial na história da Quarta Internacional. O SWP, que atuou decisivamente na luta política contra o oportunismo pablista em 1953, apoiou Fidel inteiramente em 1959. No período intermediário, o SWP tornou-se cada vez mais cético em relação à classe trabalhadora e impaciente com o lento processo de construção de um partido revolucionário no coração do imperialismo. A liderança do SWP começou a privilegiar outras forças de classe, frequentemente adotando as posições políticas oportunistas contra as quais havia antes lutado. O SWP declarou Cuba como um “estado operário” e saudou Fidel como “um marxista nato”, ignorando a longa discussão sobre o caráter de classe dos estados-tampão. Essa aprovação a Fidel foi santificada por Mandel na Europa e tornou-se a base para a absolutamente imoral reunificação do SWP com o pablista Secretariado Internacional. A Workers League (WL), a precursora do SEP, foi formada por aqueles marxistas dentro do SWP que apoiaram o CIQI (Comitê Internacional da Quarta Internacional), se opondo a essa traição histórica do trotskismo.

O fascínio do SWP pelo “guerrilheirismo” pequeno-burguês representou o repúdio às lições da Revolução Russa e aos princípios da teoria da Revolução Permanente de Leon Trotsky. Mais tarde evidenciou-se que o campesinato foi incapaz de qualquer papel político independente. De acordo com o SWP, o papel de liderança do proletariado nos países atrasados e do partido marxista para elevar a consciência política da classe trabalhadora foram substituídos por grupos de lutadores camponeses liderados por burgueses nacionalistas, como Fidel e Guevara. O SWP declarou que o socialismo poderia ser obtido com a ajuda de “instrumentos embotados.”

Uma questão crucial que surgiu na batalha liderada pelos trotskistas britânicos da Socialist Labour League (SLL) contra o oportunismo do SWP foi a questão de método. Defendendo a adulação de seu partido a Cuba, o líder do SWP Joseph Hansen, de forma impressionista, citou os chamados “fatos”. Mas como a SLL explicou em seus documentos, a submissão de Hansen aos “fatos” imediatos, arrancados do contexto e divorciados de qualquer análise teórica e histórica, baseava-se na filosofia do empirismo, e não sobre o método dialético do marxismo. O caráter de classe de Cuba não pode ser determinado isolando, unilateralmente, uma ou outra característica, mas requer um exame do desenvolvimento de Cuba em seu contexto histórico e internacional.

A nacionalização da indústria

O “fato” chave citado por Hansen como evidência para a criação de um estado operário foi a nacionalização realizada pelo regime de Fidel em Cuba. Mas a nacionalização dos bancos e indústria nunca pode ser o critério primário para determinar o caráter de classe de um estado. Essas medidas foram tomadas por diversos tipos de governos burgueses no período pós-guerra como meio de regular a operação das economias capitalistas.

Além do mais, onde essas nacionalizações têm um certo caráter progressista, seus impactos somente podem ser avaliados dentro do contexto da perspectiva internacionalista do movimento marxista. O “socialismo em um só país” sempre foi menos viável em Cuba, uma economia minúscula baseada na exportação de açúcar, do que foi na União Soviética. Como Leon Trotsky escreveu em relação à ocupação da Polônia pelas forças soviéticas em 1939:

“O critério político primário para nós não são as transformações nas relações de propriedade em uma ou outra área, por mais importantes que possam ser, mais importante é a mudança da consciência e organização do proletariado mundial, o crescimento de sua capacidade em defender conquistas já obtidas e realizar outras novas. A partir deste ponto, e apenas desse decisivo ponto de vista, a política de Moscou, tomada como um todo, completamente guarda seu caráter reacionário e permanece como o grande obstáculo na rota da revolução mundial.” (In Defense of Marxism, p.24, New Park Edition)

Qual foi o resultado do castrismo? Castro nunca foi um internacionalista e nunca chamou pelos Estados Socialistas Unidos da América Central e do Sul. Nunca levou a sério a possibilidade de uma revolução socialista na América do Norte, não considerando nas suas análises a classe trabalhadora dos EUA e do Canadá.

Fidel foi um dos muitos líderes nacionalistas burgueses que no período pós-guerra equilibrou-se entre os imperialistas e o bloco soviético e foram promovidos como “socialistas” pela burocracia stalinista. O colapso do stalinismo tem produzido cada vez mais uma colaboração aberta com o imperialismo, a economia de mercado e o investimento das corporações transnacionais por todas essas camadas. Fidel não é uma exceção.

Sua aprovação apologética das chamadas reformas econômicas que estão sendo introduzidas por Fidel para permitir a exploração dos trabalhadores cubanos pelas grandes corporações denuncia um certo ceticismo, de sua parte, quanto à perspectiva do internacionalismo socialista. Ele fez o que deveria fazer, dadas as circunstâncias, você disse.

A perspectiva de Fidel provou não ser uma forma de sair do impasse da dominação imperialista sobre as massas cubanas. Com os investimentos privados invadindo a economia cubana, a polarização social está aumentando. Um recente artigo no Financial Times notou o crescente abismo entre os ganhos dos trabalhadores do estado e aquele que tem acesso aos dólares americanos através do crescente setor privado. “Uma classe abastada - milionários pelos padrões cubanos - está aumentando. Sua renda econômica pode derivar de uma variedade de fontes não-estatais - quantias enviadas por parentes, rendas derivadas de aluguéis para estrangeiros ou taxas pagas para artistas”, relata o artigo.

Não estamos nos colocando como conselheiros de Fidel, dizendo o que deve ou não fazer. Ele é o que é e sua política tem uma lógica definida. O que está sendo dito, entretanto, é que sua política atuou como uma parte importante em criar as circunstâncias do isolamento de Cuba. Certamente a sobrevivência de uma genuína revolução operária em Cuba, ou em qualquer outro lugar, irá depender, em última análise, do desenvolvimento da vitória da revolução socialista em todos os lugares do hemisfério e internacionalmente. O castrismo não colaborou para vitórias socialistas, entretanto, mas colaborou para uma derrota após a outra da classe trabalhadora.

Em 1973, Fidel foi ao Chile para apoiar Allende, sustentando o seu pacífico “caminho chileno para o socialismo” e dizendo aos trabalhadores que podiam confiar nos militares. E ajudou os stalinistas e os socialdemocratas para politicamente desarmar a classe trabalhadora no período seguinte ao golpe de Pinochet. Como resultado, uma situação potencialmente revolucionária se tornou um banho de sangue para a classe trabalhadora chilena. Na Argentina de Guevara, a tática de guerrilha pequeno-burguesa, apoiada pelos pablistas, serviu para desviar uma parte de trabalhadores e da juventude da luta crucial em construir uma liderança revolucionária na poderosa classe trabalhadora argentina. Como resultado, os peronistas foram capazes de manter sua dominação política sobre o movimento operário, pavimentando a estrada para a ditadura. No Uruguai, o Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros atuou de forma similar, desviando a oposição militante para políticas de frente popular dos stalinistas.

A promoção do “guerrilherismo” levou a uma interminável cadeia de catástrofes políticas. Che Guevara encontrou seu trágico destino na Bolívia. Ele sempre foi explícito em sua rejeição da ideia da classe trabalhadora como força revolucionária e sua insistência de que pequenos grupos guerrilheiros, baseados em camponeses, constituíam a única rota para o poder. Na Bolívia, gastou todos seus míseros esforços em tentar formar um foco guerrilheiro esquecendo todo o desenvolvimento político dentro da classe trabalhadora que criou uma situação revolucionária nas cidades apenas alguns anos após a sua morte.

O SWP e outros radicais pequeno-burgueses divinizam Guevara porque compartilham, precisamente, sua orientação de classe. Ele deixa às seções radicalizadas da classe média a possibilidade deles, e não a classe trabalhadora, serem o agente que possui o papel decisivo em qualquer movimento revolucionário. Qualquer nova promoção dos mitos do castrismo irá apenas levar a novos desastres para a classe trabalhadora, particularmente na América Latina. Por isso é necessário que se tenha uma análise crítica das experiências estratégicas do período pós-guerra e do papel de todas essas lideranças - stalinistas, socialdemocratas e nacionalistas burguesas - que bloquearam o caminho para a revolução proletária.

O papel político dos radicais

Concluindo, vamos nos referir brevemente ao setor dos radicais de classe média nos quais você está envolvido. É perfeitamente compreensível que você ache que a disputa entre a ISO, a Liga Espartaquista e o SWP seja repugnante. Mas como qualquer fenômeno social, isto deve ser entendido objetivamente. Essas disputas não envolvem questões de princípios políticos. Uma análise mais cuidadosa pode revelar que cada um desses grupos está competindo para forjar uma relação com uma ou outra seção da burocracia nos EUA ou em qualquer outro lugar. Para ser direto, esses choques são uma luta sobre um pântano político.

Hostilidades sem princípio como essas não devem ser confundidas com a luta necessária dos marxistas contra tendências como essas que tenham como objetivo tornar claras as questões da perspectiva política da classe trabalhadora. O partido necessário à classe trabalhadora não está sendo criado em uma ampla aliança de “viva e deixe viver” da esquerda. Sem dúvida, um partido de massa é necessário. Mas a história tem justificado cada vez mais a lição básica do Que Fazer?, de Lênin - que a educação política da classe trabalhadora, e o consequente crescimento do partido revolucionário, realiza-se através de uma rígida luta contra todas as formas de oportunismo e radicalismo pequeno-burguês.

Todos os outros partidos que você se refere - a ISO, o SWP, a Liga Espartaquista - são descendentes de grupos que romperam com a Quarta Internacional e abandonaram os princípios básicos do internacionalismo socialista. A profunda desmoralização e cinismo que permeiam essas camadas sociais é o produto da degeneração ou do completo colapso das forças políticas que eles clamavam como socialistas ou que poderiam ser empurradas ao socialismo - os stalinistas, várias seções da burocracia sindical, e figuras burguesas e nacionalistas como Arafat, Mandela e Fidel. Quaisquer que sejam suas diferenças em relação a Cuba, à antiga União Soviética ou à China - essas são diferenças muito subjetivas - todos eles se parecem em questões fundamentais.

Todos eles veem o caráter de um regime em particular através do prisma estreito da nação-estado, e de certo modo se é possível criar um estado completamente socialista e operário dentro das fronteiras de uma única nação. O movimento trotskista foi fundado em uma batalha política contra a teoria que foi inicialmente enunciada por Stalin e Bukarin em 1924 que seria possível criar o socialismo em um só país. A vitória da classe trabalhadora em uma parte do globo sempre teve um caráter provisório e temporário. O estabelecimento do socialismo é dependente de um desenvolvimento posterior da luta revolucionária do proletariado internacionalmente. A integração global da produção e o crescimento das gigantescas corporações transnacionais agora fazem mais imperativo que nunca que a classe trabalhadora adote sua própria perspectiva e estratégia internacional.

Além do mais, seu ponto de vista não é a educação política e a mobilização da classe trabalhadora, mas mais uma adaptação aos podres dirigentes operários. Nos EUA, todos esses grupos reuniram-se em torno da AFL-CIO muito intimamente, tentando atuar ali com uma aparência de esquerda, quando cada vez mais a burocracia sindical abertamente impõe as ordens das grandes corporações sobre a classe trabalhadora.

Esta resposta pôde apenas mencionar os pontos principais da análise, história e programa do SEP e do Comitê Internacional da Quarta Internacional. Desejamos que ache esta resposta útil para clarificar suas ideias. Há muitos livros que podem ajudá-lo, particularmente um: The Heritage We Defend. Ele lhe proverá uma completa exposição das questões políticas principais que surgiram na longa e extensa luta da Quarta Internacional contra o oportunismo.

Atenciosamente,

Partido Socialista pela Igualdade

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