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Chanceler alemão Olaf Scholz visita Argentina, Chile e Brasil

Publicado originalmente em 4 de fevereiro de 2023

O chanceler alemão Olaf Scholz visitou a Argentina, o Chile e o Brasil no final de janeiro acompanhado de uma delegação empresarial. A viagem de quatro dias foi dominada pela intensificação da guerra da OTAN contra a Rússia e pelos esforços para suprimir a escalada da luta de classes no mundo inteiro.

O chanceler Olaf Scholz e o presidente brasileiro Lula [Photo by Bundesregierung/Zahn]

A viagem de Scholz tinha vários objetivos – incorporar a América do Sul na frente de guerra da OTAN contra a Rússia, abrir novos mercados para fontes de energia e matérias-primas para a economia alemã a fim de compensar as consequências das sanções russas e diminuir a influência da China, além de apoiar os governos latino-americanos contra a resistência maciça da classe trabalhadora.

Nos três países, Scholz visitou memoriais às vítimas das ditaduras de direita – na Argentina, o Parque de la Memoria - Monumento a las Víctimas del Terrorismo de Estado, e, no Chile, o museu para as vítimas da ditadura de Pinochet. No Chile, ele também concordou em construir um memorial em Colonia Dignidad, onde uma seita de expatriados alemães torturava os opositores de Pinochet. No Brasil, o Palácio do Planalto, onde Scholz se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda ostentava as marcas da recente tentativa de golpe de Estado dos defensores de seu antecessor fascista, Jair Bolsonaro.

O aceno de Scholz às vítimas das ditaduras militares, regimes com os quais a Alemanha manteve as melhores relações, não foi dirigido contra a ameaça fascista. Por um lado, ele quis ocultar o caráter de seu próprio governo, que realiza uma política interna e externa de extrema direita. Por outro, ele quis fortalecer os governos nominalmente de esquerda na América do Sul, cujos ataques sociais e um confronto com a classe trabalhadora estão abrindo o caminho para a direita voltar ao poder.

Na Argentina, onde as eleições estão previstas para este ano, Scholz se reuniu com o presidente Alberto Fernández, cujo movimento peronista já havia sofrido uma derrota devastadora nas eleições de meio de mandato no final de 2021. O país, com seus 47 milhões de habitantes, está enfrentando uma crise econômica catastrófica. A taxa de inflação é de 95%, e 43% da população vive na pobreza.

Enquanto Fernández, com a ajuda dos sindicatos e dos partidos pseudoesquerdistas, suprime a luta de classes e está cortando gastos sociais para pagar um empréstimo de US$ 45 bilhões ao FMI, a extrema direita sente uma mudança no ar. Em setembro passado, por exemplo, um extremista de direita tentou assassinar a vice-presidente Cristina Kirchner. No dia seguinte, meio milhão de pessoas se manifestaram em frente ao palácio presidencial contra a tentativa de assassinato.

Scholz e Fernández assinaram memorandos de entendimento sobre uma cooperação mais estreita para expandir as energias renováveis e promover a criação de empresas. A Alemanha também quer comprar maiores quantidades de gás da Argentina. Scholz defendeu a rápida adoção do acordo comercial entre a União Europeia e os países do bloco comercial do Mercosul, que está em negociação há 20 anos. A Argentina formalizou recentemente um pedido para entrar nos BRICS, que inclui China, Índia, Rússia, Brasil e África do Sul.

O presidente chileno Gabriel Boric, com quem Scholz se encontrou na segunda etapa de sua viagem, também enfrenta a oposição feroz da classe trabalhadora. Boric havia sido eleito no final de 2021 como o candidato de uma aliança eleitoral supostamente de esquerda. Seu próprio partido, Convergencia Social, se baseia no modelo do Podemos da Espanha.

Mas, desde então, Boric tem se mostrado um representante confiável dos interesses capitalistas no país socialmente polarizado. Quando extremistas de direita atiraram em jornalistas e participantes de um comício no Primeiro de Maio do ano passado com a conivência da polícia, seu governo apoiou a polícia. Em junho do ano passado, 50.000 mineiros entraram em greve para protestar contra a decisão de Boric de fechar uma mina de cobre. Em outubro, Boric ordenou a repressão brutal dos eventos que comemoravam os protestos em massa de 2019, aos quais ele devia sua vitória eleitoral.

Scholz e Boric concordaram em cooperar estreitamente na mineração, nas matérias-primas e na energia renovável. O Chile vai utilizar energia eólica e hidrelétrica para produzir hidrogênio verde, que será então exportado para a Alemanha. Um primeiro projeto piloto conjunto, “Haru Oni” na Patagônia, foi inaugurado há algumas semanas.

O Chile é também o maior fornecedor mundial de cobre e possui grandes depósitos de lítio, que é necessário para produzir baterias de automóveis. Atualmente, é o segundo maior produtor de lítio, atrás da Austrália, e provê dois terços das importações da UE.

“A mineração de cobre e lítio é considerada particularmente suja”, escreveu o Frankfurter Allgemeine Zeitung. “A Alemanha está tentando se oferecer como um parceiro para a modernização da mineração e assim entrar no negócio”. O gabinete do chanceler está ciente de que a mineração tem sido captada pelos chineses por muito tempo. A Alemanha agora quer se tornar um parceiro atraente ao ter as matérias-primas processadas no país de origem, ao contrário da China.

Scholz passou o maior tempo no Brasil, onde se encontrou com o recém-eleito presidente Lula, a quem convidou para visitar a Alemanha e estreitar a cooperação entre os dois países. O ex-líder sindical e fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) tem sido um dos preferidos do capital brasileiro e internacional, temendo muito mais a mobilização independente da classe trabalhadora do que a ameaça do fascismo e da ditadura no maior país latino-americano.

Para voltar ao poder, Lula se aliou a elementos de direita da coalizão de governo de seu antecessor Bolsonaro, alguns dos quais colaboraram com os golpistas que devastaram a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro.

Scholz também acordou com Lula - além de proteger a floresta Amazônica - em trabalhar de perto na expansão da energia renovável e na produção de hidrogênio verde. “Nossas relações econômicas já são muito próximas”, enfatizou o chanceler. “Há cerca de 1.000 empresas alemãs no Brasil. Esse já é um número impressionante, mas queremos aumentá-lo ainda mais no futuro.”

Enquanto Scholz negociava numerosos acordos econômicos, ele recebeu com indiferença a questão da guerra na Ucrânia. Os representantes da burguesia latino-americana demonstram pouca inclinação para se tornarem completamente dependentes das potências da OTAN, esperando se beneficiar mais das manobras entre a Europa, os EUA, a China e a Rússia. Embora todos tenham condenado a Rússia como a agressora na Ucrânia, eles não estavam dispostos a participar diretamente da guerra fornecendo armas ou outro equipamento militar.

As diferenças se mostraram claras na conferência de imprensa final entre Scholz e Lula. Sob o olhar petrificado do chanceler, Lula explicou que não sabia exatamente por que a guerra havia se iniciado. Ele atribuiu uma parte da responsabilidade à Ucrânia e propôs a criação de um “clube da paz” no qual o Brasil desempenharia o papel de mediador e no qual a China também participaria. Dizendo que o Brasil é “um país comprometido com a paz”, Lula rejeitou o fornecimento de armas e munições à Ucrânia.

A viagem de Scholz à América Latina mostra o que significa a “virada dos tempos” anunciada pelo chanceler no início da guerra da Ucrânia. O governo alemão está usando a guerra com a Rússia, que a própria OTAN provocou por seu avanço agressivo para o leste, não apenas para a maior escalada militar desde Hitler, mas para se tornar mais uma vez a principal potência militar da Europa. Ele também quer expandir sua influência na América Latina, na África e em grandes partes da Ásia.

A luta para redividir o mundo entre as grandes potências imperialistas foi a causa da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Agora a Alemanha e as outras potências imperialistas estão preparando uma catástrofe ainda maior.

O preço está sendo pago pela classe trabalhadora internacional sob a forma de inflação, cortes sociais e repressão, e como bucha de canhão. Somente a intervenção política independente da classe operária pode deter esta loucura. Nisso, a luta contra a guerra é inseparável da luta contra a sua origem, o capitalismo.

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